Blog do Luis Nassif - 09/11/08
A crise de 1929 teve conseqüências radicais para o setor elétrico nos Estados Unidos. A forte intervenção do Governo Roosevelt, na década seguinte, definiu um padrão de atuação do Estado nessa atividade econômica que sustentou a sua vigorosa expansão durante as décadas seguintes.
Essa definição do papel do Estado no setor elétrico culminou um longo processo de configuração de uma articulação virtuosa entre elementos tecnológicos, organizacionais e político-institucionais, que garantiu a difusão do uso da eletricidade, uma fonte de energia altamente sofisticada, em uma amplitude econômica e social raramente encontrada em bens dessa natureza.
No final do século XIX, Tesla e Westinghouse definiram o padrão tecnológico do setor elétrico, derrotando o padrão proposto por Thomas Edison. A reunião dos diversos espaços, usuários e usos em um único sistema, defendida pelos primeiros, abriu um horizonte ilimitado de exploração de economias de escala e escopo que descortinou possibilidades incalculáveis de redução de custos e tarifas.
Diante dessas possibilidades, estavam criadas as condições para que a eletricidade deixasse de ser um bem de luxo e se transformasse em um bem a que parcelas crescentes da população poderiam ter acesso.
Explorando essa base técnica, Samuel Insull, em Chicago, desenvolveu uma série de rotinas gerenciais e técnicas que fizeram com que as tarifas caíssem de 20 cents, em 1892, para 2,5 cents, em 1909. O número de consumidores saltou de 5.000, em 1892, para 50.000, em 1906. Em 1892, quando Insull chegou a Chicago, havia 20 pequenas empresas elétricas na cidade, operando no modelo de Edison de pequenos sistemas independentes e autônomos, 15 anos depois só havia a dele, operando na base de um único e grande sistema: a Commonwealth Edison Company.
Para explorar todas as economias de escala e escopo disponíveis naquele espaço geográfico e se defender da concorrência predatória, Insull propôs às autoridades públicas a concessão da exclusividade da exploração dos serviços de suprimento de eletricidade a uma única empresa, em troca da regulação dessa empresa por parte dessas autoridades. Estavam criadas as figuras do monopólio regulado e do regulador elétrico, que, entre 1907 e 1916, mais de trinta estados americanos iriam adotar.
Em função do novo quadro regulatório, os investimentos irão saltar de 500 milhões, em 1902, para mais de 1 bilhão, em 1907, chegando a quase 2 bilhões de dólares, em 1912.
Diante do sucesso, Insull amplia o seu raio de ação e propõe a constituição de empresas holdings de eletricidade. Insull constatou que a capitalização via bolsa de valores das empresas elétricas reguladas apresentava possibilidades muito limitadas; contudo, quando ele criava uma empresa holding, reunindo, por exemplo, duas empresas operadoras, e lançava ações dessa nova empresa, a atratividade desses papéis aumentava sensivelmente.
Estava aberto o caminho para um salto espetacular no financiamento da expansão do setor elétrico americano; assim como para as grandes interconexões entre as regiões controladas pelas holdings e para patamares de exploração de economias de escala e escopo inimagináveis até então.
Assim, de 1922 a 1927, as empresas holdings engoliram pequenas e médias empresas a uma taxa de 300 por ano. Em 1932, oito empresas holdings controlavam 75 % dessa atividade econômica. Em 1930, com um investimento de 27 milhões de dólares, Insull controlava um conjunto de empresas que se espalhava por 32 estados e tinha ativos da ordem de 500 milhões de dólares.
No entanto, por trás do sucesso se escondia um mundo de falcatruas que funcionava, basicamente, da seguinte maneira:
1) valorizava-se as ações das empresas holdings através da transferência de recursos das empresas operadoras, via o pagamento de dividendos e remuneração de serviços superestimados;
2) lançava-se ações novas, agora mais valorizadas, da empresa holding, que se apropriava desses novos recursos;
3) replicava-se o esquema para cima, de tal forma a recapitalizar os dividendos iniciais em todos os níveis da cadeia.
Para se ter uma idéia da funcionalidade do esquema, o preço das ações da Insull Utility Investments subiu de 12 para 150 dólares.
Diante do sucesso, Insull afirmou: Se nós emitíssemos um pedaço de papel de embrulho com uma assinatura nele, nós poderíamos levantar todo o dinheiro que nós quiséssemos.
