"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 04/02/07

Sem emprego, diplomados recorrem ao trabalho informal

Recém-formado em processamento de dados, Kalil Diab Kalil Neto, 22, desistiu de procurar emprego em sua área para ser um dos 5.000 camelôs da feira da madrugada na rua Oriente, no Brás (zona leste). Neto, que é dono de uma banca, diz ganhar cerca de R$ 2.000 por mês - esse faturamento se multiplica em datas comemorativas, como o Natal.

Ele tem como colaboradores a namorada, graduada em biologia e que trabalha durante o dia na Faculdade de Medicina da USP, e um primo de 19 anos. Ao longo do curso superior, fez estágios, mas não conseguiu emprego depois de se formar. "Não pretendo procurar mais vagas. A feirinha é muito boa [em termos financeiros] para a gente", acrescenta ele, que vai trabalhar com carro próprio e não reclama de sua jornada diária, que vai das 3h30 às 7h30.

Neto faz parte do grupo de 44,9% da população economicamente ativa das metrópoles brasileiras no trabalho informal. Esse dado é resultado de uma pesquisa divulgada no fim de 2006 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. A reportagem é da Folha de S.Paulo, 04-02-2007.

Segundo o estudo, a diferença de renda entre trabalhadores formais e informais caiu de 198% para 122%, entre 1992 e 2004. "A queda está relacionada à baixa inflação e à desvalorização do dólar, fatores que facilitam a importação e a comercialização de bens", avalia Lauro Ramos, economista do Ipea.

"Alternativa legítima"

Outro diplomado que virou camelô da madrugada no Brás é o locutor de rádio e jornalista Edson Augusto da Costa, 26. Apesar de ter uma pequena empresa de comunicação para prestação de serviços, Costa obtém o retorno do dinheiro investido na faculdade de jornalismo, na qual se formou no final de 2005, com o trabalho na feira. Fora da alta temporada, ele diz faturar em média R$ 3.000 por mês.

Assim como Neto, o jornalista não pretende abandonar o trabalho na rua. "A profissão de camelô é uma alternativa legítima para sobreviver", comenta. Sua mulher, formada em nutrição, também é dona de uma barraca na feira da madrugada.

Ambos os exemplos pincelam uma situação que tende a se tornar cada vez mais comum, segundo o sociólogo Francisco José Ramirez, cuja dissertação de mestrado, defendida na Universidade de São Paulo, foi sobre a vida dos camelôs no centro de São Paulo. "Há 20 anos, o diploma significava estabilidade e boa renda. Hoje, com as dificuldades de entrar no mercado formal e a expansão desordenada de universidades, é cada vez mais comum encontrar pessoas qualificadas nas ruas", compara.

Para ele, o trabalho de camelô, visto pela sociedade de forma marginalizada, é uma opção a quem precisa sustentar a família e, por isso, decide enfrentar os perigos das ruas e uma jornada exaustiva de trabalho.

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