"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, maio 12, 2009

A pandemia de 1918 e a gripe suína

Site do Azenha - Atualizado e Publicado em 10 de maio de 2009 às 23:17

por sugestão da Alice Matos

10/05/2009
"Situação de 2009 não é a mesma da pandemia de gripe de 1918", diz historiador da medicina
Le Monde

Paul Benkimoun, Stéphane Foucart e Hervé Morin

Historiador da medicina e da saúde pública no Centro de Pesquisa da Medicina, da Ciência, da Saúde e da Sociedade (Cermes, CNRS-Inserm-EHESS, Paris), Patrick Zylberman estudou as grandes pandemias, e em especial a forma como a França reagiu à gripe espanhola que, entre 1918 e 1919, fez mais de 50 milhões de mortos no mundo. Ele comenta a forma como as autoridades sanitárias compreenderam os períodos de crise sanitária, e alerta quanto às armadilhas das comparações anacrônicas.

Le Monde - Qual sua opinião a respeito do episódio atual da epidemia de gripe A (H1N1)?
Zylberman - O mais surpreendente são as mortes dos jovens adultos no México. Isso logo lembra a pandemia de 1918, que atingiu a faixa etária dos 16 aos 40 anos, em vez de pessoas idosas ou crianças.

Le Monde - Não é uma forma de anacronismo comparar os dois episódios?
Zylberman - Certamente. A pandemia de 1918 se tornou uma figura de retórica. Desde a Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sars) em 2003, todos os médicos, epidemiologistas e dirigentes da saúde pública apresentam o retorno da gripe espanhola como o próximo "holocausto". Entende-se bem o porquê: é preciso atingir em cheio as imaginações para que os dirigentes políticos e os cidadãos coloquem a mão no bolso para que a comunidade esteja pronta para resistir.

Bem, o mundo de 1918 e o de hoje não são comparáveis de forma alguma. O vírus e seu poder patogênico não são o único parâmetro de uma epidemia ou de uma pandemia, seja no nível da morbidez, seja no nível da mortalidade.

Hoje, nós dispomos de conhecimentos científicos sobre o vírus, ao contrário de 1918 (o H1N1 só foi isolado no homem em 1933). Nós dispomos de antivirais e de vacinas. Os antibióticos permitem tratar as superinfecções. Sem falar na vigilância epidemiológica, instaurada desde 1995, e de planos de resposta epidêmica previstos, mesmo que nem tudo seja perfeito.

Le Monde - O que se aprendeu com o episódio de 1918?
Zylberman - Veja a reação especialmente notável das autoridades de Hong Kong em 1997, diante da gripe aviária. Após alguns falecimentos humanos, abateram as aves, o que foi uma decisão muito boa. A reação à Sars foi muito ruim no começo, mas em seguida, os governos na Ásia e no Canadá retomaram as rédeas e se saíram muito bem.

Houve uma conquista, não há dúvida. Mas é suficiente? O último estudo até hoje sobre o preparo antipandêmico feito em 2006 pela London School of Hygiene and Tropical Medicine concluiu que, ainda que alguns países como a França ou o Reino Unido estivessem relativamente bem preparados, esse não era o caso na Europa em geral.

Le Monde - Em 1918 houve o sentimento imediato de enfrentar uma pandemia?
Zylberman - As autoridades foram pegas totalmente desprevenidas. Não vamos esquecer que a guerra não tinha terminado. Os países distantes de zonas de combate, como os Estados Unidos, também não sabiam com o que tinham de lidar. O que certamente contribuiu para a alta mortalidade (4% na Europa, até 22% na Samoa Ocidental), foi exatamente a grande desorganização dos poderes públicos e seus fracos meios de ação (fechamento de lugares públicos).

