O declínio do poder EUA. Um artigo de Anthony Giddens
" Como resultado, em parte, das políticas de Bush, mas também por causa de outras forças que agem na sociedade mundial, a ordem internacional está em crise. A autoridade das Nações Unidas caiu como nunca em tantos anos – e trata-se de uma instituição nada fácil de reformar. Ninguém está em condições de justificar, por exemplo, a atual composição do Conselho de segurança da ONU, que reflete o mundo como era em 1945, e não o hodierno". A opinião é de Anthony Giddens, sociólogo inglês, em artigo publicado no jornal italiano La Repubblica, 26-11-2006.
" Como resultado, em parte, das políticas de Bush, mas também por causa de outras forças que agem na sociedade mundial, a ordem internacional está em crise. A autoridade das Nações Unidas caiu como nunca em tantos anos – e trata-se de uma instituição nada fácil de reformar. Ninguém está em condições de justificar, por exemplo, a atual composição do Conselho de segurança da ONU, que reflete o mundo como era em 1945, e não o hodierno". A opinião é de Anthony Giddens, sociólogo inglês, em artigo publicado no jornal italiano La Repubblica, 26-11-2006.
Eis o artigo.
"Para aqueles que queriam ver reduzir-se o poder dos Estados Unidos no mundo – bem, o desejo se concretizou. As coisas podem mudar de fato velozmente. Há apenas alguns anos, o debate girava todo em torno do novo império americano. Havia quem via seriamente os Estados Unidos como uma Nova Roma, como um sistema de influência que se estendia por todo o mundo, sem rivais em vista. Muito tempo tem sido dedicado a tentar individuar um modo de dar forma a um mundo mais multipolar da parte de quem temia a amplitude da dominação americana no período pós Guerra fria.
A idéia de uma Nova Roma sempre foi um exagero. Mas, a influência dos Estados Unidos foi minada também pela política de um regime convencido que a América pudesse e devesse perseguir os próprios interesses de maneira mais ou menos independente do resto do mundo. A débâcle republicana nas últimas eleições para o Congresso é o último elemento que a descartar esta idéia.
Os eventos no Iraque e no Afeganistão evidenciaram com grande clareza os limites do poder militar americano. As iniciais vitórias militares impressionaram também por sua rapidez. Mas, em nenhum destes casos os Estados Unidos demonstraram estar em condições de criar estabilidade política e social, para sequer mencionar as reformas duradouras. O Iraque devorou sozinho a maioria dos recursos militares estadunidenses disponíveis. Agora damo-nos conta que os Estados Unidos só podem combater uma guerra difícil por vez, se alhures tiverem em curso operações que podem ser de obstáculo. E isso já deveria bastar quanto ao argumento da Nova Roma. Até o império romano original sabia fazê-lo melhor. Os Estados Unidos desperdiçaram uma parte consistente das boas relações que tinham com o resto do mundo e do seu extenso poder cultural. Nas sondagens de diversas partes do mundo, o prestígio desta Nação desceu ao ponto mais baixo em muitas décadas. Os Estados Unidos foram o principal ator no Oriente Médio, mas não é incorreto duvidar que tal status se protraia no futuro. A piada que circula em Washington é: “A guerra no Iraque terminou e o Irã venceu”. A retirada americana (e britânica) do Iraque, quando ocorrer, representará uma derrota, qualquer que seja a vestimenta que se lhe queira dar.
Para os Estados Unidos, as coisas parecem andar melhor do ponto de vista econômico. São uma sociedade muito dinâmica, capaz de adequar-se à mudança. Todavia, no horizonte poderiam estar de tocaia problemas de não pouca monta. Quando Bill Clinton deixou a presidência, o balanço do País estava em equilíbrio. Agora se encontra com uma dívida externa maciça. As desigualdades cresceram durante os anos de Bush, como resultado direto das políticas deste governo: benefícios fiscais para os ricos e cortes aos programas sociais. Que conseqüências terá uma América enfraquecida para o resto do mundo? Seria confortador pensar que isso possa conduzir a um reforço da regra internacional e do multilateralismo. Provavelmente os Estados Unidos seriam constrangidos a apoiar-se mais em outras nações ou organismos internacionais e, se fosse eleito um presidente democrático, é pensável que ele ou ela volte a uma política internacional do País orientada como a que precedeu à administração Bush.
Em parte isto poderia verificar-se, mas há um cenário iminente muito mais preocupante. Como resultado, em parte, das políticas de Bush, mas também por causa de outras forças que agem na sociedade mundial, a ordem internacional está em crise. A autoridade das Nações Unidas caiu como nunca em tantos anos – e trata-se de uma instituição nada fácil de reformar. Ninguém está em condições de justificar, por exemplo, a atual composição do Conselho de segurança da ONU, que reflete o mundo como era em 1945, e não o hodierno. As reformas de certo alcance são, todavia, sempre obstaculizadas pela diversidade dos interesses nacionais particulares em jogo.
Mas, o mais preocupante de tudo isso é o fato que duas ordens de perigos com que nos defrontamos estão a ponto de fugir a todo controle: a proliferação nuclear e a alteração climática. A Coréia do Norte está na posse de uma rudimentar arma nuclear e está testando os sistemas de lançamento. O Irã estará em condições de produzir armas nucleares em poucos anos e parece não existir nada que a comunidade internacional possa fazer para impedi-lo.
É provável que outros países do Oriente Médio sigam o exemplo e entre estes conviria incluir o Egito, a Síria e a Arábia Saudita. Na Ásia há três grandes potências nucleares, que se tornarão quatro, incluindo a Rússia. Também o seria o Japão, se decidisse exercitar as suas capacidades. Se os acontecimentos do mundo procederem segundo o curso atual, é somente uma questão de tempo. Nem mesmo o mais aguerrido fautor da política de dissuasão nuclear poderia garantir que estes desenvolvimentos tornem o mundo mais seguro.
Muitos experts dizem que temos somente uma janela de uns dez anos antes que o processo do superaquecimento global seja irreversível em breve prazo. Também neste caso, é possível que um novo governo estadunidense tenha um comportamento mais positivo do que o governo Bush. Mas, será, em todo o caso, muito difícil inverter os modelos do estilo de vida americano radicados em profundidade, que fazem dos Estados Unidos o país que mais polui o mundo em relação aos seus habitantes. Ao mesmo tempo, no protocolo de Kioto não entram nem a China nem a Índia. Tocará a nós todos preparar-nos para o impacto da alteração climática, ao invés de tentar minimizar o seu avanço.
Atenção, quando se tiver aquilo que se queria. Não creio que o mundo será mais seguro ou mais ordenado sem a liderança americana. A União Européia certamente não está pronta para calçar os sapatos dos Estados Unidos como policial do mundo. Como faremos então? Os próximos anos se apresentam como um período muito difícil e incerto para o mundo, seja qual for a coisa que ainda suceda. Devemos todos desejar-nos que a próxima presidência dos Estados Unidos esteja em condições de reparar alguns dos danos causados pela precedente. Mas, como chegaremos a uma cooperação maior entre as outras principais potências, quando não se está em condições de obter sequer um limitado acordo no interior da OIT? Não vejo respostas claras.
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