Ao fim da odisséia de suor, superação e recordes do lado de lá do mundo, a torcida verdeamarela amarga a certeza de que seguimos como sempre: medalha de ouro em discursos, promessas e projetos olímpicos por realizar.
Só. O Brasil é menor do que deveria — e poderia — na maior competição esportiva da Terra.
A reportagem é de Aydano André Motta e publicada pelo jornal O Globo, 24-08-2008.
Diante do veredicto de juízes, cronômetros e placares, vira fumaça a crença do “agora, vai”, vigoroso apenas no palavrório da cartolagem antes de começarem os Jogos. E prevalece a constatação melancólica: gigantes na Copa do Mundo — porque jogador de futebol, aqui, brota do chão —, permanecemos minúsculos nas Olimpíadas.
Evolução padrão Dunga
Os menos culpados são justamente os alvos diretos da frustração que se alastra pela pátria de maiôs e sapatilhas, tênis e quimonos, luvas e raquetes: os atletas. No país da monocultura esportiva, eles só existem a cada quatro anos. Quando vêm à luz no reino do futebol, transformam-se em objetos da frustração de um povo que adora torcer e, como poucos, abomina perder. Mas a revolta tem o destinatário errado.
A eternamente prometida potência olímpica não se materializa por mazelas a léguas de campos, quadras, pistas, tatames, piscinas.
A quantidade miserável de medalhas não está na pobreza de recursos. Os investimentos no projeto olímpico brasileiro cresceram em velocidade de Usain Bolt — enquanto a evolução arrasta-se no ritmo da seleção de Dunga, o moribundo.
O fiasco em Pequim encerra o primeiro período de preparação integralmente sob a vigência da Lei Agnelo/Piva, aprovada em 2001, que destina 2% da arrecadação bruta das muitas loterias federais do Brasil.
A um Brasil de distância da montanha de dinheiro governamental, o judoca Eduardo SantosFederação Paulista de Judô —, logo obteve o índice olímpico.
Em Pequim, foi eliminado na repescagem e desabou no choro que comoveu o Brasil. padeceu dez anos na faixa marrom, por não ter R$ 1.500 para pagar o exame que permite passar à faixa preta. Quando finalmente conseguiu — bancado pela
‘Vamos virar potência!’
Desde o fim de 2006, quando foi sancionada pelo presidente Lula a lei de incentivos fiscais ao esporte, entrou um dinheirinho extra. Prima da Lei Rouanet, permite a dedução no Imposto de Renda — até 6% para pessoas físicas, 1% para jurídicas — de doações para projetos esportivos e paraesportivos. No fim das contas, deu e sobrou para a maior delegação brasileira na história dos Jogos, 277, quase regulando com os mais de 200 cartolas. Números que refletem a grandiloqüência dos dirigentes e políticos do setor:
— Vamos nos tornar uma potência olímpica rapidamente — assegurou Carlos Melles, ministro dos Esportes do governo FH, em 2001, prevendo a materialização do projeto em “10 ou 12 anos” (já se passaram sete).
Os recursos são entregues ao Comitê Olímpico Brasileiro, dirigido há 13 anos por Carlos Arthur Nuzman, ex-presidente da Confederação Brasileira de Vôlei, que os repassa às 24 confederações do esporte olímpico no país. Aqui, está um dos problemas centrais.
“Euricosmirandas” de esportes variados, os cartolas têm em comum a longevidade nos cargos.
E a gestão continua patinando, em picuinhas políticas e batalhas desérticas pelo poder.
O governo paga, mas não ajuda onde seria fundamental. O esporte, poderosa ferramenta de inclusão social mundo afora, aqui se restringe ao futebol — assim mesmo pela ação autônoma da população, que, numa rara benesse da monocultura, bota os filhos para chutar bola desde os primeiros passos. Pensar em esporte sistematizado nas escolas e universidades beira o absurdo num país com o nível de ensino que ostentamos.
Inclusão social zero
De resto, fenômenos vêm e passam, sem que suas trajetórias de ídolos do esporte gerem frutos.
O caso Guga é educativo. Quis o destino que o Brasil tivesse um protagonista no tênis. O catarinense Gustavo Kuerten liderou o ranking mundial por 43 semanas, ganhou Roland Garros (um dos quatro torneios mais importantes do mundo) três vezes e transformou-se em ídolo nacional. Para tudo se perder num aborrecido barraco político em torno do poder na Confederação de Tênis, no qual o próprio Guga tristemente se envolveu.
Processo semelhante se abateu sobre o basquete masculino, que, um dia distante no passado, foi nosso segundo esporte. Nele, o fiasco é antes das Olimpíadas — há três, o Brasil sequer se classifica. A última foi em Atlanta (1996). E nossos poucos jogadores medianos fogem da seleção como o diabo da cruz.
Em todos os casos, o problema é o mesmo: inexiste, aqui, o que modifica os padrões sociais e esportivos dos países: a massificação. É como teorizou o responsável direto por operar a transformação:
— Se o Estado oferecer oportunidades para a juventude, não tenho dúvida de que poderemos nos transformar numa grande potência olímpica — apontou Lula, na abertura do Pan do Rio, ano passado.
A competição continental, aliás, serve como mais um exemplo da miopia na administração esportiva.
O Rio ganhou equipamentos construídos a peso de ouro e que, prometeu-se aos quatro ventos, seriam o legado — outro must no dialeto da cartolagem olímpica — para, afinal, surgir a massificação esportiva. Hoje, a pista de atletismo do Engenhão só é freqüentada pelos jogadores do Botafogo, a caminho do campo, no estádio olímpico arrendado pelo clube de futebol. A Arena Multiuso ganhou nome de banco e abriga shows de música. O Parque Aquático Maria Lenk tem competições bissextas. Mas nada de crianças da rede pública nadando, ou qualquer outro tipo de fomento ao aparecimento de novos atletas.
Lições da...Jamaica
Não se faz sequer como na Jamaica, miserável ilhota do Caribe com PIB menor do que o do Maranhão, que apostou na vocação do povo e colhe corredores espetaculares — Asafa Powel, Usian Bolt, Shelly-Ann Fraser —, além de várias medalhas de ouro. A evolução constrange qualquer brasileiro que ama esporte. Alguns anos atrás, os jamaicanos naturalizavam-se britânicos (Linford Christie) ou canadenses (Ben Jonhson, Donovan Bailey). Hoje, embrulhamse orgulhosos na bandeira de seu país para comemorar as vitórias.
Desempenho parecido, no Brasil, só um esporte consegue ostentar: o vôlei. Ainda que há 11 anos com o mesmo presidente (Ary Graça), o investimento na base produziu resultados contundentes Ou seja: basta fazer.
Mas o sonho acabou — de novo. E um dia após o outro, nas duas semanas e pouco que duraram os Jogos, as esperanças foram ruindo, salvo exceções aqui e ali. Cantando aos quatro ventos uma estrutura vigorosa, o COB jogou no colo dos atletas o projeto de superar Atenas. Prevaleceu a impotência, num cenário em que medalha ganha status de milagre.
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