viomundo - publicado em 14 de julho de 2013 às 11:18
por Paulo Moreira Leite, em seu blog
Procura-se minimizar o Dia Nacional de Luta convocado pelas centrais
sindicais a partir de uma comparação cinematográfica com os protestos de
caráter político ocorridos em junho. É uma comparação indevida. A nova
moda ideológica é falar em “velho” e “novo.”
Aquelas mobilizações tiveram clara natureza política, apontando,
difusamente, para autoridades constituídas – fosse o prefeito, o
vereador, o guarda da esquina, o governador, a presidente da República e
assim por diante. Eram formadas por uma massa de jovens, em sua maioria
estudantes, com ideias diversas e até antagônicas.
Sua direção era semi-secreta, movimentando-se por sites, vídeos e
blogs da internet. Havia anarquistas, libertários e fascistas, que
chegaram a carregar faixas pedindo a volta dos militares ao poder.
Vídeos com audiência nos milhões de pessoas pediram boicote a Copa e até
a suspensão de investimentos no país. Interessada em manter Dilma
Rousseff sob pressão, os grandes grupos de mídia adoraram. Divulgaram
datas e locais dos protestos como se prestassem um serviço para shows e
peças de teatro.
Os protestos trouxeram benefícios palpáveis, como redução nas
tarifas. Também obrigaram as instituições políticas a responder a
demandas há muito tempo ansiadas pela população. Mas também deram curso a
atos de demagogia e grande oportunismo.
O Congresso Nacional transformou-se numa usina de projetos aprovados a
toque de caixa, apenas para agradar a multidão. Uma das principais
questões colocadas pelas ruas – uma reforma de fundo em nosso sistema
político – pode ser destruída, ponto a ponto, em negociações destinadas a
bloquear a participação popular nas decisões. Velho? Novo?
O Dia Nacional de Luta foi um ato das lideranças de trabalhadores, que, como apontou o jornal espanhol El País,
pela primeira vez em 22 anos foram às ruas numa mobilização nacional
para defender seus interesses e cobrar providências do governo. Não foi
um grande espetáculo nem um ato de ruptura com o governo Dilma, como
gostaria a oposição.
Mas foi um aviso definido numa situação bem específica.
Em vários pontos de São Paulo, viveu-se um clima de feriado – ainda
mais notável porque as linhas de ônibus e o metrô funcionaram
normalmente. Os protestos em grandes empresas, no Paraná, em Goiás,
foram vigorosos entre categorias importantes.
Um ato reuniu 15 000 pessoas no Recife e 10 000 em Belo Horizonte.
Ocorreram marchas em Cuiabá e em Brasília mas também em São Luís e
Fortaleza. Quatro mil trabalhadores de São Bernardo do Campo desfilaram
pela Via Anchieta. Se cabe registrar a denúncia de pagamento de ajuda de
custo cachê recebido por manifestantes da avenida Paulista, convém não
tomar a árvore pela floresta. A 25 de março, maior centro de comércio do
país, foi paralisada, evento nada desprezível. O Rio de Janeiro
assistiu a um protesto de 20 000 pessoas.
É preciso muito esforço para não enxergar sua importância – apesar da
desvantagem numérica e da falta daquele glamour midiático de uma ação
comandada por pessoas com menos de 24 anos.
No Brasil de 2013, os juros estão em alta, o crescimento econômico
encontra-se em queda e os trabalhadores estão preocupados com o futuro
de suas famílias. Ninguém sabe até quando o desemprego permanecerá
baixo. Nem até quando os salários poderão subir sempre um pouco acima da
inflação. Coisas “velhas”, com certeza. Mas imagine o “novo” que pode
estar a caminho.
Antes de acreditar nos ideólogos que em menos de 24 horas descobriram
a nova divisão do mundo e das pessoas, é bom lembrar que o trabalho
assalariado não foi abolido, apesar do desemprego estrutural crescer em
vários países e versões inesperadas de trabalho escravo terem surgido.
Ter um bom emprego continua sendo a principal referência de
existência e conforto para a imensa maioria da população, ao menos
enquanto o mundo viver sob regras da economia atual e não for possível
criar uma sociedade do lazer ampla e irrestrita.
As questões deste universo, do trabalho foram colocadas pela
manifestação de ontem. Nada “novo,” é verdade. Mas dolorosamente real.
Os sindicatos pedem atenção às aposentadorias, questão essencial num
país em processo acelerado de envelhecimento. Também denunciam as
políticas de terceirização, que ameaçam progressos históricos obtidos a
partir da CLT. Não querem o “novo”, se isso significa criar um mundo
pior que o “velho.”
