Álcool vira bode expiatório da fome na demagogia de Banco Mundial e ONU, que escondem danos de subsídios de país rico. A opinião é de Vinicius Torres Freire e publicada no jornal Folha de S. Paulo, 15-04-2008.
Eis o artigo.
Uma das cenas candidatas ao Oscar de demagogia repulsiva deste ano é a imagem de Roberto Zoellick segurando de braços abertos um pão e um pacote de arroz em um encontro do Banco Mundial, organização que preside.
Zoellick deu impulso ao recente carnaval midiático e hipócrita a respeito do aumento da fome devido à inflação de alimentos. O Banco Mundial e penduricalhos da ONU estão em campanha dita contra a fome, mas com ênfase no dano que os biocombustíveis fariam aos pobres.
Tão repulsivo quanto a súbita piedade de Zoellick pelos famélicos da terra é o relatório do Banco Mundial a respeito do assunto. O primeiro parágrafo do texto é sobre a inflação global. O segundo, sobre a culpa dos biocombustíveis. Não há praticamente palavra sobre subsídios agrícolas dos países ricos, que detonaram durante décadas a produção de alimentos em países pobres. Nem sobre subsídios americanos à produção do ineficiente álcool de milho. Mas há uma palavrinha sobre a devastação de florestas para a produção de álcool no Brasil.
Receita do Banco Mundial para a crise? Primeira: esmolas focadas nos mais pobres (a solução para tudo no Banco Mundial enquanto não chegar a era de ouro em que todas as "reformas" estarão completas). Segunda: redução de tarifas de importação de comida em país pobre. Só a terceira é o aumento da produção alimentos, "no médio prazo".
Mas até a caridade do Banco Mundial é um fracasso. A fatia dos empréstimos do banco para projetos agrícolas em 2007 foi pouco mais de um terço do que era em 1980. Nos últimos anos, emprestou em média US$ 450 milhões anuais para esses programas na África. O subsídio direto para agricultores da União Européia foi de US$ 96 bilhões em 2006. Nos EUA, US$ 24 bilhões.
No mais recente relatório do International Food Policy Research Institute (IFPRI) sobre o tema, obviamente se reconhece a necessidade de medidas emergenciais. Mas as prioridades de política são outras.
Primeiro: reduzir subsídios e barreiras comerciais em país rico. Segundo: melhorar a infra-estrutura e o mercado agrícola em países pobres. Terceiro, dar condições tecnológicas para os pobres produzirem mais comida. "Um regime comercial mais aberto na agricultura beneficiaria os países em desenvolvimento em geral (embora não reduza a pobreza em certo casos)", diz o texto.
O IFPRI é resultado da associação de 47 países, fundações privadas e órgãos da ONU, e também do Banco Mundial. Seu relatório deveria ser lido pelo demagogo neoconservador Zoellick, que foi uma espécie de ministro do Comércio de Bush. Disse certa vez que "ou o Brasil aceita a Alca ou venderá suas mercadorias para a Antártida", evidenciando assim a fineza diplomática do bushismo e seu apreço pelo livre comércio negociado em bases razoáveis.
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