"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, novembro 16, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 15/11/07

Um retorno ao passado para entender o futuro. Entrevista especial com Gunter Axt

O processo e o contexto histórico brasileiro, platino e mundial são, freqüentemente, analisados à margem da história do Brasil e do Rio Grande do Sul. Ainda que possua um histórico peculiar, todo o processo que envolveu a construção do Estado depende muito desse contexto mais englobado e pouco analisado. Com o intuito de resgatar a história do Estado, entendendo-o globalmente, um grupo de historiadores lançou “História Geral do Rio Grande do Sul” (Porto Alegre: L&PM Editores, 2007). São análises diversas, de diferentes pesquisas, que visam a entender o Rio Grande do Sul como um todo. Um dos períodos de maior destaque e debatido amplamente ainda hoje é a República Velha, tema do terceiro tomo do livro.

Sobre o período e seus contextos, a IHU On-Line conversou, por telefone, com Gunter Axt, que fala das reflexões que podem ser realizadas a partir deste assunto e sobre a importância desse resgate histórico. “A história tem esse dinamismo, as perguntas formuladas sobre o passado partem justamente de impasses e desafios vividos no presente. E é sempre uma riqueza as pessoas consultarem o manancial da pesquisa histórica, porque elas vão encontrar elementos que talvez as ajude a compreender melhor as situações vividas no presente”, contou-nos Axt.

Gunter Axt é graduado e mestre em História, pela UFRGS. Realizou doutorado em Historia Social pela USP. É pós-doutor pela Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Ele é pesquisador associado da USP e diretor da Axt Consultoria Histórica.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que reflexões podemos fazer acerca do Volume IV da obra "História Geral do Rio Grande do Sul", que se propõe a discutir a República Velha?

Gunter Axt – A primeira questão é que nós precisamos saber que o Rio Grande do Sul não precisa ser analisado separadamente. Ele é uma parte do processo histórico brasileiro, bem como do processo histórico platino e do processo histórico mundial. Logo em seguida, é importante considerar os motivos que levaram a passagem do Império para a República do Brasil, e como isso repercutiu no Rio Grande do Sul. Eu diria que uma das coisas fundamentais que garantiu durante o século XIX, portanto durante o Império, a unidade territorial brasileira e aquilo que se convencionou também de chamar de estabilidade institucional brasileira, foi justamente um certo acordo tácido que a elite econômica e dirigente desse país formou na época no sentido de preservar uma unidade jurídica. Isso porque a unidade jurídica era fundamental para que se preservasse o sistema escravista, que era base para a economia e das relações sociais da época. Veja: se uma província do Império tivesse autonomia política e administrativa e legislativa, ela poderia, de forma autônoma e independente, decretar a abolição da escravatura. E os escravos das outras províncias poderiam fugir para lá e automaticamente seriam alforriados. Portanto, esta unidade jurídica era fundamental.

Esse foi o motivo pelo qual o Brasil não teve uma Federação, porque a Federação foi o projeto inicial candente no início do século XIX, haja vista, por exemplo, o que foi proposto na Revolução Pernambucana de 1817 (1). No entanto, se optou por um modelo administrativo centralizado durante o Império, justamente para que tivéssemos unidade jurídica e preservássemos a escravidão. Agora, no momento em que a escravidão é abolida, em 1888, e novas elites econômicas estão surgindo em novas fronteiras econômicas para o país, sobretudo São Paulo e Rio Grande do Sul, o clamor por autonomia federativa ressurge, e o império acaba caindo quase como fruta podre, até porque a necessidade de unidade jurídica se esvaeceu. Então, a República se afirma na esteira de um projeto federativo descentralizador em muitos aspectos. Isso deu aos estados razoável autonomia legislativa e política, mas essa autonomia de fato só valia para os estados mais fortes (leia-se os estados que tinham condições de montar aparatos institucionais militares próprios, como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul). Estes três foram os estados fortes durante o período da República Velha. Portanto, o primeiro aspecto importante é: estava mais do que na hora de nós sistematizarmos essa história do Rio Grande do Sul durante esse período, porque o Estado foi, sim, importante para a história brasileira naquele momento.

