"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, junho 25, 2010

'Falta de recursos para as áreas sociais deve-se à política de ajuste fiscal’

Instituto Humanitas Unisinos - 25 jun 10

O verdadeiro problema da falta de investimentos é a falta de recursos para as áreas sociais como um todo, devido à política de ajuste fiscal, que faz com que a totalidade dos recursos seja milhares de vezes menor que os gastos com a dívida.

A análise é do sítio Auditoria Cidadã, 23-06-2010.

Os jornais mostram as chuvas no Nordeste, destacando a falta de investimentos públicos em prevenção de desastres em Alagoas e Pernambuco, conforme apontado por esta seção já na segunda feira. Porém, a grande imprensa procura argumentar que o problema não seria a falta de recursos, mas a concentração dos mesmos no estado da Bahia e em ações posteriores aos desastres, em detrimento da prevenção. Os jornais argumentam que a Bahia ficou com 37% dos 357 milhões gastos de 2004 a 2009 com prevenção de desastres, e que em 2010 o governo gastou R$ 542 milhões em auxílios após os desastres, enquanto gastou só R$ 70 milhões com prevenção.

Em primeiro lugar, cabe ressaltar que tais dados de 2010 consideram o chamado “empenho” dos recursos, e não a sua efetiva aplicação. Caso consideremos os recursos efetivamente gastos até 17 de junho, veremos que apenas R$ 3 milhões já foram aplicados em prevenção e R$ 342 milhões no Programa “Resposta a Desastres e Reconstrução”.

Em segundo lugar, cabe ressaltar que mesmo a Bahia – apontada pela grande imprensa como privilegiada no recebimento de recursos para prevenção de desastres – foi fortemente atingida por chuvas em abril, quando dezenas de municípios decretaram situação de emergência.

Ou seja: o verdadeiro problema é a falta de recursos para as áreas sociais como um todo, devido à política de ajuste fiscal, que faz com que a totalidade dos recursos citados pela reportagem (mesmo incluindo a Bahia e os recursos “paliativos”) seja milhares de vezes menor que os gastos com a dívida.

O jornal Correio Braziliense noticia que a proposta de Lei de Diretrizes OrçamentáriasDIEESE, está em R$ 2.157,88, ou seja, 4 vezes superior. para 2011 poderá dar um “aumento” de 7,8% no salário mínimo (para R$ 550), porém, não diz que isto representa um aumento real de somente 3%, dado que a inflação no período deve ser de cerca de 4,5%. Nunca é demais lembrar que o salário mínimo necessário, calculado pelo

O governo alega que um salário mínimo maior quebraria a Previdência, porém, esta se inclui na Seguridade Social, que é amplamente superavitária, conforme demonstram os estudos da ANFIPAssociação Nacional dos Auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil.

Enquanto os gastos sociais e o salário mínimo são contidos, a arrecadação federal bate sucessivos recordes, conforme mostra o jornal Estado de São Paulo. Verificando-se os dados oficiais disponíveis na página da Receita Federal (Tabela II-A), constatamos que nos primeiros 5 meses de 2010 (em comparação ao mesmo período de 2009) a arrecadação cresceu R$ 37 bilhões (em termos reais), sendo que os tributos que mais cresceram foram aqueles incidentes sobre o consumo e a renda do trabalho, como o PIS/COFINS (que cresceu R$ 11 bilhões), a contribuição previdenciária sobre a folha (R$ 7 bilhões), o IPI (R$ 2,5 bilhões), o IOF (R$ 2,5 bilhões), o Imposto de Renda – Rendimentos do Trabalho e Pessoa Física (R$ 2,3 bilhões), e a CIDE-Combustíveis (R$ 2,2 bilhões). Enquanto isso, os tributos incidentes sobre a renda do capital caíram R$ 131 milhões, pois o Imposto de Renda - Pessoa Jurídica e sobre rendimentos de capital subiu somente R$ 156 milhões, e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) caiu R$ 287 milhões.

Interessante observar também que as entidades financeiras reduziram em R$ 1,2 bilhão a soma de pagamentos de Imposto de Renda, PIS/COFINS e CSLL. Ou seja: este recorde de arrecadação foi obtido às custas dos trabalhadores e consumidores, enquanto o capital – especialmente o rentista – foi aliviado.

E para quê estão servindo estes recordes de arrecadação? Conforme comentado em edições anteriores desta seção, o aumento da arrecadação tem servido de justificativa para o aumento do superávit primário, ou seja, servirá para o pagamento da dívida.

Um dos fatores que explica a baixa arrecadação de Imposto de Renda sobre os rendimentos do capital é a isenção para os ganhos dos estrangeiros com a dívida interna. Conforme mostra o jornal O Estado de São Paulo, os estrangeiros têm trazido cada vez mais recursos para o Brasil para esta finalidade, sendo que somente de janeiro a maio deste ano já entraram, em termos líquidos, US$ 12 bilhões.

Analistas consultados pelo jornal mostram que isto ocorre devido às altas taxas de juros brasileiras, enquanto representantes do governo ressaltam a influência da conquista do “Grau de Investimento”, ou seja, o título de bom pagador de dívidas. É importante ressaltar também que tais US$ 12 bilhões são apenas a “ponta do iceberg”, dado que investidores estrangeiros podem também ganhar com a dívida interna sem entrar na contabilidade do Governo.

O jornal O Globo também mostra que o país tem ficado mais dependente deste tipo de capital (ou seja, o capital financeiro especulativo) para cobrir o grande déficit nas contas externas. Este déficit é proveniente, principalmente, das remessas de juros e lucros para o exterior. O representante do Banco Central diz que isso não seria problema, pelo fato do país dispor de grande volume de reservas internacionais. Porém, esta montanha de reservas é constituída por meio da emissão de títulos da dívida interna, que paga os maiores juros do mundo. Além do mais, a grande quantidade de moeda estrangeira entrando no país faz cair o preço do dólar, dificultando as exportações e barateando as importações.

As consequências deste processo estão em notícia do Valor Econômico, segundo a qual somente nos 5 primeiros meses do ano a balança de comércio do setor industrial já atingiu um déficit de US$ 18 bilhões, o triplo do ocorrido no mesmo período do ano passado. Desta forma, é necessário que o país se transforme em um mar de soja e outros produtos primário-exportadores para que a balança comercial geral possa ser superavitária, para que então possa cobrir as remessas de juros e lucros.

Em suma: o rombo nas contas externas é financiado cada vez mais com dívida interna, ou seja, com custo altíssimo para a sociedade. Por fim, o jornal Estado de São Paulo noticia que a Alemanha, França e Reino Unido irão taxar os bancos para fazê-los pagar pelas crises, o que poderia ser uma boa iniciativa, caso não fosse tão tímida: a arrecadação prevista é de 2,4 bilhões de euros por ano, valor irrisório frente à ajuda trilionária recebida pelos bancos durante a crise.

O corte de recursos nas áreas sociais para geração de superavit primário sempre foi uma política utilizada para pagamento das dívidas nacionais. Não é nenhuma surpresa tal informação.

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