Na análise do sociólogo argentino Atílio Borón em artigo para o Pagina/12, 04-08-2008, o Brasil, a Argentina e a Venezuela não jogam juntos em uma estratégia de fortalecimento das relações na América Latina. Borón considera que a Argentina pensa apenas no curto prazo e não fortalece estratégia alguma; por sua vez o Brasil pensa no longo prazo, mas se equivoca em sua política de inserção internacional. Para o sociólogo argentino, é Chávez que tem uma estratégica mais clara para o continente sul-americano. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
A Argentina chega debilitada na reunião dos três presidentes. De um lado, com um poder político presidencial minguado pela recente (e inesperada) derrota de uma iniciativa – a Resolução 125 – que insolitamente o governo elevou a uma disputa de um referendo revogatório e perdeu. Mas também debilitada economicamente, pese os dados da macroeconomia que continuam mostrando elevadas taxas de crescimento do PIB cuja euforia se dissimula no momento de graves problemas.
A inflação é um inimigo sério que o governo não leva a sério, e tampouco estabelece uma adequada estratégia para combatê-la porque continua acreditando nos índices do INDEC. A crise energética é outra formidável e ainda mais letal ameaça: liquidada a preço vil nossa petroleira estatal durante o menemato (em uma operação que contou com o apoio irrestrito do PJ, da CGT, dos governadores das províncias e de boa parte dos dirigentes políticos), duas grandes empresas estrangeiras continuam extraindo óleo cru das nossas reservas e exportando sem nenhum controle do Estado em resguardar um bem público não renovável e de extraordinário valor.
Sabemos o que exportam porque o dizem em seus balancetes, algo que não exige provas na hora de denunciar a necessária reconstrução do estado na Argentina. As reservas estão se esgotando, não há exploração de novos poços, e diante da ausência de novos empreendimentos hidroelétricos a chegada da crise é apenas uma questão de tempo. Quanto mais crescer a economia, mais rapidamente a crise chegará.
Some-se a tudo isso a inexistência de um plano nacional de desenvolvimento – reclamado por Aldo Ferrer em sua memorável exposição na Câmara dos Deputados – e o panorama é suficientemente claro. Quando se diz que o “modelo não muda” o que se diz é que um modelo que se faz na acumulação.
Os dados anteriores demonstram que a Argentina continua sendo o reino do “curto-prazismo”: Nenhum governo desde a restauração democrática até aqui pensou para além da próxima conjuntura eleitoral, e assim se vai. No Brasil, ao contrário, a propensão em pensar – e atuar pensando – no longo prazo tem sido um dos seus traços mais característicos. Por isso puderam construir Brasília em meio a um deserto; por isso persistem durante décadas em fazer da Petrobrás e da Embraer duas grandes empresas; por isso puderam criar o Banco Nacional de Desenvolvimento e fazer que, ao cabo desses anos, disponha de mais recursos para empréstimos que o Banco Mundial; por isso enquanto o Brasil constrói rodovias, portos, aeroportos e grandes obras hidroelétricas, a Argentina constrói... discursos.
Está claro que pensar no longo prazo nem sempre equivale a pensar corretamente. O “longo-prazismo” brasileiro tem um “tendão de aquiles”: sua visão errônea de inserção na economia internacional. Por isso a contribuição (se deixarem) que pode dar Chávez no robustecimento do MERCOSUL é de fundamental importância. O bolivariano é o único que possui uma visão não apenas de longo prazo, mas também estrategicamente acertada. Chávez não se equivoca, como os demais, esperando “compreensão e apoio” dos Estados Unidos ou da União Européia.
Tem consciência de que a lógica que preside o sistema é imperialista e que as potências dominantes, e especialmente o seu centro principal, não fazem concessões e tampouco se comovem com as aspirações dos nossos povos. Lula, ao contrário, celebrou em março de 2007, o seu acordo estratégico com George Bush para produzir etanol e biodiesel, optando por alimentar os tanques dos automóveis do Norte no lugar do estômago de seu povo. E por isso mesmo na agonizante Rodada de Doha se alinhou às grandes potências e de “descolou” dos seus irmãos do sul, prometendo abrir os seus mercados em troca de que os ricos do mundo comprem os seus produtos.
Tudo, possivelmente, por uma ilusão: aceder a um assento no Conselho de Segurança da ONU, obsessão que os velhos e novos colonialistas estimulam habilmente para obter mais concessões do gigante sul-americano ao módico preço de manter viva sua demagógica promessa. A Argentina tem uma longa história de subordinação aos desejos e interesses do Norte e terminou com as mãos vazias.
Chávez, ao contrário, sabe que a única opção para os nossos países é potencializar a nossa autonomia decisória: daí as estratégicas decisões de criar a ALBA, o Banco do Sul, o Gasoduto do Sul, Telesur e tantas iniciativas nessa perspectiva. E nessa convicção, o bolivariano não exibe fraqueza e nem cede diante do canto de sereia do império. Oxalá que os demais se contagiem.
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