"É de esperar que as indústrias da ecologia resolvam o problema ambiental quando é certo que a sustentabilidade econômica delas depende da permanente ameaça à sustentabilidade da vida na terra?", pergunta Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português, é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 12-11-2007. Segundo ele, é preciso que sejam estabelecidos critérios exigentes de sustentabilidade global; "democratização do acesso à terra e regularização da propriedade camponesa; subordinação do agrocombustível à segurança alimentar; novas lógicas de consumo (se a eficiência do transporte ferroviário é 11 vezes superior à dos transportes rodoviários, por que não investir apenas no primeiro?); alternativas ao mito do desenvolvimento e numa nova solidariedade do Norte para com o Sul".
Eis o artigo.
A questão ambiental entrou finalmente na agenda política, o que não deixa de causar alguma surpresa aos ativistas dos movimentos ecológicos, sobretudo àqueles que militam há mais tempo e se habituaram a ser apodados de utópicos e inimigos do desenvolvimento.
Ao longo das últimas décadas, os movimentos ecológicos foram ganhando credibilidade à medida que a ciência foi demonstrando que os argumentos por eles invocados se traduziam em fatos indesmentíveis -a perda da biodiversidade, as chuvas ácidas, o aquecimento global, as mudanças climáticas, a escassez de água etc.- que, a prazo, poriam em causa a sustentabilidade da vida na terra.
Com isso, ampliaram-se os estratos sociais sensíveis à questão ambiental e a classe política mais esclarecida ou mais oportunista (por vezes disfarçada de sociedade civil, como é o caso de Al Gore) não perdeu a oportunidade de encontrar nessa questão um novo campo de atuação e de legitimação.
Assim se explica o importante relatório sobre a "conta climática" de um economista nada radical, Nicholas Stern, encomendado por um político em declínio, Tony Blair.
Nesse processo foram "esquecidos" muitos dos argumentos dos ambientalistas, nomeadamente aqueles que punham em causa o modelo de desenvolvimento capitalista dominante.
Esse "esquecimento" foi fundamental para a segunda razão do atual boom ambiental: a emergência do ecologismo empresarial, das indústrias da ecologia (não necessariamente ecológicas) e, acima de tudo, dos agrocombustíveis, cujos promotores preferem designar, "et pour cause", como biocombustíveis.
As reservas que os movimentos sociais (ambientalistas e outros) levantam contra esse último fenômeno merecem reflexão, tanto mais que, tal como aconteceu antes, é bem provável que só daqui a muitos anos (tarde demais?) sejam aceitas pela classe política.
A primeira pode formular-se como uma pergunta: é de esperar que as indústrias da ecologia resolvam o problema ambiental quando é certo que a sustentabilidade econômica delas depende da permanente ameaça à sustentabilidade da vida na terra?
A eficiência ambiental dos agrocombustíveis é uma questão em aberto. Sua produção usa fertilizantes, polui os cursos de água e é já hoje uma das causas do desflorestamento, da subida do preço da terra e da emergência de uma nova economia de plantação, neocolonial e global.
A segunda reserva diz respeito ao impacto da expansão dos agrocombustíveis na produção de alimentos. Em setembro, o bushel de trigo atingiu preço recorde na Bolsa de Mercadorias de Chicago. Más colheitas (derivadas das mudanças climáticas), o aumento da procura pela China e a Índia e a produção de agrocombustíveis foram as razões do aumento, e a expectativa é que a subida continue.
O aumento do preço dos alimentos vai afetar desproporcionalmente populações empobrecidas dos países do Sul, pois gastam mais de 80% dos seus parcos rendimentos na alimentação.
Ao decidirem atribuir US$ 7,3 bilhões anuais em subsídios para a produção de agrocombustíveis, os EUA contribuíram para um aumento (que chegou a 400%) do preço do alimento básico dos mexicanos, a tortilla.
Reside aqui a terceira reserva: os agrocombustíveis podem vir a contribuir para a desigualdade entre países ricos e países pobres. Enquanto na União Européia a opção pelos agrocombustíveis corresponde a preocupações ambientais, nos EUA a preocupação é com a diminuição da dependência do petróleo.
Em qualquer dos casos, estamos perante mais uma forma de protecionismo sob a forma de subsídios à agroindústria e, como a produção doméstica não é de nenhum modo suficiente, é, de novo, nos países do Sul que se vão buscar as fontes de energia. Se nada for feito, repetir-se-á a maldição do petróleo: a pobreza das populações em países ricos em recursos energéticos.
O que há a fazer? Critérios exigentes de sustentabilidade global; democratização do acesso à terra e regularização da propriedade camponesa; subordinação do agrocombustível à segurança alimentar; novas lógicas de consumo (se a eficiência do transporte ferroviário é 11 vezes superior à dos transportes rodoviários, por que não investir apenas no primeiro?); alternativas ao mito do desenvolvimento e numa nova solidariedade do Norte para com o Sul.
Nesse domínio, o governo equatoriano acaba de fazer a proposta mais inovadora: renunciar à exploração do petróleo numa vasta reserva ecológica se a comunidade internacional indenizar o país em 50% da perda de rendimentos derivados da renúncia.
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