Os Estados Unidos compraram suspeitos de terrorismo no Afeganistão e no Paquistão, segundo a ONG britânica Reprieve. Os detidos foram transladados a Guantánamo em vôos fretados pela CIA via Portugal. A reportagem é de Miguel Mora e Ana Carbajosa e foi publicada no El País, 01-02-2008. A tradução é do Cepat.
"Morro aqui diariamente, mental e fisicamente. Isso acontece com todos. Fomos esquecidos, trancafiados no meio do oceano durante anos", disse Shaker Aamer, que morou durante muito tempo no Reino Unido, e que está preso em Guantánamo desde fevereiro de 2002. Segundo a ONG de advogados britânicos Reprieve, que representa 33 presos de Guantánamo, Aamer foi seqüestrado no Paquistão e vendido às forças dos Estados Unidos por cinco mil dólares, antes de voar, no dia 13 de fevereiro de 2002, do Incirlik (Turquia) até a ilha de Cuba via Portugal num avião da CIA.
"Enquanto nos levavam andando de cócoras de um avião a outro, um dos guardas me bateu nos grilletes [de três peças, nos pés, mãos e cadeira] e os ferros das pernas se cravaram profundamente em meus tornozelos", relata outro preso, Said Farhi.
O documento da ONG de advogados, publicado esta semana, deu nome e sobrenome a 728 dos 744 suspeitos de terrorismo que foram transportados pelos Estados Unidos para Guantánamo. Todos eles passaram por "jurisdição portuguesa", ou seja, ou pisaram solo nacional (nove o fizeram, todos nos Açores) ou cruzaram o espaço aéreo, segundo as pesquisas da Reprieve. Para chegar a esta conclusão cruzaram as listas de vôos da Aviação Civil lusa, os testemunhos de alguns de seus clientes e documentos desclassificados pelos Estados Unidos dos quais se deduz o dia em que cada um dos réus, com um número de matrícula, desembarcou na base de Guantánamo.
Concluem que Portugal - e também a Espanha - teriam tido um papel muito mais relevante nos vôos da CIA do que os seus Governos reconheceram.
Essas 48 viagens para "a ilha da morte", como a chama um dos presos entrevistados pela Reprieve, começaram no dia 11 de janeiro de 2002 - com um vôo procedente de Morón da Fronteira - e se mantiveram ao longo de três Governos até março de 2006.
A eurodeputada socialista portuguesa Ana Gomes foi atacada e vilipendiada, inclusive por membros de seu próprio partido e do Governo, quando exigiu ao seu país, há meses, que prestasse informações sobre os vôos da CIA. Ontem, Gomes mostrava sua satisfação pelas descobertas dos advogados britânicos, mas disse não estar surpresa porque foi ela mesma a que obteve - por canais ilegais - os registros dos vôos militares, depois que o Governo os negara.
O Executivo qualifica as acusações da Reprieve como "uma interpretação leviana de dados já conhecidos". Manfred Nowak, comissionado da ONU para casos de tortura acredita que seria exagerado pensar que Portugal "ajudou" a CIA, mas admite que, em 2005 e 2006, todo o mundo suspeitava de operações da agência: "Nos casos em que não se agiu para impedir a passagem dos vôos por seu espaço aéreo ou aterrissar em seu território, há uma violação ativa dos direitos humanos".
Um histórico de revelações
Março de 2005 - O Diario de Mallorca informa sobre a utilização do aeroporto de Palma para vôos da CIA. Maio de 2005 - O The New York Times detalha o uso de vôos privados pela CIA. Dezembro de 2005 - A secretaria de Estado Condoleezza Rice defende diante dos ministros europeus o programa de detenções. Junho de 2006 - O Conselho da Europa acusa a Polônia e a Romênia de abrigar cárceres secretos. Setembro de 2006 - Bush admite a existência de cárceres secretos. A Itália abre o primeiro processo contra a CIA na Europa. Novembro de 2006 - O Parlamento Europeu conta 1.245 vôos da CIA.
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