“Hitler não era inevitável, mas a queda da República de Weimar sim. O nacional-socialismo não voltará. Com as crises atuais, no entanto, as democracias européias estao expostas ao risco do populismo”. O diagnóstico é do professor Michael Stürmer, ex-assessor de Helmuth Kohl, ex-primeiro ministro da Alemanha, e um dos maiores historiadores alemães na atualidade. Quando fazem 75 anos da chegada ao poder de Hitler, o jornal italiano La Repubblica, 25-01-2008, o entrevistou.
Eis a entrevista.
Professor Stürmer, ao contrário do terror bolchevique, o nacional-socialismo venceu num país civil e evoluído. Era, verdadeiramente, impossível de evitá-lo?
Olhemos para o horizonte histórico de então. Nos anos da crise de 1929, Hitler era evitável, mas a queda da república de Weimar, não. De fato, ela se transformou num sistema de ditadura presidencial. Que poderia ter sobrevivido.
Por que não foi assim?
Entre 1932 e 1933, todos os grandes jornais burgueses, centristas, comentavam com otimismo: Hitler e o seu movimento acabaram. Hitler estava a um passo do suicídio. Göbbels, nos seus diários, narrou o desespero do chefe. Depois aconteceu a mudança de rumo. Venceram as eleições e valeu, naquele momento, a palavra do próprio Göbbels: “daqui ninguém mais nos tirará vivos”.
Mas onde estavam, na Alemanha civil, as raízes do nacional-socialismo?
Muitos fatores foram necessários mas não suficientes. Primeiro, o trauma da modernização e, portanto, da industrialização e da urbanização acelerada. Um processo com muitos vencedores, mas também com muitos perdedores. Os limites, os confins e as raízes foram diluídas e se tornaram imperceptíveis. A Alemanha de 1914 era muito diferente da Alemanha de Bismarck. Ela foi criativa em todos os campos, também, depois, no período de Weimar: na arte, na arquitetura, no novo mundo da alma com Freud, nas ciências sociais com Max Weber, nas ciências com Einstein e Max Planck, na técnica. Mas também foi inovadora na Kriegsfürung, isto é, na arte de fazer a guerra.
Em que sentido?
Começou a pensar a guerra em nível industrial, uma dimensão inimaginável antes. Uma condução da guerra sem regras. Caiu, portanto, uma outra fronteira. Num momento histórico em que os Lênin, os Hitler, os Mussolini já estavam presentes, mas ainda encadeados em estruturas do passado, a primeira guerra mundial foi uma revolução. O Estado tornou-se um tirano coletivo, expropriou, eliminou elites inteiras, destruiu os setores médios e pequenas empresas, se comportou com um cinismo nunca visto. Aquilo que os americanos hoje denominam de “post-bellum trauma” para os que sobreviveram da guerra do Vietnã ou do Iraque, atingiu a nação inteira.
Uma revolução não identificada como tal?
Sim. Depois veio o tratado de paz, que foi um ato de colocar a Alemanha brutalmente de joelhos e uma espoliação da economia alemã, com a premissa de que a Alemanha foi a única culpada pela guerra. As reparações de guerra fizeram com que a inflação voasse e arruinasse milhões de pessoas. A inflação galopante destruiu não somente as poupanças mas também a idéia de justiça, responsabilidade, rigor financeiro. E a imagem da democracia.
Depois veio a crise de 1929. A ditadura foi então inevitável?
Em 1929, a Alemanha, devendo ainda reparações de guerra, não teve força para se desvincular do ouro e desvalorizar a sua moeda, diferentemente do que fizeram os EUA e a Inglaterra. Então cresceu um pequeno partido marginal. Ninguém entendeu o quão profundo era o desespero das pessoas. O medo do desastre social unia a burguesia e os trabalhadores, havia o medo do bolchevismo, também no Partido Social Democrata – SPD – e chegou Hitler: prometeu tudo e o contrário de tudo. Ele era a ambivalência em pessoa. 6 milhões de pessoas desempregadas, sem a proteção social de hoje, mais os filhos dos camponeses: quase um terço da força de trabalho. A burguesia e as suas expressões políticas – é preciso reler Fest – eram sempre mais fracas, e Hitler cada vez tinha menos adversários. Hindeburg era um velho ignorante, não entendera o perigo.
