Um dia após o Exército deixar o Morro da Providência, no Centro, depois de o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) ter embargado as obras do projeto Cimento Social, traficantes voltaram ontem a marcar seu território. Em algumas casas recém-reformadas pelo projeto, apareceram inscrições com as iniciais de uma facção criminosa — as letras foram escritas com pedaços de tijolo. PMs do Grupamento de Policiamento de Áreas Especiais (Gpae) faziam o patrulhamento na favela, enquanto carros das Rondas Ostensivas Nazareth Cerqueira (Ronac) circulavam no entorno do morro. A reportagem é de Ana Cláudia Costa, Gabriela Moreira, Gustavo Goulart e Marco Antônio Martins e publicada pelo jornal O Globo, 26-06-2008.
No interior da Providência, traficantes andavam armados pelas vielas, à vista dos moradores. À tarde, por exemplo, uma equipe do jornal O Globo flagrou um bandido com uma metralhadora no Beco da Harmonia, a cerca de cem metros da sede do Gpae. O criminoso, de bermuda e sandálias, se assustou ao ver os repórteres e fugiu.
Uma moradora recomendou aos jornalistas que não entrassem na viela usada pelo traficante.
— Eles estão ali. Não vai lá, não — aconselhou ela, referindo-se a um acesso à parte alta da favela.
Apesar de ter se retirado anteontem, o Exército poderá estar de volta ao morro na terça-feira. Nesse dia, deve acontecer a reconstituição do crime pelo qual estão presos 11 militares: eles são acusados de, no último dia 14, ter detido e entregados três jovens da Providência a traficantes do Morro da Mineira, no Catumbi, que assassinaram os rapazes. O Exército voltaria à favela para garantir a integridade física dos 11 militares, dos peritos e do oficial responsável pelo inquérito policial-militar (IPM).
A reconstituição começará perto da Praça Américo Brum, no alto da favela, local onde Wellington Gonzaga Costa, de 19 anos, David Wilson Florenço da Silva, de 24, e Marcos Paulo da Silva Correia, de 17, foram detidos por desacato à autoridade, quando voltavam de um baile funk.
Reconstituição pode chegar à Mineira
Depois, o grupo irá para o quartel do Santo Cristo e, posteriormente, deve seguir para as proximidades da Mineira, para simular a entrega das vítimas aos bandidos.
— Ainda estamos estudando essa possibilidade — informou a promotora Hevelize Valle, do Ministério Público Militar.
O objetivo é saber, entre outras coisas, que militares participaram das negociações com os traficantes e quanto tempo os jovens passaram em poder da equipe do Exército.
Dentro do inquérito aberto pela Polícia Civil, militares acusados do crime, que estão presos no Batalhão de Polícia do Exército (PE), na Tijuca, reconheceram por fotografias pelo menos quatro traficantes da Mineira que teriam participado do assassinato dos jovens, segundo informou o “RJTV”, da Rede Globo. Policiais da 4º DP (Central) e da 6º DP (Cidade Nova) passaram a tarde ontem na PE.
A polícia não quis informar os nomes dos traficantes identificados, mas um dos reconhecidos seria Anderson Mendonça Coelho, braço direito de Rogério Rios Mosqueira, o Roupinol, apontado como chefe da venda de drogas na favela.
Ontem, terminaria a prisão temporária dos militares, mas, na terça-feira à noite, a Justiça Federal decretou a prisão preventiva de todos. O Ministério Público Federal agora tem cinco dias para apresentar a denúncia contra eles, por homicídio triplamente qualificado. Já no IPM os militares são acusados de recusa de obediência, organização de grupo para a prática de violência, aliciamento e homicídio.
O advogado do tenente Vinicius Guidetti, Luiz Carlos Azenha, já sabe que os outros acusados — sete soldados e três sargentos — escreveram uma carta acusando o oficial de ser o único responsável.
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