A política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não conseguiu seus resultados mais ambicionados - a conclusão da Rodada Doha e a cadeira permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU. No entanto, foi bastante eficaz na montagem de novos organismos internacionais e na proliferação de reuniões de cúpula e de chanceleres. Apenas neste ano, Lula correu o mundo para comparecer a dez reuniões de chefes de Estado, sem contar os encontros com líderes da vizinhança sul-americana, como o que manterá hoje, em Manaus, com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, do Equador, Rafael Correa e da Bolívia, Evo Morales. Entre outubro e o final de dezembro, Lula estará presente em mais duas cúpulas e será o anfitrião do encontro semestral dos presidentes do Mercosul e também da Cúpula da América Latina e do Caribe, em Salvador (BA).
A reportagem é de Denise Chrispim Marin e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 30-09-2008.
Desde sua posse, em 2003, novos movimentos foram percebidos na forma de o Itamaraty atuar na esfera multilateral. Na redondeza latino-americana, antigos agrupamentos caíram no ostracismo - especialmente os que davam ampla vazão às posições dos EUA - e foram suplantados por novas instituições. A Organização dos Estados Americanos (OEA), apesar de sua estrutura institucional e de seus 60 anos de história, e o Grupo do Rio, criado em 1986, acabaram ofuscados pelas ações da recém-nascida União Sul-americana de Nações (Unasul).
Em dezembro, Lula tentará lançar as bases de um projeto de integração econômico-comercial e de cooperação em diversas áreas que envolverá toda a região. Em princípio, há chance de esse projeto consolidar-se como alternativa à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), cuja negociação foi enterrada pelo Brasil, Argentina e Venezuela, em 2005. Mas, conforme o receituário vigente no Itamaraty, sem as indesejadas pressões e os modelos dos EUA.
Para o professor Gilberto Dupas, do Grupo de Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo (USP), o ativismo do Brasil na criação de novos organismos regionais e a maior exposição de Lula a viagens pela vizinhança também são respostas à demanda da região por uma posição mais hegemônica do País. “O Brasil está no segundo time de países do mundo e, como tal, é chamado a opinar e a construir uma rede de influência e de poder”, disse Dupas. “Tenho dúvidas de que, com outro governo, essa situação seria diferente.”
O embaixador Marcos de Azambuja avalia que há um “empilhamento de instâncias negociadoras” multilaterais. Uma vez criado, avisa ele, um organismo nunca morrerá, sob pena de ser necessário um esforço grande demais para ser ressuscitado no futuro. A Cúpula Ibero-americana já teria sido rifada pelo chanceler Celso Amorim, que não vê objetivo pragmático nesse organismo. Mas encarar a Espanha, o maior promotor dessa instituição e um dos principais investidores no Brasil, para colocar uma lápide na cúpula não seria conveniente. O embaixador adverte que, ao Brasil, interessa o “terreno onde é cachorro grande”. Daí a parcimônia na criação de foros com economias mais avantajadas. Mesmo fora dos limites regionais, uma série de organismos nasceu por influência de Brasília e sob a égide da defesa de interesses comuns de economias em desenvolvimento.
O G-20, criado em 2003 como frente de países importadores e exportadores de alimentos nas negociações agrícolas da Organização Mundial do Comércio (OMC), foi a maior expressão dessa política. Vetou a redução das ambições da Rodada Doha e apresentou-se como força coesa diante dos EUA e da União Européia. Mas, em julho, ruiu diante de um impasse interno sobre o grau de proteção agrícola promovido pela Índia, Indonésia e seus aliados. A Rodada naufragou junto.
Na sua ânsia de influir nos foros de poder mundial, o Itamaraty aproveitou-se de organismos já existentes para amarrar novos agrupamentos. Do G-5 - grupo formado pela África do Sul, Brasil, China, Índia e México que tem sido convidado nos últimos anos para um “diálogo” nas reuniões do G-8, as sete economias mais ricas e a Rússia - nasceram o Fórum Ibas (Brasil, Índia e África do Sul) e a cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O primeiro é empurrado com força pela diplomacia brasileira. Em julho passado, o encontro dos Brics, no Japão, não foi além de uma foto dos cinco líderes. “Os Brics formam um mecanismo fantasioso, sem sentido. Reúne cinco países que não têm nada em comum, além dos resíduos do terceiro mundo”, avalia Dupas.