O segundo aspecto importante, que decorre da remoção da unidade jurídica e da centralização administrativa do Império, é que na esteira dessa remoção foi também abolido o poder moderador. Num país onde o poder infra-estrutural, o poder burocrático, a capacidade do estado intervir na sociedade eram frágeis, e onde a indistinção entre o espaço público e o privado era tradicionalmente muito significativa, aconteciam o clientelismo, a corrupção, as fraudes eleitorais. O poder moderador era justamente o instrumento que mediava o conflito entre as elites. Então, nesse sentido, as elites suportavam o poder moderador em benefício da preservação da unidade jurídica e, portanto, do sistema escravista. No momento em que cai o sistema escravista, e são removidos a unidade jurídica, a centralização e o poder moderador, essa elite se banha em sangue e a nossa República, conseqüentemente, é uma história de sangue. O Rio Grande do Sul talvez tenha sido justamente o torrão brasileiro onde isto tenha ficado mais evidente. A grande guerra civil brasileira foi precisamente a Revolução Federalista (2), de 1893, cuja pacificação se deu em agosto de 1895. Foram mais de dois anos, portanto, de um verdadeiro banho de sangue. Calcula-se que até um por cento da população do Estado, na época, pode ter perecido. Três estados da federação foram conflagrados: Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. A capital federal foi bombardeada, porque a federalista se conectou com a Revolta da Armada e os países vizinhos, sobretudo Uruguai e Argentina, acabaram se envolvendo também nesse processo revolucionário, ou porque os revolucionários se escondiam ou porque eram por esses países que contrabandeavam armas e munições.

Então, veja que houve realmente uma movimentação muito grande em torno desses processos históricos e a Revolução Federalista não apenas questionava uma parte dos segmentos envolvidos nesse processo revolucionário, como defendia efetivamente a restauração monárquica e questionava o modelo republicano, que foi adotado em 1890 pela Constituição Federal e que estava sendo vazado especialmente na ditadura então instalada do Marechal Floriano Peixoto (3) e de Julio de Castilhos (4), nacional e regional, respectivamente. Porque eram ditaduras de fato. Tanto que Floriano Peixoto governou abaixo de estado de sítio, quase que permanente afrontando os outros poderes. Então, eu acho que é a marca deste início de República Velha, que foi um período de muitos conflitos e de grande instabilidade política, no que pese, à primeira vista, muitos imaginarem que foi um período de instabilidade, à medida que a Constituição foi a mesma, tanto a estadual quando a federal, de 1891 a 1930. Na verdade, as duas passaram por reformas; a estadual em dezembro de 1893, e a federal em 1926. Agora, além dessas reformas constitucionais, a verdade é que foi um período de grande turbulência político-institucional, tanto em nível regional quanto em nível nacional.

IHU On-Line – Qual é a importância dessa retomada da história geral do Estado para o modelo político desenvolvido e vivido hoje?

Gunter Axt – Eu acho que, do ponto de vista editorial, esta série Historia Geral do Rio Grande do Sul nos chega em boa hora porque se publicou muito aqui no Estado, entre o fins dos anos 1970 e meados dos anos 1980 sobre, justamente, a história regional dos mais diversos aspectos: econômicos, político, cultural etc. E, depois disso, houve um desinteresse das editoras pelo assunto. Surpreende-me esse desinteresse porque ele vai justamente na contramão de um crescimento do interesse da população em geral pela identidade regional, pela identidade coletiva e pela história do Estado. Nós vemos isso claramente quando sai algum livro de história e há uma grande procura nas livrarias. Quando se organizam seminários que debatem temas de história, há sempre um público cativo que transcendo os muros das academias. Enfim, o que as pessoas querem é uma linguagem um pouco mais saborosa, não aquela linguagem árida, do ambiente acadêmico. Agora, eu penso que há um grande interesse pelos assuntos relativos à memória e ao patrimônio, mas havia uma inapetência das editoras pelo assunto, o que é uma contradição.

