O secretário do Tesouro norte-americano é republicano e liberal, mas agora é acusado por seus colegas de Harvard de ter instaurado um “socialismo de mercado”. Ele diz que faz isso para preservar o sistema, mas, de passagem, põe a salvo suas próprias economias.
A reportagem é de Claudio Pérez, do jornal argentino Página/12, 29-09-2008. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os Estados Unidos já são quase uma velha república, mas os norte-americanos adoram, se entusiasmam com as sagas. Os Kennedy, os Clinton, os Bush dominaram os meios do poder político durante anos. Há um punhado de sobrenomes que praticamente dominaram Washington geração após geração. E depois está Goldman Sachs. Pertencer ao banco de investimento dessas famílias garante o acesso a um gabinete importante, tanto no grupo democrata como no republicano. O último exemplo é, talvez, o mais notável. Henry Paulson, secretário do Tesouro – algo assim como o ministro da Economia – passou mais de três décadas no banco. Saído praticamente do nada, chegou até o topo e juntou uma fortuna, como mandam os cânones do sonho americano. Agora, ele trata de fazer história tentando resgatar os Estados Unidos do pior de seus pesadelos. E já é a grande figura da crise.
Henry Merritt Hank Paulson Jr. , secretário do Tesouro norte-americano (Foto: Página/12) |
Sua carreira no banco abrange 32 anos e deixa no ar um par de paradoxos fundamentais. Capitaneou a saída da companhia da Bolsa e foi um dos arquitetos da nova gestão de risco que imperou nos últimos anos em Wall Street: durante seu mandato, Goldman Sachs ganhou dinheiro assumindo cada vez mais riscos e fechando operações multimilionárias com ingentes quantidades de dívida. Todos os bancos de investimento acabaram imitando-o. Soa familiar? Essa filosofia, levada ao extremo no sistema financeiro internacional, está no germe da crise que acabou dando o timão da economia norte-americana a Paulson.
A segunda contradição é ideológica. Paulson, republicano confesso desde a universidade, é acusado agora por seus correligionários de instaurar pouco menos que um regime de “socialismo de mercado”, com uma intervenção na economia sem precedentes, apesar de sua filiação política. As críticas a ele chovem por toda a parte: do flanco esquerdo, acusam-no de salvar somente os ricos, de pôr em pé uma espécie de Estado de bem-estar para milionários. Defensor do livre mercado – ainda que também da ética nas grandes corporações, que defendeu com afinco depois dos desmandos da Enron e companhia –, Paulson conseguiu ingressar na administração Bush e, durante dois anos, aplicou sua filosofia a uma política de perfil baixo que deu resultados apenas na reforma da Segurança Social ou nos acordos comerciais no seio da Rodada de Doha. Chegada a crise – que no começo foi menosprezada –, foi-se fazendo mais e mais forte, tirando protagonismo do próprio George W. Bush, e demonstrou um pragmatismo sensacional: “Acredito nos mercados, mas não acredito nos mercados não-regulados”, disse, em setembro, como declaração de intenções.
Depois viriam resgates bancários multimilionários, quebras e umas semanas de intenso trabalho, proporcional ao fracasso em Wall Street. Seus defensores louvam sua flexibilidade para se adaptar aos bruscos giros que as turbulências têm dado, mas a crítica defende que sua atuação tem sido sobretudo imprevisível, sem rumo, sem um mapa claro até chegar ao plano de resgate para tirar os ativos tóxicos dos balanços dos bancos. “Dinheiro por lixo”, resumem vários senadores republicanos. Contudo, Paulson é o único que demonstrou poder suficiente para tirar da manga uma possível solução.
Seu caráter enérgico, brusco, tempestuoso e amante do estresse, valeu-lhe o sobrenome de Martelo, ainda que no Capitólio chamem-no ultimamente de Presidente Paulson, pela progressiva mudança do eixo do poder do Salão Oval da Casa Branca até o seu escritório no Tesouro. “Papai Paulson” foi como o influente economista Paul Krugman, que lidera um grupo de especialistas contrários ao plano de intervenção, o batizou com toda a ironia.
A fortuna de Paulson é estimada em cerca de 500 milhões de dólares. Boa parte desse dinheiro está em ações do Goldman Sachs. Seu legado dependerá, sem dúvida, de como administre a crise que tem nas mãos. O futuro de sua conta corrente, pouco mais ou menos, caminha paralelamente.
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