Genômica, biopirataria e povos indígenas. Um artigo de Sílvia Ribeiro
A pesquisadora Silvia Ribeiro do Grupo ECT em artigo para o La Jornada, 31-03-2007, denuncia que no México desenvolvem-se pesquisas que se utilizam dos povos indígenas para fins comerciais sem o consentimento desses. Segundo a pesquisadora em alguns casos, as amostras obtidas foram parar em "bancos genéticos" internacionais e até hoje se podem comprar pela Internet. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo
Estão em andamento vários projetos nacionais e internacionais para recolher dos povos índios amostras de sangue (ou outros tecidos) e usar a informação genética. Este tipo de projeto vampiro não é um fenômeno novo. Tornou-se uma forma privilegiada de biopirataria e patenteamento de genes indígenas em muitas partes do mundo. Com as novas tecnologias disponíveis, as implicações destes projetos vão para muito além da biopirataria individual: estabelece formas de controle social - por meio da identidade genética - e de exploração comercial - por parte de empresas farmacêuticas e bioinformáticas - cada vez mais amplas e com conseqüências imprevistas para os povos índios e para a sociedade em geral.
Em escala internacional existem, entre outros, o Projeto Genográfico (da IBM e da National Geographic) e o Projeto HapMap (dos Estados Unidos e outros governos, juntamente com grandes transnacionais farmacêuticas e informáticas). No México destacam-se as atividades coordenadas pelo Instituto Nacional de Medicina Genômica (Inmegen), que começou afirmando que o México era um país de "oportunidades para a indústria farmacêutica" devido aos seus "60 grupos étnicos", mas que na seqüência mudou de linguagem com o objetivo de dissimular suas intenções, afirmando que o seu projeto Mapa Genômica dos Mexicanos seria feito com as populações "mestiças".
A partir de 22 de Março último tirou outra vez a sua máscara, quando a pedido do governo repressor de Oaxaca e na presença de Ulises Ruiz, o Inmegen assinou um acordo com os serviços de saúde estatais e instituições de educação superior dessa entidade para colher amostras dos "grupos étnicos" do estado. Começaram pela Serra Norte e Mixteca. Vários outros povos indígenas estão na mira, como tzeltales, wixarica (huicholes), ñahñúes (otomíes), comca'ac (seris) e outros, mas o Inmegen e as instituições envolvidas não revelam a informação, esperando evitar a resistência dos povos indígenas, a sua principal matéria-prima.
Anteriormente já existiam vários projetos de amostragem sanguínea de indígenas - que agora convergem com os do Inmegen - realizados por pesquisadors da Associação Mexicana de Genética Humana, de institutos acadêmicos, como o Centro Universitário da Ciénega, da Universidade de Guadalajara (CUCI-UdeG), e outros, incluindo a UNAM. Amiúde estas pesquisas estão vinculadas a programas de saúde públicas, que chegam aos povos para colher amostras alegando diversos programas de prevenção.
Esses projetos não servem - nem servirão - em absolutamente nada para os povos indígenas, mas para os pesquisadores resultaram em publicações, créditos acadêmicos e bolsas, e às instituições a justificação para pedir a compensação de recursos públicos e, em ambos os casos, produzir informação que logo é capitalizada pela grandes empresas farmacêuticas. Em alguns casos, as amostras obtidas foram parar em "bancos genéticos" internacionais e até hoje se podem comprar pela Internet, como por exemplo no Instituto Coriell dos Institutos de Saúde dos Estados Unidos, há cópias de material genético de indígenas mexicanos de vários povos, a partir de 85 dólares por amostra. Algumas amostras colocadas na Internet foram patenteadas por empresas ou pesquisadores.
Muitos estudos de antropologia biológica e antropologia física, baseados em amostras de sangue de povos indígenas não teriam sido realizados se os povos tivessem realmente o conhecimento dos objetivos destes. Um exemplo entre outros: os estudos comparativos entre os povos purépecha, wixarica e rarámuri de Héctor Rangel Villalobos são um profundo insulto a esses povos. Ainda que para os pesquisadors seja apenas "pesquisa", para os povos tal tipo de estudo e comparação é uma ofensa, que nunca seria aprovada nas suas assembléias.
É possível tenha sido dada alguma informação as pessoas no sentido de que as amostras seriam para "pesquisa científica", mas isto de modo algum pode ser considerado "consentimento formal" pois as pessoas não contribuem com informação individual e sim com informação genética de todo o povo a que pertencem. Portanto, é um tema do povo ou da nação, não de indivíduos.
A maioria destes projetos afirma, entretanto, que os aqueles que doaram coletas foram informados e consultados previamente. Mas a informação que lhes é dada - quando isto acontece - é totalmente fragmentária e não dá uma idéia real do que pode acontecer posteriormente com as amostras obtidas. Ou ainda desde o início a instituição desvincula-se de toda a responsabilidade futura. Este é o caso do projeto Mapa Genômica dos Mexicanos, do Inmegen. O formulário de "consentimento formal" que esta instituição entrega diz textualmente: "não se pode predizer sempre o resultado da pesquisa (sic) pelo que podem surgir riscos no futuro que não podemos predizer agora". Na prática o Inmegen desliga-se assim da utilização que qualquer pessoa, empresa ou governo dê à informação genética que extraiu.
Trata-se de algo extremamente sério, uma vez que o Inmegen, vive de fundos públicos - e privados -, mas, sobretudo dos genes da população mexicana, incluindo indígenas, que desde a sua concepção tem relações incestuosas com fortes interesses privados nacionais e com transnacionais farmacêuticas e bioinformáticas cujo objetivo é lucrar com essa informação. Isto por meio de produtos farmacêuticos para as minorias que possam pagá-los, mas também de muitos outros usos possíveis. Por exemplo, vendendo informação sistematizada a bases de dados governamentais (nacionais ou estrangeiras) que no futuro - do qual o Inmegen já se desligou - possa ser usada contra os próprios povos.
