A eleição do quinto prefeito de Itaipulândia, município do Oeste do Paraná criado há 16 anos, já conta com episódios que envolvem assassinato, denúncias de desvio de recursos públicos e a prisão de sete pessoas. Poderia ser mais uma história de violência no interior de um país continental, não fosse o fato de a cidade ser um oásis de renda e indicadores sociais. Por ser vizinha à hidrelétrica de Itaipu, recebeu, desde 1993, US$ 163 milhões em royalties - renda que a torna privilegiada em termos de arrecadação e serve de combustível para a política local. A reportagem é de Marli Lima e publicada pelo jornal Valor, 04-08-2008.
O nome da cidade já diz tudo. Era um distrito de São Miguel do Iguaçu, chamado Aparecidinha do Oeste, e ganhou condições econômicas para tornar-se independente com a formação do lago da usina e o conseqüente alagamento de terra que resultou na desapropriação de 54% de sua área pela hidrelétrica binacional. A perda de território tornou-se a solução financeira da cidade. Com os royalties foi possível asfaltar ruas, construir a prefeitura, a Câmara de vereadores, escolas, hospital e postos de saúde. Como ainda sobrava dinheiro, a população passou a receber benefícios como cestas básicas, óculos de graça, transporte gratuito a estudantes e bolsas para as faculdades da vizinhança, tanto públicas como privadas.
Para ter idéia da importância dos royalties para Itaipulândia, em 2007 eles somaram R$ 24 milhões dos R$ 35,3 milhões arrecadados pelo município, ou 68% - ou, ainda, o equivalente a R$ 2,8 mil no ano para cada um dos 8,5 mil moradores. Dezesseis municípios que tiveram áreas alagadas recebem essa compensação financeira de Itaipu. A vizinha Santa Helena ficou com a maior fatia, mas o maior valor per capita é o de Itaipulândia. "Poderia ser uma Suíça", compara o delegado-chefe da 6ª Subdivisão da Polícia Civil, de Foz do Iguaçu, Alexandre Macorin de Lima, que comandou a investigações sobre o assassinato recente do prefeito Vendelino Royer (PMDB).
No dia 8, após sair de reunião com líderes comunitários, Royer foi executado com cinco tiros. O vice, Laudair Bruch (PMDB), tomou posse, mas foi preso no dia 17, acusado de ser o mandante do crime. Embora ele tenha negado, o delegado diz que as evidências e a confissão de outros seis presos, entre eles o candidato a vereador Dirceu Buron (PMDB), demonstram sua participação. Bruch era também secretário de finanças até abril, mas a proximidade das eleições levou ao rompimento entre prefeito e vice, que passaram a apoiar candidatos diferentes.
Royer não iria tentar a reeleição e decidiu unir-se a Lotário Knop (PDT), o primeiro prefeito de Itaipulândia, que quer voltar ao cargo. Bruch decidiu concorrer ao cargo de vereador e ficou do lado de Miguel Bayerle (PR), que já foi prefeito da cidade por dois mandatos e, quatro anos atrás, ajudou a eleger Royer. Na confusa teia de relações, restam dúvidas sobre o que estará nas urnas em outubro e o que acontecerá até lá. No dia 21, o presidente da Câmara de vereadores, Gilberto Silvestri (PMDB), tomou posse como prefeito sob protestos de parte da população, que o associa a Bruch. Um movimento liderado por seis dos nove vereadores pede a intervenção do Estado no município. "Esse grupo quer usar a máquina para a campanha", afirma o vereador Claudemir Ferreira da Silva (PSB).
Procurado pelo Valor, Silvestri não quis dar entrevista. Na prefeitura, uma decreto fixado na porta diz que não haverá atendimento externo até o dia 3. Do lado de fora, a bandeira da cidade, rasgada pelo vento, mostra o atual clima. A população evita falar tanto do assassinato do prefeito e da prisão do vice como das denúncias feitas um dia antes do crime pelo vereador Marcelo Gomes Prates (PMDB), que exibiu na Câmara um vídeo em que aparece um secretário de Royer contanto pilhas de dinheiro no escritório de um empresário de publicidade. "Todo mundo falava mal do Vendelino, hoje estão dizendo que ele é bom", reclama. "Ele queria seguir a lei, mexeu com muita gente", afirma a viúva, Veronice Royer. Na nota de pesar, no site da prefeitura, está escrito que Royer "foi capaz de com sua conduta denunciar, mudar paradigmas e criar novos conceitos".
Os últimos acontecimentos levaram muitos a pensar nas motivações dos envolvidos. "Estamos nessa situação por causa desses malditos royalties", disse uma moradora, que prefere não ser identificada. "O problema era o caixa 2", comentou outro. Para parte dos moradores, o dinheiro dos royalties é visto com indiferença. "Para nós não faz diferença, temos de trabalhar do mesmo jeito", opinou uma terceira entrevistada. Os três pediram para não ter os nomes citados por medo de retaliações. Uma das maiores reclamações de políticos e eleitores é a construção de um parque termal que já teria consumido cerca de R$ 16 milhões e está abandonado, porque ainda exigiria alguns milhões para ser concluído. No local, quatro vigias revezam-se para cuidar dos tobogãs e piscinas vazios.
Até a deterioração política, Itaipulândia vinha exibindo indicadores sociais admiráveis. A pesquisa Trata Brasil, feita no final de 2007 pela Fundação Getúlio Vargas, mostrou que o município ocupa o primeiro lugar entre os municípios do país no ranking de investimento em saúde e saneamento, com R$ 859 por morador (segundo dados do IBGE de 2000). Em Brasília, que ocupa a 15ª posição, o gasto foi de R$ 422 e, em Porto Alegre, o 36º colocado, de R$ 323. Como a prefeitura está fechada e conta com o terceiro secretário de finanças em três meses, não há dados recentes disponíveis sobre os investimentos da cidade. O que se sabe é que, com a queda do dólar, o valor dos royalties também caiu e prejudicou o orçamento dos últimos anos.
Gilmar Ribeiro, presidente da Associação Comercial e Empresarial de Itaipulândia, disse que os benefícios dos royalties podem ser vistos na cidade. "Eles sempre ajudaram. A estrutura das escolas é muito boa", cita. O diretor da Escola Municipal Carlos Gomes, Celso Balzan, concorda parcialmente. No prédio construído há três anos estudam 600 alunos de 4 a 10 anos. No local, além do curso regular, há aulas de reforço, projeto para melhorar o português e a matemática, esporte, cultura e boa merenda. Mas o filósofo e pedagogo queria mais do que uma escola bonita e engrossa o coro dos que acreditam que os royalties deixaram os itaipulandenses dependentes.
"As pessoas não vêm a educação como necessidade. Tudo gira em torno dos apoios políticos que podem render frutos", diz Balzan. "Meu filho tem hora de estudo diário, mas muitos pais não estimulam as crianças a aprender mais", reclama. Segundo ele, como o governo municipal financia o pagamento da faculdade, os adolescentes e jovens também não se preocupam em estudar mais para passar em vestibular em instituição pública. "A infra-estrutura é boa, mas não gerou retorno em receita para o município."
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