Para entender a rejeição ao Pacote Paulson/Bernanke é preciso juntar algumas peças.
Historicamente, o mercado se impunha sobre as políticas econômicas nacionais brandindo o chamado terrorismo financeiro-midiático.
Criava-se uma marola, a imprensa repercutia, havia uma agitação no câmbio, medo dos gestores da política econômica e conseguia-se impor as medidas desejadas pelo mercado.
Dos planos econômicos dos anos 80 até o terrorismo em torno da eleição de Lula, essa retórica funcionou eficazmente no Brasil. E continua funcionando, aliás. É o único país do mundo em que, no meio da maior crise financeiro-econômica dos últimos 70 anos, o Banco Central continua analisando o comportamento futuro da demanda, baseado nas séries históricas. O último baile do Titanic é pinto perto desse autismo.
No mundo o jogo não foi diferente. Em toda grande crise de balanço de pagamentos de países, o FMI era acionado para salvar os investimentos especulativos – não os países em si.
Um dos episódios mais vergonhosos da moderna história econômica do país foi o acordo com o FMI fechado por Gustavo Franco e Pedro Malan em fins de 1998. Os dólares que entraram serviram exclusivamente para que os investidores (grande parte, recursos brasileiros no exterior que alimentavam o circuito dos gestores que influenciavam o BC) saíssem sem prejuízos maiores. O país ficou com a dívida, para reduzir os prejuízos dos especuladores e dos gestores de recursos.
Esse modelo começou a ser colocado em xeque nos últimos anos.
O epicentro da crise ocorre com a conjugação dos seguintes fatores:
1. Fim do ciclo de financeirização, enfraquecendo o álibi da crise sistêmica – justamente no momento em que a crise, de fato, tornou-se sistêmica.
2. O mais impopular presidente da República da história moderna dos Estados Unidos.
3. Mudança radical no modelo de disseminação da informação. No meu livro “Os Cabeças de Planilha” há um capítulo especial analisando esse processo de disseminação das análises de bancos: surgem nos departamentos econômicos dos bancos novaiorquinos, depois na grande imprensa internacional. São reproduzidos pelas filiais nos demais países, depois pelos departamentos econômicos dos bancos locais, batem na imprensa nacional e tornam-se verdade acabada. A disseminação dos blogs e de outras formas de comunicação pela Internética rompeu com esse monolitismo a partir do centro difusor: os Estados Unidos.
Dentro desse cenário, o pacote de ajuda aos bancos deveria conter uma dose de legitimidade política muito maior do que em outras épocas. Teria que ficar claro a salvação dos bancos, mas a punição dos especuladores; o fim da esbórnia dos ganhos dos executivos e medidas que amenizassem os problemas dos mutuários.
A primeira versão do pacote era escandalosamente favorável aos bancos. Provavelmente foi de modo intencional, para permitir às lideranças partidárias sugerir as mudanças e se tornarem co-patrocinadoras do pacote. Com as alterações, parecia que o pacote tinha ganhado a legitimidade necessária para ser aprovado.
Onde falhou a estratégia? Não houve tempo hábil para informar a uma opinião pública cada vez mas críticas. Ou o pacote não passou a confiança necessária de que os bancos seriam enquadrados de vez.
Nada impede que até quinta não possa ser negociado um outro pacote ou possa haver mais clareza sobre as intenções e a operacionalização deste pacote.
Só que, quanto mais tempo leva para domar o incêndio financeiro, mais efeitos haverá sobre a economia real.
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