Eis o artigo
Estão em andamento vários projetos nacionais e internacionais para recolher dos povos índios amostras de sangue (ou outros tecidos) e usar a informação genética. Este tipo de projeto vampiro não é um fenômeno novo. Tornou-se uma forma privilegiada de biopirataria e patenteamento de genes indígenas em muitas partes do mundo. Com as novas tecnologias disponíveis, as implicações destes projetos vão para muito além da biopirataria individual: estabelece formas de controle social - por meio da identidade genética - e de exploração comercial - por parte de empresas farmacêuticas e bioinformáticas - cada vez mais amplas e com conseqüências imprevistas para os povos índios e para a sociedade em geral.
Em escala internacional existem, entre outros, o Projeto Genográfico (da IBM e da National Geographic) e o Projeto HapMap (dos Estados Unidos e outros governos, juntamente com grandes transnacionais farmacêuticas e informáticas). No México destacam-se as atividades coordenadas pelo Instituto Nacional de Medicina Genômica (Inmegen), que começou afirmando que o México era um país de "oportunidades para a indústria farmacêutica" devido aos seus "60 grupos étnicos", mas que na seqüência mudou de linguagem com o objetivo de dissimular suas intenções, afirmando que o seu projeto Mapa Genômica dos Mexicanos seria feito com as populações "mestiças".
A partir de 22 de Março último tirou outra vez a sua máscara, quando a pedido do governo repressor de Oaxaca e na presença de Ulises Ruiz, o Inmegen assinou um acordo com os serviços de saúde estatais e instituições de educação superior dessa entidade para colher amostras dos "grupos étnicos" do estado. Começaram pela Serra Norte e Mixteca. Vários outros povos indígenas estão na mira, como tzeltales, wixarica (huicholes), ñahñúes (otomíes), comca'ac (seris) e outros, mas o Inmegen e as instituições envolvidas não revelam a informação, esperando evitar a resistência dos povos indígenas, a sua principal matéria-prima.
Anteriormente já existiam vários projetos de amostragem sanguínea de indígenas - que agora convergem com os do Inmegen - realizados por pesquisadors da Associação Mexicana de Genética Humana, de institutos acadêmicos, como o Centro Universitário da Ciénega, da Universidade de Guadalajara (CUCI-UdeG), e outros, incluindo a UNAM. Amiúde estas pesquisas estão vinculadas a programas de saúde públicas, que chegam aos povos para colher amostras alegando diversos programas de prevenção.
Esses projetos não servem - nem servirão - em absolutamente nada para os povos indígenas, mas para os pesquisadores resultaram em publicações, créditos acadêmicos e bolsas, e às instituições a justificação para pedir a compensação de recursos públicos e, em ambos os casos, produzir informação que logo é capitalizada pela grandes empresas farmacêuticas. Em alguns casos, as amostras obtidas foram parar em "bancos genéticos" internacionais e até hoje se podem comprar pela Internet, como por exemplo no Instituto Coriell dos Institutos de Saúde dos Estados Unidos, há cópias de material genético de indígenas mexicanos de vários povos, a partir de 85 dólares por amostra. Algumas amostras colocadas na Internet foram patenteadas por empresas ou pesquisadores.
Muitos estudos de antropologia biológica e antropologia física, baseados em amostras de sangue de povos indígenas não teriam sido realizados se os povos tivessem realmente o conhecimento dos objetivos destes. Um exemplo entre outros: os estudos comparativos entre os povos purépecha, wixarica e rarámuri de Héctor Rangel Villalobos são um profundo insulto a esses povos. Ainda que para os pesquisadors seja apenas "pesquisa", para os povos tal tipo de estudo e comparação é uma ofensa, que nunca seria aprovada nas suas assembléias.
É possível tenha sido dada alguma informação as pessoas no sentido de que as amostras seriam para "pesquisa científica", mas isto de modo algum pode ser considerado "consentimento formal" pois as pessoas não contribuem com informação individual e sim com informação genética de todo o povo a que pertencem. Portanto, é um tema do povo ou da nação, não de indivíduos.
A maioria destes projetos afirma, entretanto, que os aqueles que doaram coletas foram informados e consultados previamente. Mas a informação que lhes é dada - quando isto acontece - é totalmente fragmentária e não dá uma idéia real do que pode acontecer posteriormente com as amostras obtidas. Ou ainda desde o início a instituição desvincula-se de toda a responsabilidade futura. Este é o caso do projeto Mapa Genômica dos Mexicanos, do Inmegen. O formulário de "consentimento formal" que esta instituição entrega diz textualmente: "não se pode predizer sempre o resultado da pesquisa (sic) pelo que podem surgir riscos no futuro que não podemos predizer agora". Na prática o Inmegen desliga-se assim da utilização que qualquer pessoa, empresa ou governo dê à informação genética que extraiu.
Trata-se de algo extremamente sério, uma vez que o Inmegen, vive de fundos públicos - e privados -, mas, sobretudo dos genes da população mexicana, incluindo indígenas, que desde a sua concepção tem relações incestuosas com fortes interesses privados nacionais e com transnacionais farmacêuticas e bioinformáticas cujo objetivo é lucrar com essa informação. Isto por meio de produtos farmacêuticos para as minorias que possam pagá-los, mas também de muitos outros usos possíveis. Por exemplo, vendendo informação sistematizada a bases de dados governamentais (nacionais ou estrangeiras) que no futuro - do qual o Inmegen já se desligou - possa ser usada contra os próprios povos.
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