PRONTOS PARA?
Após uma semana da publicação da reportagem “Prontos para o século XIX” da revista Veja de 20 de agosto de 2008, não consegui digerir e nem tampouco entender em que estado mental se encontravam os autores da reportagem, no caso Camila Antunes e Marcos Todeschini.
No início da reportagem, é questionado o dilema exposto por um professor de geografia do Colégio Salesiano Dom Bosco de Goiânia em relação ao uso de chocadeiras.
Deixando de lado a questão moral de ser justo ou injusto o tratamento dispensado aos animais, pois não é essa a minha intenção, o caso é que comemos um animal que está pronto para o abate em torno de 30 dias. Na natureza, ou seja, criado livre no fundo de quintal sem qualquer auxílio da intervenção humana (referindo-me a anabolizantes, hormônios e outros estímulos), o mesmo animal estaria pronto para abate em torno de 90 dias. Quem arca com os problemas decorrentes dessa aceleração do crescimento das “chocadeiras”? O avicultor? O fabricante dos químicos utilizados? Ou será o consumidor em geral que não sabe o que está consumindo e tampouco sabe das conseqüências que podem advir desse consumo?
Não sei se os repórteres dessa notícia já ouviram falar
Logo em seguida, a reportagem ataca o professor Paulo Fiovaranti. Descreve-o como um esquerdista que procura fazer a “cabeça” da gurizada. Conhecendo o referido professor, sei muito bem que de esquerdista ele está longe. Por sinal, comentando com alunos, que foram seus alunos em anos anteriores, o conteúdo da reportagem consideraram um absurdo alguém imaginar o professor Paulo com sendo comunista e sendo um ativo promotor de lavagem cerebral de crianças inocentes.
Gostaria de salientar que a referida prevalência apontada no artigo sobre a tendência dos professores em esquerdizar a cabeça das crianças, nada mais é do que, simplesmente, uma postura mais crítica em relação aos conteúdos. Concordo que tal postura é decorrente, sim, de uma linha mais marxista que permeou as disciplinas de História e Geografia a partir da década de 80. Mas essa condição não torna ninguém esquerdizante, simplesmente transforma o educador em um personagem mais crítico da realidade. Afinal, queremos que nossos filhos aceitem tudo que lhes dizem como verdadeiro e se tornem cordeiros para os lobos, ou queremos que eles construam uma sociedade mais justa e possam discernir com maior consciência o certo do errado e buscar seus direitos?
Outro problema é querer estigmatizar como algo do passado o denominado desemprego estrutural. A não ser que toda a pesquisa tecnológica difundida pela mídia seja apenas para amostra e não se tencione fazer emprego real das descobertas, concordo que as máquinas não mais tiram emprego dos trabalhadores. Mas, como acredito que nada disso aconteça, a robótica e a informática suprimem determinadas funções nas sociedade, sim, antes desenvolvidas por trabalhadores. Em países como a Alemanha ou Japão, tais trabalhadores são absorvidos pelo setor terciário, principalmente na área de serviços. No nosso caso, temos a informalidade para nos consolar.
A propósito, Paulo Freire é internacionalmente reconhecido, traduzido em mais de 20 idiomas, não apenas inglês, francês, espanhol ou outras línguas em que grandes pensadores são traduzidos. E falo isso sem idolatria desse personagem “arcaico”, pois não sou um grande leitor de suas obras, portanto não posso e nem devo realizar criticas positivas ou negativas a seu respeito, mas apenas me ater aos fatos, como o que acima descrevi.
Por último gostaria ainda de fazer um comentário sobre o box “exemplos de falhas na cartilha”. Vou me ater a alguns casos que considerei mais escandalosos. Creio que quando se faz uma critica a algo, deve-se pelo menos, ter uma boa argumentação em relação ao que está escrevendo ou dizendo. Nesse caso não aconteceu.
Uma das críticas refere-se a um mapa sobre a rota da Coluna Prestes. O comentário da revista cita o fato de que, no mapa, a rota passaria pelo estado de Tocantins que só foi criado em 1988. Bom, seria interessante fazer o aluno compreender que tal marcha se empreendeu desde a região Sul, passando pelo Centro e terminando na região Leste. Utilizando o mapa da época. É evidente que para melhor compreensão do aluno se faz necessário mostrar a rota dentro de uma realidade que o aluno conhece. Fica mais prático e didático. Permite a adequação de um fato passado com algo conhecido e perceptível pelo aluno.
