Depósitos do Mioceno no Acre preservam algumas das maiores criaturas que já viveram no Brasil
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Já imaginou topar com um jacaré de 15 metros? Pode parecer incrível, mas um réptil assim – o maior desse tipo de que se tem notícia – já foi encontrado na região amazônica. Contudo, ele não vivia nos dias de hoje, e sim entre 7 e 9 milhões de anos atrás, durante a época geológica conhecida como Mioceno.
Poucos sabem, mas uma das regiões mais interessantes para a busca de fósseis do país é encontrada no Acre e no sul do Amazonas. Nessa área, afloram as rochas que compõem as formações Solimões e Pebas, constituídas em sua maioria de siltitos e argilitos depositados em ambientes fluviais e pequenos lagos. Foi encontrada nesses depósitos uma grande diversidade de animais extintos, principalmente roedores e crocodilomorfos. Também vêm dali fósseis de outros grupos de mamíferos, como primatas, marsupiais, morcegos e notoungulados, além de crustáceos, aves e peixes.
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A localidade clássica é chamada de Talismã, na parte superior do rio Purus, no sul do estado do Amazonas, na fronteira com o Acre. Ali, as rochas são formadas predominantemente por siltitos e argilitos que forneceram restos de preguiças gigantes, roedores, placas de tatu e muitos outros. Um dos destaques é o crocodilomorfo Caiman brevirostris – uma espécie de jacaré diferente dos atuais por possuir um focinho bem curto.
A “estrela” do Norte
Ao todo, essa região no norte do país já forneceu mais de 70 espécies – e o número continua subindo a cada ano, mostrando que ainda existem muitas outras a serem estudadas. A "estrela" dos achados continua sendo o Purussaurus brasiliensis , dos quais se conhecem crânios e mandíbulas, além de restos de vértebras e de outras partes do esqueleto.
Segundo estimativas feitas tomando-se por base sobretudo o comprimento do crânio, o Purussaurus brasiliensis podia chegar a 15 metros de comprimento, o que faz dele o maior crocodilomorfo já encontrado no país e, talvez, o maior do mundo. Mas existem outras formas desses répteis de tamanho avantajado nas rochas sedimentares do norte do país.
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Entre os aspectos mais importantes dessa fauna fóssil do Acre e do sul do Amazonas é a constatação de que formas parecidas existem nos países vizinhos – Peru e Bolívia, além da Venezuela. Aliás, neste último país, foi encontrada uma espécie nova – o Purussaurus mirandai – que, com seus 12 metros, chegava perto do seu "irmão" brasileiro.
Curiosamente, algumas espécies bem semelhantes aos representantes da fauna do Acre e do sul do Amazonas também foram encontradas na Argentina e no Uruguai. Graças a essa semelhança, pôde-se chegar à idade dos fósseis brasileiros. Embora possa haver uma pequena diferença de idade entre algumas localidades, todas elas tiveram origem no Mioceno Superior (9–6,8 milhões de anos). Essa datação foi feita pelo paleontólogo Mário Cozzuol, da PUC do Rio Grande do Sul, a partir de um levantamento detalhado da fauna desses depósitos sul-americanos publicado no ano passado no Journal of South American Earth Sciences .
Mar na Amazônia
Uma hipótese que procura explicar a similaridade da fauna do Brasil, da Argentina e do Uruguai durante o Mioceno sugere que havia um braço de mar que penetrava o continente sul-americano, atingindo a região Norte, onde hoje ficam o Acre e o sul da Amazônia. O sistema de drenagem formado pelos rios Solimões e Amazonas não era contínuo como atualmente: a parte leste era separada da oeste por uma grande elevação, chamado de arco de Purus.
Com o passar do tempo, o mar retrocedeu em direção ao sul e foi sendo gradualmente substituído por um sistema essencialmente de água doce, formado por rios e lagos. Não havia barreiras naturais, o que permitiu que os animais existentes no Acre e no Sul do Amazonas se dispersassem para o sul, chegando até o Uruguai e a Argentina durante o Mioceno.
Curioso é que, apesar da semelhança da fauna desses países, não foi encontrado nos depósitos uruguaios e argentinos uma espécie parecida com o Purussaurus . Por algum motivo ainda não explicado, esse jacaré aparentemente não se dispersou até aquela região do continente. Por outro lado, é possível que, mais dia, menos dia, ossos desse gigantesco réptil ainda sejam encontrados naqueles países.
Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
02/02/2007
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