“Dois Méxicos”. Artigo de Pedro Carrano
"Existem dois Méxicos hoje: o de cima e o de baixo, para usar uma expressão zapatista que está refletida nas palavras da gente comum no dia-a-dia da capital e nos artigos dos jornais, especificamente do La Jornada, o único que segue com credibilidade entre as pessoas conscientes e os movimentos sociais. Pois a mídia, assim como o poder institucional no país, estão bastante desgastados, ainda mais depois da operação de fraude eleitoral em junho deste ano", escreve o jornalista Pedro Carrano que se encontra no México enviado espeical do jornal Brasil de Fato – edição 05 a 12 de dezembro 2006.
"Existem dois Méxicos hoje: o de cima e o de baixo, para usar uma expressão zapatista que está refletida nas palavras da gente comum no dia-a-dia da capital e nos artigos dos jornais, especificamente do La Jornada, o único que segue com credibilidade entre as pessoas conscientes e os movimentos sociais. Pois a mídia, assim como o poder institucional no país, estão bastante desgastados, ainda mais depois da operação de fraude eleitoral em junho deste ano", escreve o jornalista Pedro Carrano que se encontra no México enviado espeical do jornal Brasil de Fato – edição 05 a 12 de dezembro 2006.
Eis o artigo.
Entre o México de cima, assistimos as vaias, a troca de tapas no parlamento entre os deputados do PRD e os do PAN e o cerco policial que marcou a posse do presidente Felipe Calderón (PAN) - ele falou aos deputados por apenas cinco minutos e saiu pela porta dos fundos -, o que apenas confirma a decadência e a falta de legitimidade do poder institucional neste país. Neste ano apenas 35,3 por cento dos eleitores compareceram as urnas para exercer uma democracia que já não encontra lugar. Na capital, milhares (as vezes milhões) de pessoas acodem desde o ano passado as manifestações convocadas por Lopez Obrador (PRD), contra a perseguição promovida pelos dois outros partidos, agora considerados ultra-direitistas: o PRI e o PAN.
Abaixo está, por assim dizer, “la mera gente”. Está o México profundo que se organiza nos estados do sul em assembléias populares e na busca pela autonomia. Estão as pessoas que foram redescobertas pela Outra Campanha, nos rincões do país, que deu atenção para as suas experiências anticapitalistas. Terminado o primeiro recorrido da Outra Campanha, houve um encontro na capital, realizado no dia 02, e o subcomandante Marcos falou de algumas metas da Outra Campanha depois do contato com os corações esquecidos da pátria. E o que fica claro é que para este México de baixo não existe um modelo pronto de luta, tudo esta para ser feito. O “Sub” falou em aprender desde a autogestão dos grupos anarquistas, passando pela luta junto aos eletricistas pela diminuição das tarifas de energia, ate a sabotagem as grandes redes de comércio em apoio aos pequenos comerciantes.
O México de baixo
O México de baixo renova a linguagem da luta social. Troca os jargões desgastados da velha esquerda pela poesia oral dos indígenas. Valoriza a memória e a palavra. Conversar com um indígena é ouvir uma luta de muitos anos como se tivesse acontecido ontem. Conversar com estudantes é fazer um reconto de algunsmomentos históricos como a revolução de 1910, a independência, e, antes de tudo, a luta indígena contra os espanhóis, que segue a mesma base: a luta pelo território. Fico pensando como a memória ira guardar os seis meses das barricadas de Oaxaca. Sim, se trata de algo renovado, se pensamos que o exército zapatista (que desencadeou o processo atual) teve sua gênese nos anos 80, quando os olhos do ocidente estavam voltados para a experiência dos sandinistas, na Nicarágua e da Frente Farabundo Marti, em El Salvador. Mas, ante o recuo da esquerda naqueles paises, o movimento mexicano teve que criar uma outra coisa, a partir de modelos não fixos, respondendo a sociedade, reinventando a luta constantemente, “ser como a água”, já dizia o indígena maia zapatista, Velho Antonio.
A equação do México de baixo realmente é simples e agrega as várias formas de luta: as pessoas simplesmente falam em igualdade. Igualdade para estes rostos morenos e cabelos escuros que não posam nas revistas. A clara divisão no país e os privilégios das elites permitiu uma radicalidade para a qual, como disse um amigo, “não há volta atrás”. Ainda que seja um dado muito subjetivo, vemos que a dignidade indígena presta um papel muito importante na luta, pois foi ela que criou a Outra Campanha, que, contra qualquer analise de conjuntura ou possibilidade de acordos estratégicos, colocou-se contra os partidos, inclusive o PRD. É a dignidade das barricadas de Oaxaca, que se organizavam instantaneamente, puxadas pelas próprias pessoas, pelas mulheres, mesmo quando os dirigentes da APPO apontam um outro caminho.
O México de baixo renova a linguagem da luta social. Troca os jargões desgastados da velha esquerda pela poesia oral dos indígenas. Valoriza a memória e a palavra. Conversar com um indígena é ouvir uma luta de muitos anos como se tivesse acontecido ontem. Conversar com estudantes é fazer um reconto de algunsmomentos históricos como a revolução de 1910, a independência, e, antes de tudo, a luta indígena contra os espanhóis, que segue a mesma base: a luta pelo território. Fico pensando como a memória ira guardar os seis meses das barricadas de Oaxaca. Sim, se trata de algo renovado, se pensamos que o exército zapatista (que desencadeou o processo atual) teve sua gênese nos anos 80, quando os olhos do ocidente estavam voltados para a experiência dos sandinistas, na Nicarágua e da Frente Farabundo Marti, em El Salvador. Mas, ante o recuo da esquerda naqueles paises, o movimento mexicano teve que criar uma outra coisa, a partir de modelos não fixos, respondendo a sociedade, reinventando a luta constantemente, “ser como a água”, já dizia o indígena maia zapatista, Velho Antonio.
