A Toyota é o mais novo fenômeno mundial de sucesso num setor extremamente competitivo e concentrado. Concorrentes, mas também empresas de outros setores se esmeram em desvendar os ‘segredos’ do sucesso da montadora japonesa e em copiar seus métodos. Para o autor deste artigo, Frédéric Lemaître, o grande segredo da Toyota está na “sua organização do trabalho e seu sistema de relações sociais”. Lemaître situa o modelo francês de organização do trabalho nas “antípodas do modelo japonês”, como “anti-Toyota”. Para ele, no caso da França, mais do aumentar o tempo de trabalho, questão de fundo é fazer trabalhar “mais inteligentemente”, uma crítica à proposta de Sarkozy.
Segue a íntegra do artigo do Le Monde, 25-05-2007. A tradução é do Cepat.
Dos dois acontecimentos quase simultâneos – a vitória de Nicolas Sarkozy na eleição presidencial e a ultrapassagem da General Motors pela Toyola como a maior fabricante de carros do mundo–, a história vai julgar qual será o mais importante. Entretanto, a questão fundamental em torno da qual deverão girar as conversas do presidente da República com os parceiros sociais é esta: por que a França é incapaz de produzir um líder mundial como a Toyota? Dar uma resposta coletiva a esta pergunta permitirá resolver grande parte dos bloqueios franceses. O sucesso da montadora japonesa oferece, com efeito, um contraste surpreendente com as nossas empresas. Não que algumas delas sejam incapazes de seres líderes mundiais, mas o sistema administrativo da Toyota que está na origem da sua conquista encontra-se – infelizmente – nas antípodas das práticas francesas.
Um grupo japonês não vende perto de dez milhões de veículos por ano, três milhões dos quais na América do Norte, por acaso. Para alcançar os dois objetivos fixados desde os anos 1950 – a organização em fluxos contínuos e a melhoria permanente –, os dirigentes da Toyota desenvolveram e colocaram em prática três princípios fundamentais: o desenvolvimento pessoal dos seus trabalhadores, a luta permanente contra o desperdício e a capacidade de cada um resolver os problemas e de participar da melhoria dos produtos (O modelo Toyota, de Jeffrey Liker. São Paulo: Bookman, 2005). Copiada pela maioria das multinacionais desde os anos 1980, a ex-fabricante de tecelagens nunca foi igualada. De modo geral, dispõe hoje de conhecimentos que a coloquem na dianteira na maioria dos campos, especialmente da tecnologia híbrida (motores à base de combustível e eletricidade).
Se a Toyota abocanha partes do mercado de seus concorrentes americanos e europeus, isso não é porque seus carros seriam subvencionados ou porque explorariam seus operários de maneira descarada – o japonês parece muito feliz pela abertura de uma fábrica em Valenciennes apesar das 35 horas –, mas porque sua organização do trabalho e seu sistema de relações sociais lhe permitem propor carros melhores.
É aí que a comparação com a França é cruel. Mesmo quando os estudos internacionais neste campo são aleatórios, tudo indica que o arcaísmo das relações sociais na França tem um impacto direto sobre a organização e, portanto, sobre as condições de trabalho e em seguida, in fine, sobre a performance das empresas. Como o demonstra o economista Thomas Philippon num ensaio muito estimulante, Le Capitalisme d’héritiers (Seuil, 110 p., 10,50 euros), os franceses não têm nenhuma alergia particular ao trabalho. Pelo contrário, eles se encontram, nos países desenvolvidos, entre aqueles para quem o trabalho é o mais importante. Muitos deles julgam importante ensinar os seus filhos a “trabalhar duro”.
Se esta tese estiver correta, o diagnóstico de Nicolas Sarkozy é falso: não haveria crise do valor trabalho. Ao contrário, os franceses, explica Thomas Philippon, não conseguem trabalhar juntos. “A má qualidade das relações sociais na França é uma característica que ressalta de todas as pesquisas disponíveis, e isso de maneira permanente”, escreve. Um estudo realizado em 2003 para a Comissão Européia o confirma: 50% dos franceses interrogados pensam que há muitas tensões entre os trabalhadores e os dirigentes em seu país”, um recorde na Europa dos Quinze, excetuada a Grécia. Do mesmo modo, sempre com exceção da Grécia, a França se classificaria atrás na Europa quando o assunto é “a liberdade de tomar decisões em seu trabalho”. O anti-Toyota, de alguma maneira!
Alguns atribuem esse clima às chefias dos grandes grupos. Para Philippon, o fato de que um grande número de empresas seja dirigido por “herdeiros” (no sentido patrimonial ou sociológico pelo viés dos grandes corpos do Estado) explica, em grande parte, a falta de confiança generalizada nas sociedades francesas.
O trabalho sentido como sofrimento
Outros apontam o papel negativo dos sindicatos, alguns dos quais sempre consideram o lucro como ilegítimo e desconfiam da liberdade dada aos trabalhadores, estágio último da exploração capitalista! Pouco importa: o trabalho é sempre percebido como um sofrimento. E as condições de trabalho têm a tendência de se degradarem. Segundo a pesquisa feita a cada dez anos pelo Ministério do Trabalho, entre 1994 e 2003, “a exposição dos trabalhadores à maioria dos riscos e sofrimentos do trabalho teve tendência ascendente”. As jornadas de trabalho são menos longas, mas as restrições organizacionais e os sofrimentos físicos aumentam.
Em nome da defesa do emprego, os sindicatos hesitaram muito tempo antes de fazer da melhoria das condições de trabalho uma verdadeira prioridade. Os recentes suicídios na Renault mostraram que um certo número de representantes do pessoal também se sentia mal diante das atitudes da direção em relação a esse fenômeno. Para o patronato, a melhoria das condições de trabalho é muitas vezes visto como um custo suplementar, e a idéia de que um subordinado possa ter idéias melhores que seu superior é contrária à nossa “lógica de honra”. De repente, qualquer negociação sobre esse tema fracassa.
Um sinal não falha. Nos últimos 25 anos, um instituto americano, o Great Place to Work, sonda dezenas de milhares de trabalhadores para classificarem as melhores empresas para se trabalhar. Nos últimos anos, o instituto ampliou suas pesquisas na Europa para empresas que se ofereciam voluntariamente. Na maioria dos países, o instituto foi obrigado a limitar a participação a 200 empresas. Na França, apenas cerca de 60 se candidataram. Conseqüência: nenhuma empresa francesa – com exceção de algumas filiais de grupos americanos – figura no Top 100 das empresas em que é bom trabalhar na Europa.
Podemos tratar esse tipo de classificação pelo viés da desconfiança. Mas, na competição mundial, os grupos têm apenas duas maneiras de se sair bem: oferecer os mesmos bens ou serviços que seus concorrentes a um preço mais baixo ou propor novos. A menos que se desloque a produção para um país emergente, a primeira alternativa está devotada ao fracasso. Resta a segunda: inovar. A não ser que consagrem a isso somas fabulosas, as empresas só podem contar com seus trabalhadores. Ora, sem motivação não há inovação. Propor aos trabalhadores, voluntários, trabalhar mais tem sido, sem dúvida, a proposta defendida por Sarkozy. Mas a verdadeira ruptura consistiria em fazê-los trabalhar mais inteligentemente. Um desafio que, é verdade, não se enfrenta com uma simples lei.
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