O segundo ponto é que boas partes das pesquisas sobre o período se encontravam dispersas em artigos, publicações diversas, ou até não haviam sido publicadas porque se encontravam em dissertações e teses acadêmicas. O que essa série procurou fazer foi sistematizar, consolidar o estado da arte, no que diz respeito à República Velha no Rio Grande do Sul. Então, eu acho que ela preenche uma função social, cultural e científica de grande relevância neste momento. Eu acho que a história, de um modo geral, é sempre rica porque a boa história é sempre viva, ou seja, aquela história que parte de perguntas formuladas no presente. Essas perguntas somente são formuladas quando um determinado historiador, enfim, se vê diante de um impasse social qualquer. Por exemplo, a questão agrária só será estudada se, em algum momento, se tornar um problema social-político-econômico no presente vivido pelas pessoas. Portanto, a história tem esse dinamismo, as perguntas formuladas sobre o passado partem justamente de impasses e desafios vividos no presente. E é sempre rico as pessoas consultarem o manancial da pesquisa histórica, porque elas vão encontrar elementos que talvez as ajude a compreender melhor as situações vividas no presente.

IHU On-Line – Que tipos de relações de poder entre o Estado e a sociedade se davam durante a República Velha?

Gunter Axt – Essa é uma discussão bastante extensa. Eu te diria que os historiados não estão de acordo a respeito desta resposta. Existem várias tendências que chegam a conclusões diferentes para a República Velha no Rio Grande do Sul. Eu posso te falar da minha posição: eu penso - e concluí isso na minha tese de doutorado defendida em 2001 na Universidade de São Paulo, em torno dos governos Julio de Castilhos, Carlos Barbosa e Borges de Medeiros (5) - que houve uma aliança estratégica de frações da classe dominante. Quais eram essas frações? Sobretudo de pessoas ligadas ao meio financeiro regional, ao meio charqueador regional e ao grande comércio de importação e exportação do Estado. Esses segmentos eram minoritários no interior da classe dominante, que era dominada pelos estancieiros, que acabavam ficando em segundo plano nessa aliança estratégica. Essa aliança estratégica formou aquilo que nós chamamos de bloco histórico, para o qual interessava um modelo político autoritário e centralizador, que era justamente o que propunha a personalidade persecutória e intolerante de Julio de Castilhos, porque se queria impor ao estado inteiro uma certa hegemonia mercantil. Era preciso fazer com que Porto Alegre se transformasse no centro mercantil de todo o Estado.

Na época, cada cidade tinha sua legislação tributária, e isto era uma coisa que precisava ser eliminada para que existisse uma legislação comum amigável ao comércio estadual; esse era um aspecto. O outro aspecto era uma tensão muito forte entre fronteira e os núcleos urbanos litorâneos, sobretudo Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas. Porque as fronteiras estavam muito mais integradas ao que alguns chamavam de comércio livre e outros de contrabando, mas que era, na prática, uma integração com o sistema mercantil hegemonizado por Montevidéu. Essas eram as grandes tensões que estavam postas no momento. Eu acho que esse bloco histórico tinha uma tendência que, no geral, foi muito mais conservadora do que progressista e dificultou o desenvolvimento econômico do Estado em diversos aspectos, contribuindo para que houvesse transferência de recursos e capitais das zonas de colonização ítalo-germânica para os centros urbanos-litorâneas. Isso também contribuiu para que a fronteira entrasse num momento de progressiva importância econômica política. Também acho que foi uma aliança conservadora no sentido que, embora existisse um discurso demagógico em torno da incorporação do proletariado da sociedade vazado na esteira de todo um cabedal de conceitos contistas e positivistas, na prática existia um esforço de desmobilização do sindicato e das associações de classe.

