Por Salvador Nogueira, especial para o Yahoo! Brasil
Se alguém tivesse de adivinhar qual tipo de artefato espacial a humanidade mais lançou à órbita terrestre nas últimas cinco décadas, provavelmente erraria. Nada de satélites artificiais, espaçonaves tripuladas ou sondas interplanetárias. A resposta certa é: lixo.
Sim, lixo. A cada lançamento de foguete que se faz, produz-se grande quantidade de detritos que acabam indo parar no espaço ao redor da Terra. Por que isso acontece? Tem a ver com as tecnologias empregadas nos veículos lançadores. Por exemplo, a imensa maioria dos foguetes capazes de colocar satélites em órbita possui vários estágios. Eles seriam como "andares" do veículo, que são descartados conforme seu combustível se esgota. Assim, o foguete não precisa levar todo o peso durante a subida, descartando alguns pedaços assim que se tornam inúteis.
Ocorre que, além do satélite ou outro artefato (o termo genérico usado é "carga útil") que vai na ponta do foguete, o último dos estágios também acaba entrando em órbita. E fica lá, às vezes por anos, outras por décadas, girando ao redor do nosso planeta. Isso sem falar em pequenos parafusos e lascas de tinta que se desprendem durante a separação dos estágios e tornam-se também pequeninos satélites.
No fim das contas, são mais de 9.000 objetos feitos pelo homem (coisas que vão desde satélites operacionais a ferramentas soltas no espaço por astronautas) que precisam ser monitorados constantemente. Se somarmos a eles os detritos como lascas e parafusos (com tamanho superior a um centímetro), o número passa a cerca de 110 mil.
Mas acalme-se, esses dispositivos - ou parte deles - não vão cair na sua cabeça. Caso se desprendam da órbita, eles não causariam dano algum a quem vive na Terra, já que quando esses detritos entram na atmosfera, eles queimam e quase nunca sobra algum pedaço para contar a história. Um objeto grande demais pode, em tese, causar danos. Mas as reentradas de satélites maiores também são monitoradas, para se certificar de que cairão no mar - que é o que normalmente acontece.
São números de assustar. Para cada satélite lançado pelos americanos, são produzidos, em média, quatro detritos espaciais. A média russa é a metade disso (dois detritos por satélite lançado), mas ainda assim é grande. Até porque essas coisas acabam indo para o espaço para ficar.
"O espaço é o ambiente mais frágil que existe, porque tem a menor capacidade de se reparar. Apenas a atmosfera da Terra pode remover satélites de órbita", afirmou Joel Primack, astrônomo da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, nos Estados Unidos, durante uma palestra. Isso acontece porque a resistência das moléculas residuais de ar nas órbitas mais baixas faz com que os objetos voem cada vez mais baixo, até entrarem de vez na atmosfera, quando eles queimam para valer. "Detritos em órbitas mais altas do que 800 quilômetros da superfície estarão lá por décadas; mais do que mil quilômetros, por séculos; e acima de 1.500 quilômetros, praticamente para sempre.", disse.
Lixo perigoso
Até aí, você pode pensar: é bastante lixo, mas o espaço é bem, digamos, espaçoso. Ninguém vai se incomodar. Mas não é assim. Tudo bem que há muito lugar vazio, mesmo nas órbitas mais próximas da Terra (as mais poluídas), mas o problema é que esses detritos espaciais viajam em grandes velocidades, pois foram impulsionados pelos foguetes que os levaram até lá em cima.
Viajando a 28 mil quilômetros por hora (o padrão para qualquer coisa que esteja numa órbita terrestre baixa, como os ônibus espaciais e a Estação Espacial Internacional), até mesmo uma lasquinha de tinta pode ser fatal. Caso um desses detritos colidisse com uma nave tripulada, por exemplo, poderia surgir um buraco no casco, causando a despressurização do veículo.
Por isso, todas as potências espaciais que fazem lançamentos de astronautas (basicamente americanos, russos e chineses) mantêm um monitoramento constante dos detritos espaciais, para saber de onde estão vindo para onde eles estão indo. Caso um esteja em rota de colisão, a única saída é sair da frente do lixo.
Isso já aconteceu em situações até pitorescas. Em um episódio recente, um astronauta que trabalhava no exterior da Estação Espacial Internacional deixou escapar uma das ferramentas que estava usando. Conforme ela se afastava, flutuando pelo vazio do espaço, o controle da missão decidiu disparar um foguete e "empurrar" a estação mais para cima. Automaticamente ela passa a orbitar numa órbita maior e mais alta. O medo era que a ferramenta perdida desse a volta na Terra e acertasse a estação dali a 90 minutos.
Manobras como essa são mais corriqueiras do que se pensa. Um procedimento de segurança adotado, por exemplo, em todos os voos do ônibus espacial é o seguinte: uma vez que a nave esteja em órbita, ela voa com o "rabo" voltado para a frente. O esforço é para que os astronautas, na porção frontal do veículo, corram menos riscos, caso a espaçonave encontre pela frente algum detrito.
Risco aumentado
Em 1957, quando os soviéticos lançaram o primeiro satélite artificial da Terra, ninguém pensava nessas coisas. Agora, o difícil é não pensar. Bobeou, deu problema.
Pelo menos foi o que aconteceu no dia 10 de fevereiro do ano passado, quando a empresa de telecomunicações americana Iridium perdeu, de repente, o contato com um de seus satélites. Quando foram ver o que tinha acontecido, descobriram que ele havia sido destruído por uma colisão com um antigo satélite militar soviético, há muito tempo desativado. Além do prejuízo, o episódio produziu adivinha o quê? Mais lixo espacial. Em vez de dois satélites, agora havia mais de 60 pedaços grandes de metal (além de incontáveis pedaços pequenos) em órbita da Terra, resultado da colisão.
É bem verdade que foi a primeira vez que se registrou uma colisão entre dois satélites, o que mostra que episódios como esse costumam ser bem raros. Em compensação, com o aumento constante de detritos em órbita, a tendência é que eles se tornem cada vez mais frequentes.
Se não tomarmos muito cuidado, eles podem resultar numa reação em cadeia que transformará detritos maiores (e mais "monitoráveis") em detritos menores e mais numerosos, efetivamente envolvendo nosso planeta num invólucro de lixo e tornando ainda mais complicada a já complexa missão de enviar alguma coisa ao espaço.
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