No alto das montanhas da Guatemala, trancado numa casa de um único cômodo onde passa dia e noite sobre uma cama, Luis Alberto Jiménez tem uma grave lesão cerebral e nenhuma idéia da batalha que se desenrola em torno de sua história na distante Flórida. Jiménez, de 35 anos, representa a colisão entre dois sistemas americanos repletos de falhas: imigração e saúde. A reportagem é de Deborah Sontag e publicada pelos jornais New York Times, O Globo e El País, 04-08-2008.
Há oito anos, ele era um imigrante ilegal nos EUA e trabalhava como jardineiro na Flórida, quando foi vítima de um grave acidente de carro provocado por um americano embriagado.
Um hospital local salvou sua vida, mas, sem conseguir vaga em algum centro de reabilitação que recebesse o paciente sem seguro, manteve o imigrante sob sua guarda por anos, a um custo total de US$ 1,5 milhão.
O que aconteceu em seguida deu origem à batalha legal com repercussões por todo o país: Jiménez foi deportado — não pelo governo, mas pelo próprio hospital, o Martin Memorial, que alugou uma ambulância aérea por US$ 30 mil e o mandou de volta a seu país.
O caso de Jiménez acabou revelando ao público uma prática pouco conhecida, mas aparentemente disseminada nos EUA. Muitos hospitais estão tomando para si a tarefa de repatriar imigrantes porque não conseguem vagas para interná-los sem seguro médico.
O sistema de saúde americano não cobre internações longas para imigrantes ilegais, criando um dilema para os hospitais, que são obrigados por lei a encontrar assistência para pacientes que necessitem de cuidados pós-hospitalares. Não há números oficiais, mas alguns hospitais chegam a repatriar 96 imigrantes por ano.
“A repatriação é uma sentença de morte para muitos”
As autoridades de imigração não exercem papel algum nessas repatriações.
Muitos hospitais garantem que não repatriam pacientes que não estejam estabilizados e que acertam para que recebam cuidados médicos em seus países. Mas o fato é que os hospitais estão agindo num vácuo legislativo, sem assistência governamental ou supervisão, deixando amplas margens para transgressões legais e éticas. Alguns advogados de imigrantes vêem essas repatriações como um tipo de descarte internacional de pacientes, que são afastados dos hospitais do primeiro mundo e levados para instituições onde o tratamento é bem menos adequado.
— A repatriação é uma sentença de morte para muitos desses casos — afirma Steven Larson, especialista em saúde de imigrantes e médico do setor de emergência do Hospital da Universidade da Pensilvânia.
Administradores de hospitais vêem esses casos como um fardo imposto a eles pelas falhas dos sistemas de saúde e de imigração. Em muitos casos, a única alternativa à repatriação é manter os imigrantes indefinidamente em hospitais voltados a tratamento de problemas agudos.
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