Ele não entendera o perigo?
O segredo do sucesso de Hitler foi o fato de ele ser subestimado por todos, ou quase. Os socialdemocratas disseram; “vencemos Bismarck, venceremos também este austríaco intrometido”. O exército, a Igreja, os governos britânico, francês, americano o subestimaram. Mesmo os judeus o subestimaram. Um ano depois das leis raciais de Nuremberg, todos foram para as Olimpíadas de Berlim com máscaras de carnaval. Não tinham lido Mein Kampf (livro de Hitler) onde os programas estavam claros.
Como explicar que todos o subestimavam?
Hitler falava como um proletário, não parecia um político de sucesso. Não compreenderam que precisamente o homem que vem do nada estava desvinculado de tudo, e pode revolucionar o mundo. O total nihilismo da sua vontade de poder não levado a sério. Não se perguntou, então, se o Mal existe. E mais: quanto era ainda civilizada aquela Alemanha de então depois da erosão dos valores iniciada no Front de 1914? Hitler seduziu os jovens. Ele tinha 44 anos, foi e até hoje ainda, ele é o mais jovem de todos os primeiros-ministros alemães. A maioria dos jovens estava com ele; como o arquiteto Albert Speer, e nas SS, Heydrich. Os jovens subalternos que tinham trabalhado com Hitler metiam medo nos seus superiores mais velhos: nas forças armadas – narra Enzensberger na sua biografia de von Hammerstein – e em todos os setores.
Por que as vozes contrárias a ele foram tão débeis e raras?
Bem cedo tornou-se perigoso falar mal dele. A Gestapo foi criada rapidamente. O terror era também pessoal. Os campos de concentração foram abertos e tornados públicos. As leis sucessivas ao incêndio do Reichstag terminaram com o Estado burguês de direito. E deu-se um misto de terror e sedução: o medo da polícia, e depois da polícia secreta, era real no cotidiano. E o regime seduzia com a imagem da ordem, criando postos de trabalho, especialmente para o rearmamento. Foi um totalitarismo mas não integral. Conviveram, narrou Sebastian Haffner, duas vidas, dois Estados: a vida normal, o cinema, o jazz, divórcios e direito civil nas mãos dos magistrados ordinários. E o Estado nas mãos dos SS: arbítrio, tortura, ameaça de morte. Tudo isso sem liberdade de imprensa, com informações difundidas somente por Göbbels.
Muito consenso, pouca oposição?
A oposição era muito fraca e sobretudo dividida. Os jovens não estavam com a oposição. 1933 foi uma revolução juvenil. Os velhos defenderam mal uma república já em queda. Tudo isso, insisto, num país onde, nos primeiros anos, o Terror coexistia com cinema, cabarés, festas. Vida normal, muito diferente da vida na Moscou de Stálin. Parecia que o Terror golpeasse somente os outros. Sedução e violência juntas, um totalitarismo que vendia ilusões, foram a sua receita. Até a guerra.
A guerra era evitável?
Hitler era um astuto jogador de azar. Pensava numa expansão, no início, mas não pensava em dominar a Europa inteira. Não por acaso armou a Luftwaffe mas sem pensar em bombardeiros de longo alcance. Depois subavaliou os russos e o impacto da ajuda militar americana e inglesa a uma URSS enorme. Subavaliou o gélido inverno e a decidida vontade de combate da URSS. Este foi o erro fatal de Hitler.
Hoje, há novamente a ameaça do perigo de demagogos e populistas?
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