IRÃ
EUA travam miniguerra fria
Regime dos aiatolás aproveita erros da Casa Branca, expande influência e intimida os adversários no Oriente Médio. Aliados responsabilizam o governo norte-americano pelo acirramento da tensão sectária
Anthony Shadid
The Washington Post
Quatro anos depois da invasão do Iraque, o Irã está em alta e os EUA, em retirada. Os países árabes, que se sentem enfraquecidos, são lacerados por disputas sectárias que, muitos apontam, foram acirradas pelos próprios americanos. “Eles são os maiores culpados pela expansão da influência do Irã no Oriente Médio”, aponta o escritor e acadêmico saudita Khaled Al-Dakhil. Eyal Zisser, chefe do Departamento de Oriente Médio e África na Universidade de Telavive, em Israel, resume um sentimento comum na região quando se discute a política norte-americana: “Depois de todo esse investimento na democracia, o Ocidente está perdendo e o Irã é que está ganhando”.
Nas últimas semanas, a Casa Branca acusou o golpe e sinalizou uma atitude mais firme para conter a crescente desenvoltura do regime dos aiatolás. O presidente George W. Bush autorizou explicitamente as tropas americanas no Iraque a “eliminar” agentes iranianos surpreendidos no país — onde Teerã exerce influência sólida sobre o novo governo, derrama dólares, cultiva amizades e tira do caminho os adversários. O novo “número 2” do Departamento de Estado, John Negroponte, admitiu perante o Congresso que a expansão da influência do Irã “vai além da questão do programa nuclear”.
“Os simpatizantes do Irã estão por toda parte, do Iraque ao Afeganistão”, comenta o ex-diplomata iraniano Najaf Ali Mirzai, que atualmente dirige um centro de estudos no Líbano. “E os soldados americanos no Oriente Médio são reféns do Irã, no caso de uma guerra. Os iranianos podem atingi-los em qualquer lugar, e mísseis Patriot não poderão protegê-los.”
Os vizinhos árabes, muitos deles aliados de longa data de Washington, assistem com apreensão e ansiedade a outro efeito colateral da ascensão iraniana: a tensão crescente entre muçulmanos sunitas e xiitas. Mas, ao mesmo tempo, muitos suspeitam das reais intenções de Washington ao confrontar os aiatolás. “Eles precisavam criar um inimigo para justificar o fracasso no Iraque”, critica Talal Salman, editor-chefe do jornal libanês As-Safir. “Assim, com o ‘lobo’ à porta, temos de chamar tropas e frotas estrangeiras para nos proteger.”
Sem adversários
Vem de séculos a rivalidade entre o Irã, de maioria xiita, e seus vizinhos árabes, em geral com maioria sunita. Mas, como na maioria dos conflitos contemporâneos do Oriente Médio, os contornos são agora definidos por interesses políticos. O Irã cresce quase por ausência de adversários. Primeiro, em 2001, a invasão norte-americana ao Afeganistão tirou do poder os extremistas sunitas do Talibã, que nos anos 90 andaram às portas de uma guerra com Teerã. Dois anos depois, foi a vez do Iraque de Saddam Hussein, que iniciou uma guerra de oito anos com o Irã (1980-1988).
“Discordo da política iraniana, mas não há como negar que eles têm uma agenda e fazem planos para cumpri-la”, analisa Abdullah Al-Shayji, cientista político da Universidade do Kuweit. “Não perdem uma só oportunidade.”
Em poucos lugares isso é mais evidente do que no Líbano, onde os xiitas são 45% da população. No sul de Beirute, reduto do partido pró-iraniano Hezbollah, uma faixa sobre uma ponte destruída por bombardeios israelenses, em agosto último, resume a situação: “O inimigo sionista destrói, a República Islâmica reconstrói”.
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