O governo Borges de Medeiros, em 1919, aplicou um duro golpe sobre o movimento trabalhista e operário gaúcho, dissolvendo sindicatos e prendendo lideranças. Além disso, fez sempre todo o possível para dificultar o surgimento de uma associação de classe dos empresários, justamente por entender que essa nova classe capitalista que estava emergindo, sobretudo como um desdobramento de um capital comercial colonial, deveria ficar sub-representada embaixo da asa da associação comercial de Porto Alegre. Essa sub-representação só foi rompida em 1930, justamente na conjuntura da revolução que aconteceu naquele ano. Nós sabemos que empresários como A. J. Renner (6) e Alberto Bins (7) ajudaram a financiar a Revolução de 1930, e o retorno foi justamente a criação da Fiergs (Federação das Industria do Estado do Rio Grande do Sul). Outras entidades de classe e a própria Farsul (Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul) poderiam ter sido criadas antes, mas tiveram sua criação dificultada em grande medida pela ação desmobilizadora deste governo, que logicamente não assumia isso em seu discurso.

Nós vemos, hoje em dia, como os governantes dizem uma coisa e fazem outra. Naquela época, era exatamente a mesma coisa. No meu entendimento, muitos dos cientistas políticos que analisaram o período da República Velha na década de 1970 se equivocaram por não entenderem isso. A dificuldade extra que se tem na República Velha no Rio Grande do Sul é que é difícil perceber o discurso desviante. Em primeiro lugar, porque nós vivemos uma ditadura. Assim, a justiça e o Ministério Público não tinham autonomia, o Tribunal de Contas não existia, a Assembléia não era Legislativa, ou seja, não existiam atribuições legislativas, e a imprensa também sofria uma série de restrições. Com esse panorama, a oposição era anatematizada, demonizada. Para além do discurso de oposições, é possível fazer uma análise desse bloco histórico, que é aquela feita por mim. Agora, outros historiadores propõem interpretações diferentes, e o livro que foi publicado contempla todas essas outras interpretações, não abraçando uma ou outra versão. Desse modo, o leitor terá acesso a todas elas. Encontrará, por exemplo, textos de autores que defendem que o Partido Republicano rio-grandense possuía um viés modernizador, uma preocupação com a diversificação da economia, uma aliança estratégica com a zona de colonização ítalo-germânica, enfim, que era um governo progressista. Portanto, exatamente o contrário da interpretação que eu sustento.

IHU On-Line – Como o poder Judiciário, constituído durante a República Velha, influenciava as leis executadas durante este período? E como esse poder se desenvolveu para que em 1932 fosse criada a Justiça Eleitoral?

Gunter Axt – O Poder Judiciário não influenciava nada ou influenciava muito pouco. A primeira coisa em que devemos prestar atenção é que Borges de Medeiros, herdeiro do carisma e da política de Julio de Castilhos, era um desembargador, então a origem dele é o Poder Judiciário. O conceito de poder que o Borges abraçou foi justamente o conceito de um poder sacerdotal que pairasse acima das vontades políticas, que se libertasse do processo eleitoral. É, na verdade, uma espécie de poder ditatorial justificado quase que de forma religiosa, que se libertaria do processo eleitoral e operaria como um mediador esclarecido do conflito entre as elites. Essa era a justificativa que Borges de Medeiros passou a dar para seu poder a partir de 1907. No entanto, a justiça na República Velha no Rio Grande do Sul é diferente de como foi a justiça em São Paulo e no Rio de Janeiro.

No Estado, o que nós vemos é um Poder Judiciário com uma autonomia bastante constrangida, tanto que muitos teóricos do governo da época diziam que ele era um órgão auxiliar do governo e em seus relatórios estavam compreendidos os do secretário da justiça. O presidente do tribunal não comandava nenhum tipo de cerimonial e nem mesmo assinava as promoções ou aposentadorias dos juízes. Muito menos, tinha um orçamento próprio. Além disso, o que se vê é que eram razoáveis as chances de os concursos para juízes serem manipulados pelo governo, além de existir todo um ambiente propício à intervenção do governo em assuntos judiciais. Portanto, essa era uma justiça em grande medida atrelada aos designos do governo, especificamente do partido e do governante que estavam no poder. Uma das conquistas da cidadania brasileira é uma justiça, talvez a mais autônoma e independente, da América Latina. Uma outra coisa importante, em relação à justiça eleitoral: as eleições nesse período eram um mar de fraudes e não havia um código eleitoral unificador.

