'Brasil pode ser ponte entre Leste e Oeste, Norte e Sul'. Entrevista com Alain Touraine
O Brasil vive um novo status social internacional que se dissocia de suas mazelas sociais, afirma Alain Touraine, um dos maiores sociólogos da atualidade em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, 05-07-2008. "A Europa é mais importante economicamente que politicamente. O Brasil é mais importante politicamente do que economicamente", disse ele.
Eis a entrevista
O senhor diz que o Brasil já é uma potência. Por quê?
Não é só isso. Um país como o Brasil se define melhor hoje por seu lugar no sistema internacional do que por suas características próprias. Hoje estamos menos atentos a uma questão essencial como a desigualdade porque, em nível mundial, somos obrigados a reconhecer que há países que devem desempenhar o papel de pontes entre dois lados, seja Leste e Oeste, Norte e Sul. O Brasil exerce esse papel. A maneira como Lula foi recebido em Davos é sintomática. Ele foi mal recebido em Porto Alegre, para o Fórum Social Mundial, mas não em Davos. Aos olhos do mundo, Lula não é um sindicalista, é o representante de um país-chave, que não joga o Sul contra o Norte. O problema é que o Brasil se lixa para a América Latina. Todo mundo se lixa para a América Latina.
O sr. havia dito que a lógica da Argentina é voltada para o interior, enquanto a do Brasil, para o exterior. O que isso significa?
A Argentina não mudou nada, continua sendo um país que vive da exportação de matérias-primas. Peguemos como exemplo o milho. Quando o preço internacional se eleva, o país exporta mais e o preço do pão fica caro no mercado interno. Então os operários e sindicatos vão para a rua pedir a queda no preço. Quando o preço do pão baixa, os proprietários de terras pedem ao Exército que promova um golpe de Estado. Faz 80 anos que é assim. Já a lógica do Brasil é a da industrialização, a da substituição das exportações e a procura de uma indústria exportadora. A Argentina sempre esteve mais voltada ao Sul. O Brasil está voltado ao mundo.
E qual é o custo deste maior papel internacional do Brasil?
Para que um país desempenhe papel internacional, precisa ter a capacidade de criar símbolos mundiais. A Europa está cheia de símbolos, os Estados Unidos também. A França forneceu a Bastilha e a Torre Eiffel. O Brasil, se você raciocinar verá, produz muitos símbolos. Se eu digo Brasil, o que vem à cabeça? Vão me falar das meninas de Ipanema, do samba, do carnaval, das cirurgias estéticas, muitas coisas importantes. São símbolos que interessam ao mundo inteiro ou 80%.
Mas são símbolos culturais, não políticos.
Sim. Mas não é preciso buscar símbolos políticos. O Brasil nunca foi, por exemplo, liberal. Logo não poderia ter no liberalismo um símbolo. Há livros muito interessantes que mostram porque nos anos 30 o liberalismo não funcionou no Brasil. Desde lá, o Brasil é, como a França, um país que funciona a partir do Estado. Se você olha para o "milagre brasileiro", vê que era dinheiro do Estado.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o peso político do Brasil é tão grande quanto o da França. O senhor concorda?
Ele disse que o peso do Brasil é maior. É verdade. Precisamos de China e Índia, desta parte do mundo em que há grandes áreas de miséria, sem controle, sujeitas ao risco de guerras étnicas, religiosas. E para se comunicar com essas partes é preciso de pontes. O Brasil é essa ponte. Hoje a posição internacional de um país não é determinada por seus problemas internos, e sim pelo papel que o país desempenha no cenário internacional. São coisas dissociadas. É por isso que durante 20 ou 30 anos falava-se da desigualdade chocante no Brasil e, hoje, não se fala mais. O Brasil é um país que não tem conflitos com os Estados Unidos ou com a China. Por conseqüência, pode realizar este papel de ponte entre Leste e Oeste, entre Norte e Sul. É um papel muito importante.
Como um país como o Brasil, com problemas crônicos de educação, pode estar sendo bem-sucedido no mundo globalizado, tão marcado pelo conhecimento e pela informação?
Vá ao Aeroporto de São Paulo, pegue um táxi e peça para ir a Campinas. O que você encontra como paisagem? Pastagens? Não, usinas muito modernas. Há vários eixos como São Paulo-Campinas que são industriais ou pós-industriais. Veja as pequenas cidades entre São Paulo e Rio, com indústrias importantes. Há um imenso Brasil moderno que tem desigualdades regionais. Mas há 100 milhões de brasileiros que compõem um Brasil moderno, comparável à Itália.
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