Enfraquecer as organizações do movimento sindical de todas as
maneiras constitui um objetivo estratégico do conservadorismo brasileiro
desde 1954, quando Getúlio Vargas foi arrancado do Catete pelo tiro do
suicídio. Essa meta alimentou o golpe de 1964, e, com todas as nuances e
correções, encontra-se por trás de campanhas permanentes contra o
sindicalismo brasileiro nos dias de hoje. Como a CLT foi assinada em
1944, é vista como símbolo do “velho.” Mas era o “novo” em relação a
1930, quando a questão social era “caso de polícia.”
Novo, velho? Não vale fazer papel de bobo.
Convém não esquecer que o atual governo não foi gerado em gabinetes
da FIESP nem em piqueniques acadêmicos mas tem raízes nas greves de
trabalhadores dos anos 70.
E é evidente que dividir e enfraquecer o movimento sindical será um
objetivo essencial da oposição para 2014, quando se joga a sucessão
presidencial de Dilma Rousseff, desde já a mais difícil disputa política
para os trabalhadores desde 2002.
A principal crítica que se faz aos protestos foi ter, supostamente,
um caráter governista, de quem teria sido cooptado pelo governo em troca
de favores e presentinhos. Em tom de lamúria, lamenta-se que o
sindicalismo tenha perdido a vocação “autêntica” para assumir velhas
práticas de conciliação e submissão.
Numa versão verde-amarela da estratégia thatcherista de deixar as
entidades sindicais sem recursos, estrangulando sua atividade com a
falta de dinheiro, volta-se a criticar o imposto sindical, que todo
trabalhador pode se recusar a pagar, sendo devidamente estimulado a
fazer por funcionários de RH de grandes empresas.
Falar em “acomodação” e “peleguismo” é uma ação de fundo eleitoral,
para ajudar aquele “novo” que ninguém sabe quem será. Tenta-se, com ela,
esconder benefícios reais conseguidos nos últimos anos.
A maioria dos trabalhadores votou na eleição de Dilma em 2010, assim
como assegurou as duas eleições de Lula. Obteve conquistas importantes,
ainda que o país não tenha, obviamente, chegado ao paraíso.
A renda média do cidadão brasileiro continua muito baixa. O salário
médio não permite à maioria dos brasileiros ter acesso a bens e
confortos que são padrão neste início de século XXI.
A falta de qualidade nos serviços públicos atinge um padrão vergonhoso.
Apesar disso, na última década os trabalhadores conseguiram melhorias
importantes, muitas inéditas. O desemprego caiu a um nível nunca visto.
O salario mínimo não parou de subir. O emprego formal cresceu e a
desigualdade regional diminuiu.
Apresentado como filantropia de fins eleitorais, o Bolsa Família nada
mais é do que uma resposta dos poderes públicos à condição de miséria
na qual sobrevivem milhões de famílias de trabalhadores sem emprego
decente, sem estudo formal e sem qualificação profissional, a que todos
deveriam ter direito.
O problema real é outro. Entregue aos solavancos e misérias do
mercado, o mundo encontra-se em sua pior crise desde 1929. Em toda
parte, conquistas históricas da se encontram sob ameaça – quando não
foram simplesmente revogadas.
A regressão é geral e muita gente repete que não há outra saída. É o novo conformismo. Novo?
Este é o mal que ronda a Terra, como assinalou Tony Judt, um dos principais historiadores de nosso tempo.
O debate realmente novo é impedir este processo de chegar ao País.
A oposição, em suas várias faces e muitas máscaras, está pronta para
cumprir seu papel. Recebe estímulos, favores e até carinhos. Fala
através de eufemismos e encontra-se bem protegida.
Por trás dela encontra-se o rumo das conquista arrancadas depois de 2002 – e o que será feito com elas no pós-2014.
Este é o debate que o Dia Nacional de Luta colocou. Convém não desprezá-lo.
Não concordo com Paulo Moreira ao elogiar o Dial Nacional de Luta, principalmente pelo fato de que esse só ocorreu na esteira dos manifestos. Antes dessas gigantescas manifestações ou do grupo na rede ter sugerido uma paralisação nacional no dia 01 de julho não havia essa Greve Geral orquestrada. O medo de uma paralisação desse nível não partindo dos sindicatos os fez se mobilizar, então nada tem de "real" o Dia Nacional de Luta.
Faz-se necessário ficar atento aos novos movimentos. A pressão neoliberal deve vir forte e com bons argumentos. Tomemos cuidado para não deslizarmos. Não é o momento de polarização e sim de diálogo.
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