O ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira lança nesta semana o livro "Macronomia da Estagnação". Resultado de sete anos de pesquisas sobre a economia brasileira, o livro faz sérias críticas ao modelo que orientou a política econômica nos últimos anos.
Bresser propõe em seu livro o que chama de "terceiro discurso". O novo desenvolvimentismo, como foi batizado, seria um modelo intermediário entre a ortodoxia "ditada pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial para os países em desenvolvimento" e o velho desenvolvimentismo, baseado na forte intervenção do Estado na economia.
Para ele, o país vive hoje "numa armadilha, um ciclo vicioso formado por juros altos, baixa taxa de câmbio e ajuste fiscal frouxo". A reportagem e a entrevista é de Cristiane Barbier e publicada no jornal Folha de S. Paulo,20-05-2007.
O que é o novo desenvolvimentismo?
É um terceiro discurso entre a ortodoxia convencional e o velho desenvolvimentismo. A ortodoxia é o conjunto de diagnósticos, recomendações e pressões que os países ricos, por meio do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, fazem aos países em desenvolvimento. Já o desenvolvimentismo era baseado na forte intervenção do Estado na economia, de que o Brasil não precisa mais. O país ainda precisa de política industrial, mas o essencial é ter uma estratégia nacional de desenvolvimento, o novo desenvolvimentismo.
O segundo mandato do governo Lula está dando passos nessa direção?
Estou mais otimista e esperançoso em relação ao segundo governo Lula. Ele montou um ministério competente. O ministro da Fazenda [Guido Mantega] é muito melhor do que o primeiro ministro [Antonio Palocci Filho], não tem comparação. No BNDES, temos o Luciano Coutinho, e, no FMI, o Paulo Nogueira Batista, excelentes economistas. O PAC não resolve nossos problemas, mas é um passo correto.
Por que não resolve?
Porque o que não fizemos ainda foi mudar a política macroeconômica. Esse é o tema fundamental do livro, que está todo organizado em cima da taxa de câmbio, da taxa de juros, da taxa de inflação e do ajuste fiscal.
As tão faladas reformas estruturais não são essenciais para o crescimento mais vigoroso?
Elas são importantes, mas não é por falta de reformas que o Brasil não está crescendo. Estamos fazendo reformas como devem ser feitas, graduais. O Brasil não cresce porque não consegue uma verdadeira estabilidade macroeconômica.
Como assim?
A ortodoxia define estabilidade macroeconômica como estabilidade de preços. Ganhamos muitos elogios vindos do Norte por isso, mas o fato de estarmos quase estagnados há 27 anos não importa.
O que é, então, a estabilidade macroeconômica?
É ter estabilidade de preços, taxa de juros moderada que garanta o equilíbrio fiscal, taxa de câmbio competitiva que garanta o equilíbrio das contas externas e, finalmente, o pleno emprego. Temos inflação controlada e, no momento, equilíbrio das contas externas. Mas estamos sofrendo da doença holandesa, que é incompatível com o equilíbrio das contas externas a longo prazo.
O que é a doença holandesa?
É a doença que atinge os países produtores de petróleo ou que têm recursos naturais abundantes e baratos, como ferro e agronegócios no Brasil. Chama-se doença holandesa porque, na década de 60, foi descoberto gás de petróleo na Holanda e a taxa de câmbio começou a se valorizar. Com isso, perceberam que o país estava ameaçado de trocar a Philips, por exemplo, pelo gás de petróleo.
Por quê?
Porque países que sofrem da doença holandesa têm dinheiro, mas as indústrias que estejam utilizando tecnologia no estado da arte internacional são impedidas de serem competitivas por causa da apreciação do câmbio.
Qual foi a solução?
Eles colocaram um imposto de exportação no gás e trouxeram a taxa de câmbio para patamares mais próximos do interesse de toda a indústria.
Colocar um imposto em setores fortemente exportadores não vai contra tudo o que o país faz hoje? O barulho não seria enorme?
Esse imposto causa um receio muito grande aos exportadores, mas sem motivo. Atividades como mineração e agronegócio são muito importantes para o Brasil. São tecnologicamente sofisticadas, com empresários modernos e competentes. Se colocarmos um imposto de R$ 0,50 sobre uma taxa de câmbio de R$ 2, eles não perdem nada. Ao contrário, até ganham um pouco na venda de seus produtos com o câmbio valorizado. E toda a economia em geral ganha mais.
O senhor citou o caso da Holanda na década de 60. Funcionaria nos dias de hoje, da economia globalizada?
O Chile faz isso hoje com o cobre. Mas quem faz isso com maestria é a Noruega, que descobriu petróleo no mar do Norte há 20 ou 30 anos. O dinheiro do imposto de exportação foi colocado num fundo de títulos e ações internacionais. O dinheiro não entra na economia e não pressiona câmbio e inflação. Só o rendimento líquido do fundo entra na Noruega.
Por que o senhor diz que o brasileiro é hoje um refém?
Os brasileiros são reféns porque a ortodoxia ameaça o tempo todo: "se vocês baixarem os juros, a inflação volta". Mentira! Volta coisa nenhuma! Se fizerem o que proponho, e isso envolve depreciação da taxa de câmbio, a inflação vai voltar um pouco, sim.
Mas isso não é arriscado?
A inflação sobe um pouquinho e depois volta para baixo se os preços públicos forem desindexados.
Economistas dizem que suas idéias pertencem ao passado.
Sei que vou ser chamado de nacionalista atrasado. Ser nacionalista é vestir a camisa do país. É entender que, no mundo da globalização, existe a possibilidade e a necessidade da cooperação entre povos e nações, mas que a regra fundamental é a da competição.
O que isso significa?
O capitalismo é baseado na competição não apenas entre empresas mas também entre os Estados-nações. Se a globalização é uma grande competição, o desenvolvimento econômico é o sucesso dessa competição. Nós estamos fracassando miseravelmente há 27 anos. Estamos ficando para trás, para trás e para trás.
Por quê?
Com a crise dos anos 80, o Brasil perdeu a idéia de nação e voltou a aceitar uma estratégia dada pelos concorrentes, que não têm interesse em que sejamos bem-sucedidos.
Qual é a solução?
Há países que estão crescendo extraordinariamente, como China, Índia, Malásia, Rússia e, agora, Argentina, porque têm estratégias nacionais de desenvolvimento a seu modo, definindo sua taxa de câmbio, pondo juros a níveis civilizados, com ajuste fiscal e um pouco de política industrial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário