As negociações 'secretas' na Colômbia. Os principais atores envolvidos
A delicada situação interna da Colômbia e os principais atores envolvidos em uma possível saída ou não entre as FARC e o governo colombiano são reproduzidas por Santiago O’Donnell após ouvir uma fonte que pede anonimato. O artigo foi publicado no Pagina/12, 02-03-2008. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
A fonte pede estrita confidência. Tem experiência. Está envolvida na delicadíssima tarefa de facilitar um acordo de paz entre as FARC e o governo colombiano que inclua a liberação dos reféns da guerrilha. Esteve na selva. Fala com chefes de Estado. Concorda em marcar a conversa e contar como se movem os jogadores... na superfície. Porque há algo a mais. Há negociações. Intensas. Secretas.
“Sobre isso não posso dizer nada”, repete três vezes, cada vez mais impaciente diante de diferentes formas de perguntar sobre o mesmo. Mas ao final deixa algumas pistas. Enquanto a guerra continua.
O governo colombiano
“No governo existe a convicção de que as condições para uma vitória militar são possíveis. Acreditam que estão ganhando a guerra e que já não estão na defensiva faz alguns anos. Há algum elemento de verdade nisto. As FARC se distanciaram das cidades e na selva passaram do controle territorial ao controle de enclaves móveis, salvo no sudoestes que continuam em seu poder. Há algo de verdade nisto. Mas se se orienta pensando que se está vencendo militarmente, uma solução pacífica negociada te interessa pouco. Mas o governo não é homogêneo. Uribe é mais flexível e não descarta um processo de negociação. Mas as pessoas que o rodeiam, como o ministro de Defesa (Santos) é mais duro, não quer negociar. Além disso pelo lado colombiano há veto total, absoluto e definitivo que Chávez se imiscua nos assuntos internos da Colômbia”.
As FARC
“As FARC têm um problema interno que não é menor. O seu chefe, ‘Tirofijo’ Marulanda, está muito doente, tem um limite contado de vida, que se calcula em seis a oito meses. Se morre, as FARC entram em um processo de feudalização total. O secretariado se desestrutura e surgem muitas forças nos mandos à frente dos enclaves. Se isso acontecer não há solução, não há interlocutor. Mas os negociadores ocidentais têm um sentido de tempo e de urgência que não tem nada a ver com a dos guerrilheiros que já estão há 40 anos na selva. Na selva, um dia pode ser um mês e as urgências não são urgências. A pergunta chave é se as FARC têm vontade de pacificar ou não. Se eles não acreditam que precisam da paz, esqueça. Te diria que lhe interessa uns 10% e, por outro lado, a reinserção lhes interessam muito pouco. Tem um bom negócio com a droga, não querem se transformar em agricultores, não lhe interessa romper o status quo. Mas não se trata de um dilema insolúvel. É preciso perceber as oportunidades”.
Venezuela
“Do lado de Chávez a coisa é contraditória. Por um lado, efetivamente participaram da liberação anterior e dessa liberação. Às vezes envia a mensagem de ‘não me meto mais’. A seus amigos diz: ‘Perdemos o referendum por causa da questão colombiana’, mas fala, fala. Diz uma coisa, mas faz outra. Faz uma semana disse que não se envolveria mais, agora diz que vai até a Colômbia. Mas Chávez interessa no processo porque é uma das escassas vias de interlocução com as FARC. E quase a única porta de entrada é preciso preservar, goste-se ou não do personagem”.
França
“Está jogando pesado por Betancourt, mas Sarkozy parece um personagem que recém entrou na política, parece mentira que foi ministro do Interior durante cinco anos. Faz coisas raras. Diz que vai se meter na selva. Mandou o chanceler (Kuchner) à Colômbia dizer o que não devia dizer: que franqueasse a participação de Chávez. A única coisa que não poderia ter feito. Uribe ficou louco e me consta que tratou muito mal o chanceler francês. Quando se tem avidez em sair na foto, a coisa termina em desastre. Veja que foi até a Líbia e depois negou que tivesse trocado armas por enfermeiras e depois teve que tolerar que Kaddafi em Paris se ponha a detalhar o acordo. Lhe custou 15% de popularidade. Parece meio improvisado”.
Estados Unidos
“São mais realistas que boa parte dos que estão metidos nisto. Shannon é um tipo razoável. Pode-se falar, pode-se discutir. Não há veto norte-americano para a negociação. Se podem varrer militarmente às FARC mais a frente... mas se abre um caminho de paz também apóiam, o assunto é eliminar o conflito”.
Brasil
“Estão interessados, estão ativos, presentes e são tipos que se movem muitíssimo. Brasil é Brasil e Lula tem muito peso. Lula é confiável a Uribe e não é adversário de Chávez, é um país coringa” - bisagra.
Argentina
“Da Argentina não sei nada, não sei qual é a sua política externa. Taiana me parece uma pessoa correta. Nesse tema o Brasil lhe está dando uma mão importante”.
Cuba
“Está aqui, mas não tem muito espaço porque tem muitos problemas com as FARC”.
Espanha
“Está muito ocupada com a campanha presidencial, ia realizar uma reunião em Madri, mas acabou cancelada. Mas pode ser a porta para se conseguir o apoio da União Européia, porque é mais confiável que a França”.
Suíça
“É importante por sua relação com a Cruz Vermelha que é um organismo chave”.
Organismos multilaterais
“A Cruz Vermelha é fundamental. Tem dados topográficos que ninguém tem. São sérios e confiáveis. A OEA tem muito interesse no tema e está ativa. Já não é a velha OEA aliada com os Estados Unidos. É uma OEA regionalista que atua com independência”.
A fonte não fala de troca de reféns, mas sim de “intercâmbio de pessoas privadas de sua liberdade” para se referir à troca entre guerrilheiros presos em seus cárceres colombianos sob acusações de terrorismo e narcotráfico, e as quarenta personalidades políticas – a maioria militares e policiais – no poder das FARC. Essa seria a parte mais fácil do acordo, se vem acompanhada de uma negociação que desemboque em alguma forma de reinserção das FARC na vida política da Colômbia.
Os principais desafios são dois. Por um lado, está o tema da legitimação. É impossível negociar com organizações terroristas e as FARC estão nas listas da Colômbia, Estados Unidos e da União Européia. Impossível? Pelo menos, falta outro ‘guarda-chuva’ local e internacional.
Depois vem o tema da territorialidade. As FARC exigem que Pradera e Florida se tornem territórios livres. Para as FARC o controle político e militar de um território por um período de tempo garantido representa uma grande oportunidade. Sua estratégia histórica é o controle territorial em regiões rurais aonde o Estado não chega .
“Se alguém quer sorvete chocolate de baunilha e o outro quer sorvete de chocolate, o que acontece se lhe damos limão?, diz a fonte. Outro território? Outra forma de controle? Parece muito para uma guerrilha que tortura pessoas humanas com correntes e caminhadas intermináveis e que arrancou um bebê dos braços de sua mãe natural. Parece pouco para o segundo exército da América Latina, o terceiro receptor de ajuda militar do governo dos Estados Unidos, que acaba de liquidar o sub-chefe das FARC.
“Não posso dizer – contesta outra vez o informante. Há vidas em jogo”. A outra opção é a guerra de extermínio. Sem diálogo, matar ou morrer, com os reféns expostos na linha de fogo ao tiro de guerrilheiros frustrados e em retirada. Ou seja, a outra opção é esquecer Ingrid e seus companheiros.
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