Fragmento principal da máquina de Anticítera. Tratava-se de um mecanismo de bronze composto por pelo menos 30 engrenagens de encaixe fino dispostas num arranjo de grande precisão. O dispositivo ficava guardado em um pequeno estojo de madeira (com 31 cm x 20 cm x 10 cm) com inscrições astronômicas.
A nova análise de um calendário astronômico mecânico construído há mais de 2 mil anos mostra que o desenvolvimento tecnológico da Grécia antiga era muito mais avançado do que se imaginava. Cientistas recorreram à tomografia de raios-X de alta resolução para examinar o dispositivo, conhecido como máquina de Anticítera, e descobriram que seu funcionamento era de uma complexidade insuspeita.
Já se sabia que as mais de 30 engrenagens da máquina de Anticítera permitiam calcular a posição do Sol e da Lua no céu, mas a nova análise dos fragmentos remanescentes revelou que o dispositivo tinha precisão notável e funções bem mais complexas. Ao que tudo indica, ele era capaz de prever eclipses e até reconstituir as irregularidades da órbita elíptica da Lua. É possível que o instrumento apontasse também a posição de alguns dos planetas do Sistema Solar conhecidos à época.
“A máquina de Anticítera é tecnicamente mais complexa do que qualquer outro dispositivo conhecido produzido nos mil anos que se seguiram”, afirma o artigo que relata a nova análise, publicado na Nature desta semana. Entre os autores, estão físicos, arqueólogos, cientistas da computação e outros especialistas ligados a instituições como a Universidade de Cardiff (País de Gales), as Universidades de Atenas e Tessalônica, na Grécia, o Museu Nacional Arqueológico de Atenas e as empresas norte-americanas Hewlett-Packard e X-Tek Systems.
O dispositivo foi descoberto em 1901, quando uma expedição de mergulho arqueológico descobriu uma embarcação romana que naufragou por volta do ano 65 a.C. nas imediações da ilha grega de Anticítera, a meio caminho entre a península do Peloponeso e a ilha de Creta. O objeto tem sido estudado, sobretudo desde o final dos anos 1950, por historiadores da ciência curiosos para entender suas funções.
A reconstituição
Raio-X da máquina de Anticítera tirado em 2005 no Museu Nacional Arqueológico de Atenas, onde estão os fragmentos remanescentes do mecanismo.
As novas tecnologias permitiram aos pesquisadores decifrar novas inscrições feitas no estojo que guardava o artefato e datar o mecanismo com mais precisão: ao que tudo indica, ele foi construído entre os anos 150 a.C. e 100 a.C. – pouco antes do que se acreditava anteriormente.
A reconstituição feita pela equipe sugere que as engrenagens da máquina constituíam uma representação mecânica de uma teoria formulada por Hiparco de Rodes, no século 2 a.C., para explicar as irregularidades da órbita elíptica da Lua. Os autores especulam que o próprio Hiparco pode ter se envolvido com a elaboração do mecanismo, já que o navio em que seus fragmentos foram achados vinha provavelmente de Rodes. A proposta dos pesquisadores requer 37 engrenagens, sete das quais são hipotéticas. "Como as evidências materiais são fragmentárias, esse trabalho de adivinhação é inevitável”, justifica o historiador da ciência Francois Charette, da Universidade Ludwig-Maximilians, em Munique (Alemanha), que comentou o artigo para a Nature . “Mas o novo modelo é altamente sedutor e convincente em todos os detalhes.
" Como séculos se passaram até que um dispositivo de complexidade similar fosse novamente desenvolvido, Charette acredita que muito do desenvolvimento tecnológico da civilização greco-romana não foi passado adiante e simplesmente se perdeu. "A máquina de Anticítera é um lembrete útil de que a história raramente segue caminhos simples e lineares.”
Bernardo Esteves Ciência Hoje On-line 29/11/2006
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