Essas novas instâncias de negociação e de influência tendem a ser tão diferenciadas quanto os interesses de seus participantes. Dupas alerta que nada impede que o Brasil seja sócio de um país em um novo organismo e, em outro, seja inimigo dessa mesma nação. Para a diplomacia brasileira, entretanto, esse ativismo traz o risco da dispersão e impõe a necessidade de escolhas.
Diante de um Mercosul que está em xeque, exemplifica Dupas, a Unasul apresenta-se como uma tentativa de ampliação das fronteiras para a discussão sobre política, segurança e infra-estrutura. O bloco regional já desperta mais atenção mundo afora que o indefinido Mercosul.
AS CÚPULAS DO PRESIDENTE
NAS AMÉRICAS
Mercosul: Projeto de mercado comum do Cone Sul, iniciado 1991, do qual participam Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Venezuela está em processo de adesão e Chile, Colômbia, Equador e Peru participam como associados
Unasul (União das Nações Sul-Americanas): Projeto de integração nas áreas política, de
infra-estrutura e segurança. Fazem parte os 12 países da América do Sul; este ano discutiram o conflito político na Bolívia
OEA: Criada em 1948, a Organização dos Estados Americanos tem como objetivo promover paz e democracia no continente. Cuba está fora desde os anos 60. Sua atuação na solução de conflitos vem sendo substituída por organismos regionais
Grupo do Rio: Mecanismo latino-americano de consulta política criado para ser uma alternativa à OEA. Ajudou na solução da guerra Peru-Equador e no conflito Equador-Colômbia, mas caiu no ostracismo
Cúpula da América Latina e do Caribe: Projeto de integração latino-americana a partir dos blocos já existentes, desvinculado da interferência dos Estados Unidos. Em princípio, está aberta a todos os 33 países da região
Cúpula das Américas: Criada em 1994 para recompor as relações entre os países democráticos do Hemisfério Ocidental e para estimular a integração comercial. A Cúpula das Américas tem forte influência dos Estados Unidos. Cuba é o único país excluído.
NO MUNDO
Ibas (Diálogo Índia-Brasil-Áfrca do Sul): Foro de negociação das três economias em desenvolvimento sobre temas da agenda internacional. Criado em 2003, ainda se mostra vago
Brics: Mecanismo de cooperação sobre temas internacionais formado por Brasil, Rússia, Índia e China, países considerados potências econômicas do futuro
G-5: Grupo formado por Brasil, Índia, China, África do Sul e México, países que têm sido convidados nos últimos anos para as reuniões de cúpula do G-8. Na prática, as posições do grupo são desconsideradas pelo G-8
G-20: Vinte exportadores e importadores de alimentos do mundo em desenvolvimento que negociam em conjunto a questão agrícola na Organização Mundial do Comércio (OMC). Falta de consenso enfraqueceu o grupo
Fórum Econômico Mundial: Espaço anual de discussão de temas da economia global para o qual são convidados líderes empresariais e chefes de Estado das 25 maiores economias do mundo
CPLP (Cúpula de Países de Língua Portuguesa): Criada em 1996 para promover a cooperação entre os Países de Língua Portuguesa (Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, Timor Leste e São Tomé e Príncipe). Tem mais prestígio político do que função prática
Cooperação América Latina, Caribe e União Européia: Mecanismo para o fortalecimento das relações da União Européia nos campos político, econômico, cultural e educacional com os países que foram suas ex-colônias
Focalal (Fórum de Cooperação América Latina-Ásia do Leste): Criado com objetivo de estimular o diálogo político e a cooperação entre os 33 países envolvidos, entre eles China, Malásia, Indonésia, Cingapura e Austrália
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