Existiam regras municipais, estaduais e federais. Desse modo, todos os processos eleitorais eram fraudados do início ao fim. Isto criava um quadro muito complicado, porque quem estava no poder permaneceria permanentemente nele, a não ser que fosse retirado dali por algum processo revolucionário ou de conflitos, o que aconteceu em diversos momentos da República Velha brasileira. Os casos de instabilidade institucional e política no Brasil são muitos. O Rio Grande do Sul teve esse banho de sangue inicial, e isto consolidou o Partido Republicano rio-grandense no poder. O que não significa que tenham acontecido outros momentos de instabilidade, sobretudo em municípios como os de Canguçu, Lagoa Vermelha e até mesmo Caxias do Sul. É justamente por isso que se entendeu que ou o país viveria em permanente estado de instabilidade institucional e uma potencialidade de escambar para o banho de sangue, ou ele encontrava uma fórmula redentora. Essa fórmula foi precisamente a Justiça Eleitoral, que veio moralizar o processo e garantir estabilidade ao nosso quadro institucional e a nossa cidadania.

IHU On-Line – As características da política desenvolvida durante a República Velha permanecem na política e na cultura gaúcha hoje?

Gunter Axt – É complicado responder a essa pergunta. Eu acho que algumas sim, outras não. O sistema político da República Velha deixou de existir há muito tempo. Era o sistema coronelista de poder, com algumas especificidades regionais determinadas pelo estado forte centralizado, garantido por uma Brigada Militar bem armada. Esse padrão deixou de existir, assim como o padrão autoritário. Existem, assim, sobrevivências de práticas políticas. O Rio Grande do Sul, nesse aspecto, não é tão diferente assim do restante do Brasil. Nós temos um déficit histórico no esforço de distinção entre espaço público e privado, o que nos empurra para essas situações de corrupção que preenchem com letras garrafais as manchetes dos jornais todas as semanas. Então, na verdade, essa era uma característica corrente na República Velha. De alguma forma, ela ainda persiste na política contemporânea. Por outro lado, eu acho que nós equacionamos relativamente bem o problema eleitoral. Penso que o Brasil avançou muito neste aspecto. A República Velha agregou, também, algumas qualidades ao processo político no Estado.

Em primeiro lugar, houve, entre nós, uma maior sistematização do discurso político, porque, como nós tínhamos uma ditadura de fato na prática, havia uma certa necessidade de justificar isto sociológica e filosoficamente, no sentido de dizer que não era uma ditadura de fato. E esse esforço se fez na época. Isso contribuiu para que, em alguma medida, os gaúchos tivessem mais “antenados” para o debate em torno da ocupação do espaço pública. Eu acho que se trata de uma herança que nós trouxemos da República Velha, o que talvez nos diferencie um pouco do restante do Brasil.

Veja, eu não estou embarcando naquela interpretação corrente que afirma ser a política do Rio Grande do Sul melhor do que no resto do país, ou que o Estado é o mais politizado do Brasil. É uma linha de pensamento com a qual não concordo. Eu acredito que o cidadão gaúcho está mais antenado para um debate em torno da ocupação do espaço público. Trata-se de algo mais civilizado e mais republicano, mas não indica, necessariamente, que temos uma política melhor, tanto é que os escândalos de corrupção também acontecem por aqui. Além disso, o Estado se debate, há vários governos, com uma crise estrutural da qual ele não consegue sair, o que talvez sinalize para uma ausência de projeto de desenvolvimento. Então, eu acredito que a política é eficaz quando ela consegue garantir um projeto de desenvolvimento, com maior distribuição de justiça social e de renda para a população. O estado do Rio Grande do Sul está nessa crise dramática e precisa encontrar caminhos para sair disso.

Notas:

(1) A chamada Revolução Pernambucana eclodiu em 1817 na então Província de Pernambuco. Dentre as suas causas, destacam-se a crise econômica regional, o absolutismo monárquico português e a influência das idéias Iluministas, propagadas pelas sociedades maçônicas.