Le Monde - O exemplo de 1976 não é uma ilustração de que uma superreação das autoridades pode produzir mais danos do que a epidemia em si?
Zylberman - A epidemia de 1976 nos EUA, na verdade, é aquela "que nunca aconteceu"... Houve alguns casos em um forte de Nova Jersey. Eles logo criaram um pânico, exatamente porque a lembrança de 1918 estava muito viva. Tratava-se de uma estirpe H1N1, que só circulara nos EUA a partir de 1920, o que levou o presidente Gerald Ford a vacinar a população americana inteira. A campanha foi interrompida no final de dois meses, devido a acidentes vacinais, e também porque o vírus havia sumido. A decisão de vacinar havia sido tomada por razões muito mais emotivas do que científicas.

Le Monde - A reação atual das autoridades ainda é emotiva?
Zylberman - Hoje, algumas pessoas criticam a Organização Mundial da Saúde (OMS) por ter "superreagido". É injusto: todos os governos que puseram em prática planos de resposta se inspiraram no da OMS. Esta simplesmente elevou seu nível de alerta para ter uma influência um pouco maior junto aos governos relacionados: reforçar seus escritórios regionais, enviar suas equipes a campo... Desde 2003, todas as discussões sobre o preparo contra as epidemias, o bioterrorismo, etc., levantam a controversa questão do modo de resposta coletiva a se adotar: será que a OMS deve ser o Estado-maior disso? A Europa seria favorável a isso, a América do Norte, um pouco menos. A Ásia muito menos.

Le Monde - Qual é o impacto possível dessa pré-pandemia nos países pobres que começam a ser atingidos?
Zylberman - Essa é a grande preocupação. Uma segunda onda agravada no hemisfério norte no outono faria bem mais estragos nos países que não tivessem sistema de saúde adequado ou tratamentos antivirais, do que nos países ricos bem equipados para enfrentar a infecção. Haveria meios de retardar a propagação da epidemia compartilhando uma parte - entre 10% e 20%, dizem os especialistas - dos estoques de antivirais com os países de baixa renda. Do ponto de vista político, isso parece delicado: a opinião pública poderia não ser muito "solidária".

Le Monde - Essa preocupação pública com a gestão dos riscos é sinal de uma evolução de nossas sociedades?
Zylberman - Certamente. A passagem dessas problemáticas da esfera técnica para a esfera pública chega a ser uma evolução notável que é uma das razões pelas quais o mundo atual é totalmente diferente daquele de 1918. O ponto de virada aconteceu nos anos 1980, com as preocupações crescentes diante das doenças emergentes, sobretudo a epidemia do HIV, bem como com as crises de segurança alimentar no fim do século 20.

Le Monde - Que papel as mídias exercem na evolução dessas percepções?
Zylberman - Elas exercem um papel crucial, e os governos sabem bem disso. Em época de crise, a informação é um bem tão importante para limitar o efeito de uma epidemia quanto os antivirais, mas um bem dos mais problemáticos para se administrar. A comunicação preventiva visa limitar o fenômeno do pânico, mas ao mesmo tempo deve incentivar as pessoas a não ficarem passivas. Trata-se certamente de um dos domínios em que menos avançamos em matéria de preparo.

Le Monde - Por que isso?
Zylberman - Os governos resistem em se separar de uma parte do controle da informação e o meio das mídias teorizou pouco essas questões.

Tradução: Lana Lim

Um comentário:

Anônimo disse...

Essa matéria é perfeita! As pessoas exageram demais quando falam dessa gripe. e compará-la à Gripe Espanhola (ou comparar qualquer coisa à Gripe Espanhola) não é sensato. De 1918 para hoje, a ciência evoluiu absurdamente e há uma série de descobertas inumeráveis.

Naquele momento, foi uma surpresa que pegou o mundo sem preparo e sem tecnologia de exame, diagnóstico, sem qualquer referência também (já que era a primeira vez que identificavam o Influenza).

Hoje, 91 anos depois, o mundo é outro, a medicina é outra e, felizmente, estamos muito mais preparados para enfrentar esses sustos!

Tem muito alarde e muita fofoca, mas, ainda bem, parece que o mundo inteiro tem sido muito sério e preocupado em resolver esse problema de uma vez.