Um artigo de Paulo Kliass
A versão oficial é a de que os números da dívida demonstrariam o sucesso da política econômica na redução da dependência em relação ao capital estrangeiro. Mas é preciso compreender o sentido de tal movimento. Por que se deu tal processo de redução dos valores registrados como dívida externa junto ao BC?
Quem pergunta é Paulo Kliass, doutor em Economia e membro da carreira federal “Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental”. Ele fala sobre a dívida externa brasileira em artigo publicado pela Agência Carta Maior, em 28-11-2006. Atualmente, Kliass cumpre programa de pós-doutorado na Université de Paris 13, da França.
Eis a íntegra do seu texto:
"Muito tem sido falado e escrito nos últimos meses a respeito do comportamento da nossa dívida externa. A maior parte das intervenções têm se manifestado no sentido de “comemorar” os valores observados nos relatórios oficiais a respeito da matéria. Como a questão é bastante delicada e recheada de aspectos metodológicos e financeiros, convém um pouco de cautela para uma análise mais adequada.
A versão oficial é de que os números estariam demonstrando o sucesso da política econômica, no sentido de que o País exibiria hoje uma dependência menor em relação ao capital estrangeiro. Afinal, até mesmo o chamado contrato stand by com o FMI não precisou ser renovado em passado recente. Ou seja, uma possibilidade de acesso direto a recursos estrangeiros, caso houvesse alguma dificuldade do Brasil em cumprir os seus compromisso externos.
Numa abordagem preliminar, efetivamente os dados chamam a atenção do observador incauto e não habituado ao tema. Por exemplo, a Tabela abaixo mostra tais valores para o período a partir do Plano Real. Realmente, o valor total dos empréstimos contraídos no exterior apresentava uma tendência de crescimento e subitamente começou a se reduzir nos últimos anos.
A versão oficial é a de que os números da dívida demonstrariam o sucesso da política econômica na redução da dependência em relação ao capital estrangeiro. Mas é preciso compreender o sentido de tal movimento. Por que se deu tal processo de redução dos valores registrados como dívida externa junto ao BC?
Quem pergunta é Paulo Kliass, doutor em Economia e membro da carreira federal “Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental”. Ele fala sobre a dívida externa brasileira em artigo publicado pela Agência Carta Maior, em 28-11-2006. Atualmente, Kliass cumpre programa de pós-doutorado na Université de Paris 13, da França.
Eis a íntegra do seu texto:
"Muito tem sido falado e escrito nos últimos meses a respeito do comportamento da nossa dívida externa. A maior parte das intervenções têm se manifestado no sentido de “comemorar” os valores observados nos relatórios oficiais a respeito da matéria. Como a questão é bastante delicada e recheada de aspectos metodológicos e financeiros, convém um pouco de cautela para uma análise mais adequada.
A versão oficial é de que os números estariam demonstrando o sucesso da política econômica, no sentido de que o País exibiria hoje uma dependência menor em relação ao capital estrangeiro. Afinal, até mesmo o chamado contrato stand by com o FMI não precisou ser renovado em passado recente. Ou seja, uma possibilidade de acesso direto a recursos estrangeiros, caso houvesse alguma dificuldade do Brasil em cumprir os seus compromisso externos.
Numa abordagem preliminar, efetivamente os dados chamam a atenção do observador incauto e não habituado ao tema. Por exemplo, a Tabela abaixo mostra tais valores para o período a partir do Plano Real. Realmente, o valor total dos empréstimos contraídos no exterior apresentava uma tendência de crescimento e subitamente começou a se reduzir nos últimos anos.
Veja a tabela:
Brasil - Dívida Externa Total
Ano US$
1994 120
1998 220
2002 196
2006 150
Fonte: BCB
Porém, antes de bater no peito de forma ufanista e comemorar a nossa independência, é preciso compreender o sentido de tal movimento. Por que se deu tal processo de redução dos valores registrados como dívida externa junto ao Banco Central?
Um indicador que pode ajudar a analisar tal fenômeno é a tendência observada, ao longo do mesmo período, de evolução da dívida pública total. Um conjunto de fatores contribuiu para a elevação acelerada da mesma, a exemplo da política de juros elevada, do aprofundamento do processo de internacionalização de nossa economia e da consolidação de um viés rentista das atividades aqui realizadas. Trata-se do chamado processo de financeirização da etapa atual do sistema capitalista.
Veja a tabela:
Dívida Pública Total - Tesouro Nacional
Ano US$
1994 195
1998 743
2002 877
2006 1.150
Fonte: BCB
Mas, além disso, aqui podemos observar com clareza que a redução da dívida externa não implicou a redução do total da dívida total do estado brasileiro. Antes, pelo contrário, ao longo dos anos houve um crescimento, mais do que proporcional inclusive, de tais valores. Isso significa que as autoridades econômicas brasileiras operaram ativamente no processo, no sentido de favorecer o movimento de transformação de dívida contraída junto a credores internacionais em dívida contraída junto aos cofres públicos brasileiros.