Outro comentário se refere a Canudos. Euclides da Cunha teceu comentários a partir de seu ponto de vista, e não fazendo uma análise da realidade. A comunidade de Canudos não realizava saque e nem atacava fazendas ou cidades próximas em busca de alimentos. Se eram “um exército de gente ínfima e suspeita, avessa ao trabalho”, como Canudos sobrevivia? Seria Antônio Conselheiro realmente um messias e praticava o milagre da divisão dos pães?
Joseph Stiglitz, nobel de economia, assessor de Bill Clinton, e Vice-Presidente Sênior Para Políticas de Desenvolvimento do Banco Mundial, demonstrou em seu livro “A globalização e seus malefícios” que o neoliberalismo empregado como “pílula mágica” a nações pobres não funciona. E não creio que o Stiglitz seja esquerdizante. Concordo que houve a saída de milhões da pobreza na China, mas não me consta que a China seja um país neoliberal, ou então estou sendo bombardeado constantemente pela mídia com uma mentira sobre a existência de um governo comunista chinês.
Outra crítica aborda as políticas globais do G-8. Se não estou enganado, enquanto forçavam o Brasil e outras nações a abrir seu mercado, desregulamentar o mercado de capitais e outras mudanças. O Brasil não conseguia atingir o mercado americano do aço e da laranja devido as fortes proteções internas (outros produtos ainda estão nessa condição). Na Europa, lutamos contra os fortes subsídios agrícolas. Isso não mostra que estamos diante daquele ditado do “faça o que eu digo, não faça o que faço”?
E, por último, a única real chance da revista em se dar bem: “(Che Guevara)... Nesse caso específico, o autor errou ridiculamente. Não fez história e sim conto. Conto porque empregou a partícula “se”e conjecturou o que poderia ter sido a vida de Che. Nesse momento, a revista poderia ter dito, mas isso não é história, é ficção científica, viagem no tempo com mundos paralelos, mas... “Tolice. Che Guevara poderia ter se...” Será que não perceberam que criticavam cometendo o mesmo erro. Isso é verdadeira falta de competência em até mesmo criticar um erro claro.
Um comentário:
PAULO SÉRGIO,
Sou professora de LP do Colégio de Aplicação da UFSC e doutoranda da Pós-graduação em Lingüística da mesma universidade. Acabo de ler a reportagem da revista VEJA (20/08/08) e estou indignada com a forma tendenciosa e desrespeitosa com que os professores de um modo geral e principalmente os citados na reportagem foram tratados. A forma descontextualizada e debochada com que as aulas observadas foram encaixadas na reportagem para servir aos propósitos reacionários da revista foi extremamente antiética e merece uma resposta. E mais, merece um processo por difamação e danos morais e materiais que certamente causou e vai causar aos professores Paulo e Márcio e às escolas.
A Revista está assumindo a defesa dos interesses dos organismos internacionais ao tomar como parâmetros para dizer o que é um bom ensino apenas as avaliações do tipo PISA que objetivam a padronização do ensino. A opinião dos pais, professores e alunos é desqualificada e a realidade social do país e das condições de formação e de trabalho de grande parte dos professores são colocadas como coadjuvantes quando são questões centrais. Além disso, a revista omite o fato de que há parâmetros curriculares nacionais (sem entrar no mérito do documento) que apontam entre os objetivos principais da educação básica a formação de cidadãos críticos. O que eles estão defendendo é a volta da alienação e do controle sobre o que é ensinado na escola - que nunca foi desprovido de ideologia. Não querem uma escola que ensine a pensar e a criticar, mas uma escola que volte a transmitir conteúdos, a exigir decoreba e a des-humanizar o ensino. Eles é que estão atrasados: o positivismo já teve seu tempo; isso é irreversível.
Não me considero marxista, não sou ativista de esquerda, embora ache, sim, que ao trabalhar com Ciências Humanas e, portanto, com linguagem, nosso trabalho é político (não político-partidário); a linguagem não é, nunca foi nem nunca será neutra, o que não significa que todo professor queira "esquerdizar a cabeça das crianças".
Bem, espero que mais professores e pais se manifestem contra esta campanha reacionária da revista VEJA que, em 3 edições seguidas, trouxe posicionamentos unilaterais sobre educação: entrevista (Páginas amarelas-06/08/08), artigo/ensaio (Stephen Kanitz-13/08/08) e reportagem de capa (20/08/08).
Em tempo: Acho que seu texto deveria ser enviado à editoria da Revista VEJA e a outros meios de comunicação, pois eles não podem continuar trabalhando de modo tão tendencioso e irresponsável.
Nara
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