"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quarta-feira, abril 04, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 04/04/07

A direitização do mundo na política

Em artigo anterior a este, José Vidal-Beneyto refletia sobre o processo de direitização em andamento no mundo a partir dos meios de comunicação e do espaço privilegiado que dão a posições situadas à direita no espectro intelectual. No presente artigo, em que continua a sua reflexão, faz uma análise da direitização da política, sobretudo na Europa.

Segue o artigo de José Vidal-Beneyto publicado no El País, 31-03-2007. A tradução é do Cepat.

Quando a direitização alcança a direita esta radicaliza suas posições e se confronta com dois futuros que constituem, como uma dupla, seu destino inescapável: a direita extrema e/ou a extrema direita. Não são um jogo de palavras, mas uma alternativa fundamental para a sobrevivência da democracia. Pois, se a primeira se situa no último patamar do espectro democrático, mas sem sair dele, e por isso tem plena legitimidade, a extrema direita ultrapassa arrogantemente seus limites, se pretende e se produz extramuros dos princípios e valores democráticos, faz troça dos direitos humanos e descumpre tudo o que deles deriva. Isso faz da extrema direita o inimigo mais virulento da democracia.

Suas múltiplas formas vão desde os grupelhos nazi-fascistas, que com seus uniformes paramilitares, suas cabeças raspadas e suas expedições punitivas, formam uma trama que varia entre o grotesco e o inquietante cujo último exemplar é a formação sueca Sangue e Honra, até a normalização banalizadora que supõem as variantes eleitorais, que já ocupam um espaço notável no cenário político europeu. A Frente Nacional na França, a Aliança Nacional e a Liga na Itália, os sucessores de Haider na Áustria ou o novo grupo Identidade, Tradição e Soberania do Parlamento Europeu formam um continuum no qual a contaminação extremo-direita é cada vez mais evidente e difícil de evitar.

À absolutização dos conteúdos ideológicos tem correspondido uma agressiva beligerância nos modos verbais destes partidos, com o recurso sistemático ao insulto, assim como a práticas políticas que fizeram do enfrentamento público em ruas e praças a forma mais insigne da ação política. A direita moderada e os partidos historicamente democráticos situados em seu âmbito sempre foram hostis a dirimir nas ruas as diferenças políticas. Seu respeito à legalidade institucional e sua mitificação da ordem levaram-nos a privilegiar a disputa eleitoral e parlamentar e a renunciar à rua, preferência à qual não tem sido alheio seu convencimento de que nesse terreno os militantes de ambos extremos sempre levavam a melhor.

Os regimes totalitários, ao contrário, convocaram sistematicamente os seus para a celebração de suas glórias em espaços politicamente consagrados: Piazza Venezia, em Roma; Praça José Martí, em Havana; Porta de Brandeburgo, em Berlim; Praça Vermelha, em Moscou; Praça do Oriente, na Espanha... Frente a estas cerimônias do ego coletivo, seja da nação seja de seu regime, com seus unanismos orquestrados desde o poder, a rua como espaço de lutas foi uma reivindicação dos grupos radicais, especialmente, ainda que não unicamente, da esquerda.

A desconfiança da direita moderada para com as ações de massa teve uma conseqüência decisiva no processo da transição espanhola. A fortíssima mobilização democrática dos anos 1973 a 1977, de que se dá conta nos meus livros Del franquismo a una democracia de clase (Akal, 1977) e Diario de una ocasión perdida (Kairos, 1981), se viu interrompida com a criação, em março de 1976, da Coordenação Democrática e, sete meses depois, com a Platajunta. Pois bem, para conseguir a conjunção de todas as forças democráticas, os partidos da direita civilizada exigiram que para qualquer ação na rua fosse necessária a unanimidade de todos os seus membros. O que, dado o seu elevado número e a oposição frontal de alguns deles, as tornou impossíveis. Dessa forma se devolveu a titularidade da rua aos tardofranquistas que, tendo Manuel Fraga à frente, a ocupavam com a força de sua polícia política e de seus cinzentos.

Hoje, as manifestações de Rajoy corrigiram o abominável legado de seu emblemático presidente de honra e devolveram a patente democrática, ainda que as pessoas da ordem a considerem excessiva, a nossas praças e ruas. Na minha opinião, esse é o grande descarte, que, portanto, louvo com uma única ressalva, que a obsessão pela revanche e o contágio extremista empurrem o PP para a extrema direita e o acabem tirando do recinto democrático. O que seria dramático para ele, mas também para a democracia espanhola.

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