Toda a batalha em torno de juros, câmbio, transferência de renda, se dá no campo das planilhas e da capacidade de “esquentar” os números. É um movimento de conquista da opinião pública que usa bem o estilo de "esquentamento" das manchetes pelos jornais.
Vamos a dois exemplos didáticos dessa jogo.
A política monetária aprecia o real. Como conseqüência, há um aumento brutal no déficit em transações correntes, puxando principalmente pelo aumento das importações – mais de 50%. É uma escalada insustentável que, em países anglo-saxões, racionais, imporia restrições ao uso ilimitado de juros pelo BC.
Aí vem o Bradesco, do meu amigo Otávio de Barros, com suas contas.
1. Separa preços e quantidade de importações.
2. Constata que a quantidade está aumentando em 20% ao ano há algum tempo.
3. A partir daí fornece material para a manchete: importações estão estabilizadas.
O que a planilha não mostrou:
1. Crescimento de 20% não é estabilidade em lugar nenhum do mundo: é crescimento de 20% ao ano. Faz-se um jogo de palavras – “estabilizar o crescimento” – para passar a falsa idéia de estabilidade.
2. Se o que interessa é o saldo comercial, a comparação tem que ser com exportações. Pelo critério de quantum, as exportações estão estagnadas.
Aí vem o Banco Real Private Banking com um estudo mostrando que o Nível de Utilização de Capacidade Instalada atingiu o segundo patamar mais alto desde que a série foi criada.
Confira na matéria de Cláudio Lamucci (não confundir com La Nuci, com o perdão pelo trocadilho) (clique aqui).
Segundo o economista Fabio Susteras, seus estudos comprovam que “a despeito da queda dos preços de commodities, o Banco Central (BC) deve continuar a aumentar os juros nos próximos meses, levando a taxa Selic, hoje em 13% ao ano, para 14,75% no fim de 2008”.
Vamos refazer as ênfases, com base nos dados da própria reportagem:
1. Impressiona dizer que é o segundo nível mais alto desde que a série histórica foi criada. Impressionaria menos se se destacasse o fato da série histórica ter começado em 2006. Impressionaria menos ainda se se destacasse o fato de que o nível mais elevado foi o do quarto trimestre do ano passado. Significa que de lá para cá não houve aumento no NUCI, apesar do aumento da demanda.
2. O repórter faz um bom trabalho e indaga a razão da acomodação do NUCI nos atuais patamares – o termo é esse “acomodação”.
Explicações corretas:
• A maturação dos investimentos, que crescem a um ritmo superior a dois dígitos desde 2006, ajuda a explicar por que a utilização de capacidade se acomoda mesmo num período em que a atividade econômica continua a avançar.
• Aumento de produtividade. “Susteras reconhece que o seu estudo não considera a produtividade. Ganhos de eficiência na economia permitem que, com o mesmo nível de utilização de recursos, seja possível produzir mais”.
Por que ele não considera? Porque atrapalharia a defesa de tese.
Conclusão: matéria muito boa. Tão boa que não justificaria a chamada de capa "Aquecimento da economia puxou os preços". O único dado concreto do economista é uma correlação entre índices de crescimento e IPCA e IGP-M.
Do Estadão Online
IGP-M cai 0,32% em agosto, primeira deflação desde 2006
Após alta de 1,76% em julho, índice cede refletindo o forte recuo dos preços dos alimentos
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