(2) A Revolução Federalista ocorreu no sul do Brasil, logo após a Proclamação da República. Isto ocorreu devido à instabilidade política gerada pelos federalistas, que pretendiam "libertar o Rio Grande do Sul da tirania de Júlio Prates de Castilhos", então presidente do Estado. Empenharam-se em disputas sangrentas, que acabaram por desencadear a revolução federalista, uma guerra civil que durou de fevereiro de 1893 a agosto de 1895 e foi vencida pelos pica-paus, seguidores de Júlio de Castilhos. A divergência se iniciou por atritos ocorridos entre aqueles que procuravam a autonomia estadual frente ao poder federal e seus opositores. A luta armada durou aproximadamente três anos e atingiu as regiões compreendidas entre o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

(3) Floriano Vieira Peixoto foi um militar e político brasileiro. Primeiro vice-presidente e segundo presidente do Brasil, presidiu o Brasil de 23 de novembro de 1891 a 15 de novembro de 1894. Seu governo sofreu grande oposição de setores conservadores, como a publicação do Manifesto dos 13 generais. O apelido de "marechal de ferro" era devido à sua atuação enérgica e ditatorial, pois agiu com determinação ao debelar as sucessivas rebeliões que marcaram os primeiros anos da república do Brasil. Entre estas, a Revolta da Armada no Rio de Janeiro, chefiada pelo Almirante Saldanha da Gama, e a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul, ambas com apoio estrangeiro.

(4) Julio Prates de Castilhos foi um político brasileiro. Embora formado em Direito, atuou como jornalista e político. Membro do Partido Republicano Riograndense (PRR), dirigiu o jornal A Federação, onde fez propaganda das idéias republicanas. Em 1891, elegeu-se deputado para a Assembléia Constituinte e se opôs a Rui Barbosa, no capítulo que versava sobre a discriminação de rendas, defendendo os pequenos estados da federação. Em 1891, Julio de Castilhos foi eleito presidente do estado do Rio Grande do Sul. No entanto, com a queda de Deodoro da Fonseca, foi deposto naquele mesmo ano. Pouco mais de um ano depois, Julio de Castilhos disputa uma eleição (sem concorrentes) e volta a ocupar o antigo posto. Obteve 26.377 votos e sua posse ocorre em 1893. Neste mesmo ano, contém a Revolução Federalista, de tendência parlamentarista e liderada por Gaspar Silveira Martins.

(5) Antônio Jacob Renner, mais conhecido como A. J. Renner, foi um empresário brasileiro e o fundador da Lojas Renner. Em 1911, aos vinte e sete anos, participou da fundação de uma pequena tecelagem, chamada Frederico Engel & Cia. Um ano depois, passou a produzir capas para chuva, que se tornaram famosas em todo o Estado por serem impermeáveis. A empresa instalou-se inicialmente, num galpão de madeira utilizado para pouso de tropeiros e o capital investido foi pequeno para a época. No final da década de 1920, a empresa era a maior indústria de fiação e tecelagem do Rio Grande do Sul. Passou a produzir, além das capas, roupas masculinas que utilizavam o mesmo tecido.

(6) Alberto Bins foi um industrial, comerciante e político brasileiro. Foi o primeiro porto-alegrense a assumir a prefeitura da capital gaúcha. Sua primeira grande atividade profissional foi como sócio majoritário da empresa E.Berta & Cia., fabricante de cofres, fogões, camas e outros utensílios de ferro. Foi também presidente da Associação Comercial de Porto Alegre, um dos fundadores do Banco Pelotense e do Centro da Indústria Fabril do Rio Grande do Sul. Também participou da fundação da Varig e do Sindicato do Arroz. Com a Revolução de 1930, deflagrada dois anos depois, foi mantido no cargo de prefeito pelo interventor estadual Flores da Cunha. A prefeitura procurou melhorar a prestação de serviços à população, inaugurando ainda em 1928, a primeira estação de tratamento de água da cidade, a Hidráulica Moinhos de Vento. As dificuldades financeiras, entretanto, complicaram a administração. Para salvar a cidade da insolvência, em 1929 o prefeito assinou um acordo com o governo do Estado, repassando a responsabilidade municipal sobre os serviços de higiene, policiamento e instrução pública.

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