Assim, ao operar dessa forma, observa-se que a postura governamental não foi de mero espectador da atuação das chamadas “livres forças do mercado”. O governo estimulou e criou as condições que favoreciam a chamada mudança de portfólio dos agentes econômicos. Na prática, induzia os operadores no mercado financeiro a uma opção em que tudo lhes era mais vantajosa: o governo trocava uma dívida de longo prazo, com taxas de juros mais baixas, e oferecia uma dívida resgatável em prazo mais curto e com taxas de juros implícitas bem mais elevadas.
Ora, diante de tal generosidade, não foi nada surpreendente a mudança observada na composição das dívidas: a maioria dos que detinham os títulos antigos – dívida externa - aceitaram a troca proposta e passaram a possuir títulos da dívida pública interna brasileira. E assim, como que um passe de mágica, os valores da dívida externa foram reduzidos de forma significativa.
No entanto, é preciso dizer que não houve grandes mudanças de fundo. Essa nova formatação da dívida não reduz o grau de dependência da nossa economia frente aos movimentos de curto prazo do capital especulativo no mercado financeiro internacional. Na verdade, o que se verificou foi uma sutil e inteligente intervenção dos dirigentes do Banco Central e da equipe econômica no sentido de defender os interesses dos detentores privados dos títulos da dívida brasileira, seja ela externa ou interna.
Para tanto, vale aqui recuperar um pouco de nossa memória recente e olharmos o que se passava na Argentina, justamente no período em que se acentua a inflexão de nossa dívida externa. Os nossos vecinos hermanos, logo após a posse do Presidente Kirchner em maio de 2003, enfrentavam grande dificuldade econômica e social, também em função da implementação da política de ajustes patrocinada pelo FMI. Ele percebeu o grave constrangimento causado à capacidade de retomar o desenvolvimento. Um dos principais fatores relacionava-se aos compromissos da dívida externa argentina, que circulava pelo mercado financeiro internacional, assim como a dívida brasileira e dos demais países do chamado Terceiro Mundo.
Ao adotar uma postura mais firme junto aos credores internacionais, o novo presidente apresentou a proposta de renegociação da dívida externa: a Argentina estaria disposta a sair do default desde que fosse aceito o pagamento de 0,25 centavos de cada dólar devido. Ou seja, o pagamento de apenas 1/4 do valor de face dos títulos. Ao longo de 2003 e 2004 a proposta foi duramente criticada por todos os que transitam no circuito financeiro internacional. Kirchner era freqüentemente acusado de populista, demagogo, irresponsável, entre tantos adjetivos dos que apregoavam o pior cenário de caos econômico e social, caso a proposta fosse levada a cabo. Afinal, não poderia haver outra saída que não a do consenso de Washington, tão bem levada a cabo pelo próprio governo Lula. Todo o resto era ameaça pura ao patrimônio dos que especulavam com dívidas de países de alto risco.
Apesar dos apelos advindos da Casa Rosada, o governo brasileiro ofereceu apenas um vergonhoso silêncio sobre a matéria. Nem uma única posição pública de apoio para o país vizinho e parceiro do Mercosul. Afinal, um dos responsáveis pelas matérias da área econômica em Brasília era o ex-presidente mundial do Bank of Boston, alguém especialmente interessado em evitar que a tentativa argentina fosse coroada de sucesso. Afinal, se essa moda pega...
No entanto, apesar de todas as dificuldades enfrentadas, a posição do governo argentino logrou-se vitoriosa. E conseguiu, inclusive, o apoio oficial do próprio FMI e do governo norte-americano para convencer os credores privados de que não haveria outra opção senão encaixar contabilmente a referida perda patrimonial. O caos anunciado não veio, a economia argentina continuou a crescer e o fluxo internacional de capitais dirigido àquele país, como que paradoxalmente, continuou a crescer e não a diminuir.
Já no caso brasileiro, em razão da sutil transformação operada na composição da dívida, torna-se muito mais difícil a identificação do agente credor (se interno ou externo). Do ponto de vista político, isto significa dizer que a eventual rediscussão dos valores devidos pelo Estado brasileiro não mais permite o corte anterior: dívida externa versus dívida interna. E dificulta bastante ainda a diferenciação entre o detentor do título no interior ou no exterior do país.
Portanto é urgente o restabelecimento do debate acerca do controle da chamada conta de capital. Assim, caberia a imposição de tributos na entrada ou na saída de recursos externos em nosso mercado, bem como o estabelecimento de um prazo mínimo para as aplicações. Dessa maneira, poder-se-ia diferenciar o capital especulativo stricto sensu daquele recurso que vem para contribuir para um projeto de desenvolvimento econômico
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