Sexo, drogas e violência, mas também defesa da anorexia, da bulimia ou do suicídio estão ao alcance das crianças num só click. A rede não tem fronteiras de idade e por ela navegam diariamente 75% das crianças espanholas entre 10 e 15 anos, segundo o INE. A internet pode ser uma grande ferramenta para o seu desenvolvimento, mas quando fracassam os filtros infantis – e fracassam – pode converter-se num risco. 30% das crianças que habitualmente usam a rede já deram seu número de telefone a um desconhecido alguma vez, segundo uma pesquisa da associação Protégeles. E cerca de 17% visitou páginas de proanorexia ou probulimia.
Segue na íntegra artigo de María R. Sahuquillo publicado no El País, 18-12-2007. A tradução é do Cepat.
Páginas que explicam técnicas para se suicidar, que fazem apologia do racismo e da xenofobia, web em que se podem ver vídeos de brigas ou inclusive de autópsias. São alguns dos exemplos que se encontram na internet. Os pais, muitas vezes menos habilidosos que seus próprios filhos no uso da rede, se encontram em ocasiões alheios ao uso que estes fazem da internet. Outros decidiram instalar filtros para evitar que seus filhos tenham acesso a conteúdos que, como estes, podem chegar a se converter num perigo para os menores.
“Se tens fome conta até mil, antes de terminar te darás conta de que não vale a pena seguir metendo gordura no corpo. Toma um gole de água para cada mordisco de comida, assim te encherás antes. Prova a comida e cospe-a, repete-o quantas vezes necessitas para acalmar a ansiedade”. Truques (ou tips) como estes são oferecidos numa página web proana, quer dizer, proanorexia, para quando surgir a fome. É o blog de Ana Belén, uma jovem que conta suas experiências e fala da ana, da anorexia, como se fosse uma amiga de quem não pode se livrar.
Não é a única. Páginas como a de Ana Belén inundam a rede e recebem milhões de visitas por dia. Nelas se pode encontrar desde conselhos para não comer e enganar a família, até fóruns em que se animam para continuar na sua “dieta”, ou as chamadas corridas de quilos. Nelas as meninas – 90% das anoréxicas são mulheres – competem para ver quem perde mais peso. “Hoje estou com 65 quilos e meço 1,70, me proponho a ficar com 60 quilos dentro de uma semana. Alguém quer competir comigo?”, diz uma das participantes numa corrida.
17% dos menores que utilizam habitualmente a internet visitam páginas proanorexia ou probulimia. 17,5% deles (26,2% de meninas e 15% de meninos) acessam essas páginas para perder peso, segundo dados de uma pesquisa realizada com menores entre oito e 17 anos da Protégeles, uma associação que trabalha pela segurança de menores no mundo das novas tecnologias e que será publicada proximamente. Estas páginas estão se convertendo, segundo as conclusões desta associação, nos conteúdos nocivos mais visitados pelas meninas. As autoridades fecham diariamente muitas delas. Entretanto, os especialistas asseguram que por cada página que desaparece são criadas outras cinco.
“É um processo que não tem fim. A internet vai mais rápido que a sociedade”, garante María del Carmen González, coordenadora da Adaner, a Associação em Defesa da Atenção à Anorexia Nervosa e Bulimia. “Mas não só a existência destas páginas é preocupante. Basta buscar na internet as palavras anorexia ou bulimia e aparecem milhares de páginas para emagrecer. Isto, em contato com os menores nos preocupa muitíssimo”, continua González. Protégeles, que há anos luta contra estas páginas, criou agora uma web para ajudar jovens que sofrem destas doenças. Em stop-obsesion.com abriram uma linha de ajuda on-line para atendê-los.
“Quantas horas ficam sem comer? Bravo!!”. As páginas proana e promia apresentam a doença como uma filosofia de vida. Garantem que só buscam a perfeição e na rede formam uma comunidade em que os doentes se sentem protegidos. “Num problema gravíssimo. Na associação nos encontramos com muitas pessoas que confessaram ter usado estas páginas”, garante González. “As autoras destas páginas costumam ser crianças muito manipuladoras que captam a atenção de outras. Não só das que já tem estes transtornos. Também de outras que se vêem arrastadas pela doença. Ali trocam conselhos, as mais experientes ensinam as que estão começando”, explica a psicóloga Covadonga Batres. Em muitas delas aparece a que chamam de “pirâmide de Ana”, uma variante da pirâmide alimentar em que está, em primeiro lugar, a água e em último, alimentos pouco calóricos como a alface. O que dá a idéia da alimentação diária recomendada das usuárias deste tipo de páginas.
A Brigada de Delitos Telemáticos da Guarda Civil criou um grupo especial que, a partir de janeiro se dedicará a trabalhar no controle de conteúdos nocivos para os menores. Páginas como as proana e promia que, apesar de não serem ilegais, podem influir de maneira negativa no desenvolvimento da criança. “Webs de autolesões, outras em que aparecem imagens de mutilações, linchamentos, autópsias, páginas de incitação ao suicídio. Tudo está na internet”, disse Enrique Rodríguez, inspetor-chefe da Brigada. “A visão destas páginas pode chegar a ser inclusive mais prejudicial do que a pornografia”, garante Guillermo Cánovas. Sua associação recebe diariamente denúncias de pais, professores e inclusive jovens que alertam para a existência destas webs.
