"O aumento das desigualdades internacionais tem sido, nas úlitmas décadas, um fenômeno universal em todos os níveis de desenvolvimento" constata Jean- Paul Fitoussi, prestigiado economista francês, em artigo publicado no jornal italiano Repubblica, 13-11-2007.
Eis o artigo.
Segundo o que emerge incontestavelmente da última edição das perspectivas econômicas do FMI, nestas últimas décadas o aumento das desigualdades internacionais tem sido – salvo pouquíssimas exceções – um fenômeno universal em todos os níveis de desenvolvimento. As causas invocadas para explicá-lo são conhecidas há tempo: a globalização comercial, a globalização financeira e o progresso tecnológico. E também não surpreende a conclusão do estudo do FMI, que imputa a amplitude do fenômeno essencialmente ao terceiro dos mencionados fatores. Os dois primeiros, no entanto, se compreenderiam em parte alternadamente, já que a intensificação dos movimentos dos capitais amplia as desigualdades e o incremento das trocas internacionais tenderia, ao contrário, a reduzi-las. Como se realmente fosse possível distinguir entre estas três causas, que de fato se alimentam reciprocamente! Como se a globalização não fosse induzida pelo baixo custo de todos os transportes – a começar por aquele das informações. E de que outra coisa se trata, senão de um progresso tecnológico?
De fato, o aumento quase universal das desigualdades é uma realidade não contestável nem contestada. Mas, a esta altura devemos interrogar-nos sobre suas conseqüências. De maneira anistórica, isenta dos efeitos das diferenças entre as condições de partida dos indivíduos, onde o passado não determine o presente e o futuro, as desigualdades constituiriam um potente motor de progresso econômico e social.
Suponhamos, por exemplo, que o título de habilitação ao ensino superior permita aspirar a uma remuneração dez vezes superior àquela percebida pelos professores das escolas secundárias. A dinâmica da alocação dos recursos e dos incentivos encorajaria um número sempre maior de jovens a prosseguir nos estudos após o exame de maturidade, em benefício próprio e pelo bem do país. O mesmo raciocínio vale também para as diferenças de remuneração em outros setores de atividade que promovem uma eficaz dinâmica de realocação do trabalho, em benefício da expansão econômica e às custas das indústrias em declínio. Evidentemente, dinâmicas virtuosistas deste tipo não existiriam se os salários fossem iguais em todos os setores, ou se os laureados percebessem remunerações um pouco superiores aos outros. Em tal caso, a globalização e/ou o progresso tecnológico fariam infalivelmente crescerem as desigualdades.
O tipo de progresso tecnológico que hoje conhecemos não é neutro na medida em que aumenta ao mesmo tempo a demanda de trabalho qualificado e o desinteresse pelo não qualificado. Mas, o aumento das desigualdades que disso resultam seria fecundo se incitasse realmente os jovens a se empenharem por estudos superiores (mesmo à custa de contrair empréstimos) e os menos jovens a aumentarem as próprias competências através da formação permanente. Nesta visão anistórica, as desigualdades e o seu crescimento seriam potentes motores de uma mobilidade social ascendente, prenúncio de novas oportunidades.
Mas, voltemos ao nosso mundo assim como ele é, com seus obstáculos à instrução, à formação e ao investimento pessoal, assinaladamente em razão do racionamento do crédito. A mobilidade social é freada, se não impedida em razão do incomensurável capital social, cultural, financeiro e patrimonial herdado por cada indivíduo. Por isso, os únicos a poderem colher as oportunidades criadas pelas novas desigualdades são aqueles que já se beneficiam de condições favoráveis. Para nos limitarmos a um único exemplo: o melhor funcionamento dos mercados financeiros – ou seu “aprofundamento”, como hoje se diz – favorece quem já dispõe de suficiente riqueza, aumentando assim artificialmente as desigualdades.
Para a grande maioria, as esperanças e os incentivos à mobilidade social são reduzidos também pela dificuldade de acessar as grandes escolas, socialmente ainda mais homogêneas do que no passado, e pela atual degradação de muitas universidades. Vários estudos demonstram, por exemplo, que nos níveis mais baixos da escala dos rendimentos a desocupação é muito mais difusa e a continuidade do trabalho muito inferior em confronto com as faixas de renda mais altas. Quando a esperança de mobilidade social é vã, o trabalho tem um sabor amargo. Em vários países europeus os pais tiveram que rever por baixo as suas previsões de progresso social e temem para os seus filhos uma sorte pior do que a sua.
Um dos sintomas de quanto sejam frágeis as esperanças que se alinham no horizonte é o atual debate sobre o modo de mensurar o poder aquisitivo. Segundo alguns, o índice dos preços que, por definição, corresponde a uma média, não reflete corretamente o andamento do poder aquisitivo e principalmente aquele das faixas de população de mais baixa renda, tanto que se pensou na criação de uma pluralidade de índices, para melhor refletir a evolução dos preços por categorias. Por que não? Mas, ao mesmo tempo é evidente que, se hoje o problema se põe nestes termos, é porque se pressupõe implicitamente a crescente dificuldade de passar de uma categoria à outra, e, sobretudo porque um aumento do poder aquisitivo através do incremento da renda e dos salários parece sempre improvável.
No contexto de uma sociedade bloqueada, as crescentes desigualdades deixam de ser o motor de uma mobilidade social ascendente, perdendo assim sua justificação essencial. Além do mais, as diferenças se ampliam em medida muito maior do que a imputável à globalização e ao progresso tecnológico, precisamente porque os benefícios e as oportunidades que eles oferecem são reservados a uma faixa muito restrita da população. E a distância, ou melhor, o abismo entre as categorias sociais corre o risco de se ampliar tanto que pode tornar a sociedade ainda menos dinâmica.
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