O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai propor ao seu colega chinês, Hu Jintao, na terça-feira, que o comércio entre Brasil e China seja feito na moeda dos dois países. "Nós não precisamos de dólares. Por que dois países importantes como China e Brasil têm que usar dólares como referência, em vez de suas próprias moedas?", afirmou Lula, em entrevista à revista chinesa Caijing (Finanças).
A reportagem é de Cláudia Trevisan e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 16-05-2009.
O presidente brasileiro chegará a Pequim na segunda-feira, para uma visita que vai durar pouco mais de 48 horas. A ampliação do peso dos países em desenvolvimento nos organismos multilaterais será outro ponto crucial do encontro de trabalho que ele terá com Hu Jintao às 17 horas de terça-feira (horário local). Antes disso, na segunda-feira, os dois presidentes vão jantar juntos.
Brasil e China possuem uma série de posições comuns nas negociações de liberalização comercial da Organização Mundial do Comércio (OMC) e respondem por metade da sigla Bric - a outra metade é formada por Rússia e Índia.
Os dois países também se alinharam na reunião do grupo dos 20 (G-20) - que inclui países ricos e emergentes - realizada no dia 2 de abril, em Londres, para discutir a crise financeira internacional.
Ambos defenderam a ampliação da presença das nações emergentes em organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial e uma reengenharia financeira global.
"Foi a primeira fez que estive em encontros nos quais os países ricos, que no passado sabiam tudo, não sabiam nada. Hoje, nós podemos discutir em condições de igualdade decisões que antes excluíam Brasil e China", destacou o presidente Lula.
A proposta de adoção de moedas nacionais no comércio bilateral está em linha com reiteradas manifestações de autoridades chinesas em defesa de uma alternativa ao dólar na economia internacional.
Dez dias antes da reunião do G-20, o presidente do Banco da China (equivalente ao banco central), Zhou Xiaochuan, publicou artigo no qual defendeu a criação de uma moeda internacional para substituir o dólar como reserva de valor.
PODER GLOBAL
A China possui US$ 2 trilhões de reservas internacionais, o maior volume do mundo, e o texto de Zhou Xiaochuan evidenciava a preocupação das autoridades de Pequim com o fato de grande parte desses ativos financeiros estar aplicada em uma única moeda.
Por trás da discussão sobre a moeda internacional também há uma questão de disputa de poder político global, permeada pela concepção de que o uso do dólar como moeda de troca e de reserva de valor reflete e sustenta a supremacia norte-americana no mundo.
Paralelamente à defesa de uma moeda internacional, Pequim deu os primeiros passos no sentido de promover o uso internacional de sua própria moeda, o yuan. Desde o dia 12 de dezembro, a China já fechou acordos de swap cambial no valor de US$ 95,6 bilhões com seis países, incluindo a Argentina.
Um mês depois da publicação do artigo de Zhou Xiaochuan, o governo chinês anunciou ainda que quatro cidades do país poderiam utilizar o yuan para quitar suas transações de comércio exterior, exatamente o que Lula pretende que seja feito agora com o Brasil - em uma rua de duas mãos, com uso também do real.
Para o presidente brasileiro, é inevitável que os países emergentes tenham mais voz e voto nas instituições e nas decisões globais. "Agora, sempre que há uma reunião no mundo, as pessoas querem saber o que a China pensa e o que o Brasil sente. As pessoas começam a perceber que não somos mais atores coadjuvantes, mas atores principais. Isso cria uma nova e real possibilidade para uma nova política global. É precisamente neste momento que China, Brasil, Rússia e Índia precisam ser muito humildes e calmos, mas também muito audaciosos", declarou Lula à Caijing.
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