O maior perigo que crianças e adolescentes enfrentam na internet são, para Rodríguez, que já trabalha há anos no mundo das novas tecnologias, os desconhecidos que lhes pedem seus dados. 30% dos menores que habitualmente usam a internet já deram seu telefone a um desconhecido alguma vez, segundo a pesquisa da Prótegeles com 4.000 menores. 16% dos pesquisados garantem que também já deram seu endereço e o que é mais grave, 14,5% dos menores que participaram da pesquisa combinaram alguma conversa com algum desconhecido através da rede. “As crianças dão os seus dados a alguém que muitas vezes diz ser outra criança, mas que na realidade é um adulto que oculta sua identidade”, explica Rodríguez, que garante que receberam denúncias de pais que souberam que seus filhos combinaram uma conversa às cegas com alguma destas supostas crianças e encontraram uma “desagradável surpresa”.
Para tratar de evitar situações como essas, a Agência Espanhola de Proteção de Dados e a
Comissão de Liberdades e Informática assinaram ontem [17 de dezembro de 2007] um acordo para impulsionar a educação e a conscientização entre menores e adolescentes sobre o valor de seus dados pessoais. Estas duas instituições começarão no ano que vem [2008] uma campanha de divulgação dos perigos que traz revelar os dados a desconhecidos pela internet ou pelo telefone celular, e sensibilizar os jovens do valor dessa informação.
O caso de pessoas que se fazem passar por outras para conseguir algo dos menores não é tão raro. Muitas vezes é a essência do grooming, o acosso sexual a menores na rede. Assim, muitos adultos conseguem imagens pornográficas de crianças e adolescentes com as que logo chantageiam para continuar a tê-las sob sua influência. “40% dos menores usuários habituais da rede se viram alguma vez acossados”, garante Cánovas.
Mas não se pode demonizar a internet. Apesar dos riscos, a rede se revelou um excelente sistema de comunicação. E cada vez mais menores a utilizam. “A internet não é nem boa nem má; é uma ferramenta. Depende do uso que fazemos dela. Há muitos casos em que é boa. Há crianças que têm problemas para se relacionarem e se servem da rede para fazer contato com outras crianças e mostrar-se como realmente são”, garante Cánovas. “Os sistemas de comunicação como o messenger ou o chat, se são bem utilizados podem ser positivos. Entretanto, levados ao excesso e sem nenhum controle geram situações que podem desembocar inclusive numa dependência da internet”, sustenta Covadonga Batres.
Na associação Projeto Homem trataram nos últimos quatro anos dez pessoas que sofriam de algum tipo de dependência da internet. Entre eles estavam vários menores. “São pessoas que têm uma atitude compulsiva em relação à internet. Conectam-se várias vezes por dia e se não o podem fazer são acometidos por uma espécie de síndrome de abstinência e podem mostrar-se irascíveis”, explica Luis Bononato, diretor do Projeto Homem Jerez, uma das sedes que mais doentes deste tipo tratou. Bononato garante que cada vez mais crianças e jovens sofrem deste problema, mas que seus pais não o identificam. “Além disso, muitos não se preocupam com os conteúdos que seus filhos visitam na internet e com o tempo que estão conectados”, disse.
Os pais, às vezes alheios ao que seus filhos fazem na internet, podem controlar o uso que estes fazem da rede. Existem mecanismos como instalar o computador nas áreas comuns da casa, ou estar presente quando as crianças navegam pela internet. Em 83% dos lares em que alguma das crianças (de 10 a 15 anos) se conecta à internet seus pais controlam seu acesso a determinadas páginas ou conteúdos, segundo uma pesquisa do INE. Esta pesquisa revela que 86,3% dos lares utilizam como principal meio de controle acompanhar o menor enquanto acessa a rede. Só 44% dos lares tem instalado algum sistema de filtro específico que restringe por si mesmo o acesso a certos conteúdos, programados pelo adulto, e que permite configurar certos horários para a navegação.
Entretanto, da Protégeles se alerta para o fato de que nem todos os filtros são efetivos. Mais, segundo esta associação, a maioria dos filtros oferecidos gratuitamente não o é. “Os filtros gratuitos só têm uma efetividade de 40%. O que acontece com os 60% restantes? Os filtros bons custam entre 30 e 50 euros ao ano”, assegura o presidente da Protégeles. Esta associação solicita que o Governo financie estes programas para promover que cada vez mais pais os instalem.
Filtros como o do McAfee Privacy Service, NetNanny, Norton Internet Security, Optenet PCFilter, Panda Platinum ou Trend Micro, são recomendados pela Protégeles e pela associação francesa Action Inocence, que fizeram um estudo sobre os melhores filtros do mercado. Também muitos provedores de internet criaram seu próprio sistema de filtro.
José Luis tem quatro filhos. Há um ano, quando sua filha maior completou 11 anos e começou a utilizar a internet, decidiu instalar em seu computador o Canguro Net, o filtro que a Telefónica oferece como um extra para seus clientes. “Pode ser configurado como se quer. Eu o tenho bastante limitado porque meus filhos são muito pequenos. Assim fico muito mais tranqüilo quando minha filha está navegando sozinha”, explica. Assim, a menina não pode entrar nas páginas que seu pai restringiu: páginas de violência, sexo, anorexia, drogas... “Mesmo assim me interesso sobre as páginas em que entra”, disse, “é bom perguntar-lhes como se pergunta às crianças por outro tipo de atividades de lazer”.
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