O paradoxo é gritante: uma após a outra, as multinacionais se desfazem de seus funcionários, ao mesmo tempo em que nadam em dinheiro. Por outro lado, demissões significam a alegria dos acionistas. O capitalismo anglo-saxão está mudando, e também a sua ética de compromisso social. O sítio Deutsche Welle, 29-02-2008, destaca em reportagem que o mercado de trabalho alemão cada vez mais é regido pela perversa lógica dos mercados financeiros.
Eis a reportagem.
Seguindo o recente exemplo da Siemens, BMW e Henkel, a Telekom, operadora alemã de telecomunicações, anunciou nesta quinta-feira (28/02) que pretende reduzir seus custos de pessoal em 4,7 bilhões de euros, até 2010. De acordo com seu presidente, René Obermann, a metade dos cortes já foi realizada no ano passado.
"É preciso simplesmente encarar a realidade de frente, no contexto do mercado de trabalho. Empregamos três vezes mais funcionários do que nossos concorrentes. [...] Onde já há necessidade de cortes ou remanejamento de pessoal, é preciso fazê-los. Pois as tecnologias se desenvolvem continuamente, e a competição é impiedosa", justificou Obermann.
O presidente da Telekom insiste que não há como contornar tais regularizações. "Porém o saldo é: não estamos reduzindo, mas sim adaptando. Este ano criamos, por exemplo, 2.600 postos de trabalho."
O vice-diretor da Confederação Alemã das Câmaras de Indústria e Comércio (DIHK), Achim Dercks, comentou que as pessoas não se devem deixar intranqüilizar demais pela onda de demissões. Importante é que, no final das contas, o saldo seja positivo.
O presidente da Confederação das Associações de Empregadores Alemães (BDA), Dieter Hundt, também defendeu nesta sexta-feira os maciços cortes de pessoal contra as críticas dos políticos.
"Grupos que operam em nível internacional precisam agir diferente hoje em dia."Assim, "reestruturações internas" seriam, por vezes, inevitáveis, se a empresa quiser manter sua competitividade no mercado internacional, declarou Hundt.
Em fevereiro de 2008, o número dos desempregados na Alemanha baixou em 42 mil, alcançando 3,6 milhões. Em relação ao mesmo período do ano anterior, são menos 620 mil desempregados no país.
Paralelamente, grandes empresas anunciam que vão enxugar seus quadros, dispensando milhares de funcionários. Isso, apesar de apresentarem lucros recorde e brilhantes perspectivas.
E, como se não bastasse: o país anuncia a todos os ventos que necessita urgentemente de engenheiros e outros trabalhadores especializados. Conciliar fatos tão paradoxais e explicar a lógica que atualmente rege o mercado de trabalho nacional constitui uma difícil tarefa, tanto para os políticos como para os economistas alemães.
O analista econômico Karl Zawadzky, da Deutsche Welle, compara o procedimento das multinacionais àquele das médias empresas: "Na Alemanha, foram-se os tempos em que o vínculo empregatício com uma grande firma iniciava uma relação vitalícia. O capitalismo anglo-saxão deu fim a esta forma de comunhão entre empresa, empresário e empregado. Cada vez mais, o que está em primeiro plano aqui são os dividendos a curto prazo."
Os investidores financeiros representam um papel importante nos grandes conglomerados. "Soa perverso, porém o anúncio de um significativo corte de postos geralmente resulta em súbita alta das ações [da empresa em questão]. Enquanto uns perdem o emprego, outros dão pulinhos de alegria."
Uma outra ética
As médias empresas do país, por outro lado, ainda seguem uma outra ética, continua Zawadzky. Nesta faixa ainda há um grande número de firmas que não são dirigidas por tecnocratas, mas sim pelo proprietário. Este tem, naturalmente, interesse em valorização e lucros, mas, acima de tudo, na existência da firma a longo prazo, a qual ele pretende legar a seus descendentes. Ao invés de funcionar em nome dos ganhos imediatos, tais firmas pensam e investem no futuro.
Nas médias empresas alemãs ainda há o chefe que se sente responsável pelos empregados e suas famílias. Porém nem elas estão totalmente a salvo do capitalismo financeiro. Como no caso da fabricante de moda Boss, engolida por um private equity fund anglo-saxão e agora crivada de dívidas.
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