A equação do México de baixo realmente é simples e agrega as várias formas de luta: as pessoas simplesmente falam em igualdade. Igualdade para estes rostos morenos e cabelos escuros que não posam nas revistas. A clara divisão no país e os privilégios das elites permitiu uma radicalidade para a qual, como disse um amigo, “não há volta atrás”. Ainda que seja um dado muito subjetivo, vemos que a dignidade indígena presta um papel muito importante na luta, pois foi ela que criou a Outra Campanha, que, contra qualquer analise de conjuntura ou possibilidade de acordos estratégicos, colocou-se contra os partidos, inclusive o PRD. É a dignidade das barricadas de Oaxaca, que se organizavam instantaneamente, puxadas pelas próprias pessoas, pelas mulheres, mesmo quando os dirigentes da APPO apontam um outro caminho.
Tensão
A classe política, ou seja, os de cima, colaboram para o tensionamento da luta de classes no México. Os seis anos de governo Fox apenas demonstraram isso. O aumento da exploração veio seguido do papel que cabe ao estado hoje: o de braço repressor do capital. Fox havia prometido, ainda em 2000, resolver o conflito de Chiapas em “15 minutos”, nas suas palavras, quando na verdade não reconheceu a demanda dos povos negociada nos acordos de San Andres e seguiu promovendo a guerra de baixa intensidade no estado de Chiapas, o mais militarizado do país, onde tanques passam o dia inteiro e fazem pressão psicológica sobre as famílias maias zapatistas.
No final de governo, assistimos ao enfrentamento de questões sociais simplesmente com o envio de tropas. Foi assim em San Salvador Atenco, em maio deste ano, e agora está sendo assim na guerra suja e na repressão contra o movimento da APPO no estado de Oaxaca. Neste momento, Fox passa o governo para Felipe Calderón - que certamente vai aprofundar a sua política - com um legado de mais de 600 presos políticos de consciência e desfilando no ranking de segundo pais mais perigoso no mundo para a atividade jornalística. O primeiro seria o Iraque.
As coisas estão conectadas e a repressão tem o seu contexto econômico. Os preços estão altos no país e o partido de Fox e de Calderón tem um projeto para taxar um imposto (chamado IVA) sobre os alimentos e remédios. Uma senhora, numa banquinha de jornal, reclama do preço do leite e dos combustíveis que estão para subir com o novo governo. A economia mexicana, segundo o jornal La Jornada, segue toda ela monopolizada por uma elite nacional ou pelas transnacionais, ao mesmo tempo quando a indústria estatal esta desmantelada. Ninguém menos que o Banco Mundial informou que o TLCAN, tratado de livre comercio na América do Norte, deve ser revisado, pois não melhorou a economia mexicana. De cada sete trabalhadores, hoje um deles esta deixando o pais, talvez esse o melhor sintoma.
No México de cima, o neoliberalismo de Fox evitou relações com os paises da América Latina, inclusive rompendo com Venezuela e Cuba. Só que, mesmo voltado ao grande irmão do norte, o que o governo Fox obteve foi a construção de um muro separando os dois paises. Ademais, Fox iniciou sua gestão, seis anos atrás, com a expectativa de ser o governo da mudança passados 71 anos de mando do PRI. Porem, tal qual uma tabelinha PFL/PSDB, os dois governaram juntos e sua política permitiu o aumento do numero de miseráveis em dez milhões de pessoas, passando para 50 milhões de pessoas ao total. São os de baixo, muitos aqueles que, não fossem vender sua mão de obra nas fabricas maquiladores, ainda podem ficar sem nada, pois reportagem recente mostra que muitas fabricas estão migrando instantaneamente para a China, devido ao “mercado competitivo” daquele pais.
Na multidão
Estou o tempo todo entre um mar de gente, seja nas ruas do centro, ou lutando por um espaço no metro antes que a porta se feche, ainda que sejam necessárias perder uns dois ou três trens ate finalmente conseguir entrar. Mas confesso que no dia primeiro de dezembro não deixei de me surpreender com a maré de pessoas que seguiu a marcha convocada por Lopez Obrador, atravessando a avenida Paseo de La Reforma. Nem de longe convocou o mesmo numero de pessoas, por exemplo, como em maio do ano passado, na época do “desaforo”, manifestação contra a perseguição sofrida por Obrador, quando o governo instrumentalizou o judiciário contra AMLO, para que não participasse da presidência.
Mesmo com a militarização armada ao redor do local da posse de Calderón, com a repressão e o estado de sitio em Oaxaca, a ameaça aos membros do APPO, havia um fluxo de pessoas para todas as direções da avenida. Se nem de longe devo me arriscar a traduzir o sentimento daquela gente que estava ali, no momento no qual o México apresenta tantas lutas e demandas, ao menos o que foi curioso neste momento era a aversão dos “perredistas” em relação a imprensa, pois acusavam as grandes cadeias de tv (TV Azteca e Televisa) de legitimar a Calderón. O outro dado curioso era a comparação (positiva) que as pessoas faziam entre Lula e Obrador, quando eu revelava o meu país de origem.
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