Em 1928, a Federal Trade Commission inicia uma investigação e conclui: Palavras tais como fraude, engodo, embuste, desonestidade, quebra de confiança, e opressão são os únicos termos adequados a se aplicar neste caso.
Franklin Delano Roosevelt, em sua campanha para presidência, em 1932, afirmava: Mediante o artifício dessas companhias holdings em pirâmide, pequenos grupos de homens com um investimento desproporcionalmente pequeno eram capazes de dominar e controlar unicamente em seu próprio interesse enormes aplicações de dinheiro de outras pessoas.
Em 1935, o Congresso Americano aprova o Public Utility Holding Company Act no qual fica determinado: a dissolução das empresas holdings que não tivessem função econômica; o estabelecimento de um rígido controle sobre a contabilidade financeira das empresas; a autorização para a Federal Power Commission integrar as empresas operadoras em sistemas regionais, com base na eficiência técnica, e não na especulação financeira.
Nesse mesmo ano é aprovado o Federal Power Act, que expande o poder da Federal Power Commission para: regular as transações e as tarifas das empresas elétricas no mercado atacadista; estabelecer tarifas de transmissão e vendas no atacado justas e razoáveis no comércio interestadual; regular permanentemente as interconexões das empresas elétricas e promover a adequação dos serviços elétricos entre os estados.
Por outro lado, o Governo Federal decide entrar diretamente no setor. Assim, em 1933 é criada a Tennessee Valley authority, para intervir em uma das regiões mais pobre do país, e garantir: o controle de enchentes, a geração de hidroeletricidade e a irrigação.
O resultado é que o consumo per capita de eletricidade dessa região que era 0,60 da média nacional, em 1930, passou para 1,25 da média nacional, em 1939.
Outro órgão estatal criado nessa época (em 1935) foi a Rural Electrification Administration, encarregada da eletrificação rural.
O resultado é que se, em 1934, apenas uma em cada dez fazendas americanas tinha eletricidade; em 1941, esse número pulou para quatro; e, em1950, chegou a nove.
A intervenção nos anos 1930s do Estado americano teve implicações importantes para o setor elétrico.
Em primeiro lugar, reconheceu que a eletricidade era fundamental para o crescimento econômico e para a estabilidade social.
Em segundo lugar, constatou a vulnerabilidade desse mercado às manipulações de empresários agressivos, como Insull, e que o controle dos mercados de energia poderia propiciar o exercício de poder de mercado em indústrias relacionadas: transporte e manufaturas intensivas no uso da energia.
Em terceiro lugar, reconheceu que o livre mercado não funcionava bem para a eletricidade (falhas de mercado) e que, portanto, era necessária uma rigorosa regulação dessa atividade econômica pelo Estado.
Roosevelt foi eleito para quatro mandatos e morreu em 1945 durante o seu último período na presidência.
Samuel Insull morreu em 1938, no metro de Paris, sem poder voltar aos Estados Unidos, como símbolo das manipulações financeiras criminosas que levaram ao crash da bolsa de 1929.
Essa definição do papel do Estado no setor elétrico culminou um longo processo de configuração de uma articulação virtuosa entre elementos tecnológicos, organizacionais e político-institucionais, que garantiu a difusão do uso da eletricidade, uma fonte de energia altamente sofisticada, em uma amplitude econômica e social raramente encontrada em bens dessa natureza.
No final do século XIX, Tesla e Westinghouse definiram o padrão tecnológico do setor elétrico, derrotando o padrão proposto por Thomas Edison. A reunião dos diversos espaços, usuários e usos em um único sistema, defendida pelos primeiros, abriu um horizonte ilimitado de exploração de economias de escala e escopo que descortinou possibilidades incalculáveis de redução de custos e tarifas.
Diante dessas possibilidades, estavam criadas as condições para que a eletricidade deixasse de ser um bem de luxo e se transformasse em um bem a que parcelas crescentes da população poderiam ter acesso.
Explorando essa base técnica, Samuel Insull, em Chicago, desenvolveu uma série de rotinas gerenciais e técnicas que fizeram com que as tarifas caíssem de 20 cents, em 1892, para 2,5 cents, em 1909. O número de consumidores saltou de 5.000, em 1892, para 50.000, em 1906. Em 1892, quando Insull chegou a Chicago, havia 20 pequenas empresas elétricas na cidade, operando no modelo de Edison de pequenos sistemas independentes e autônomos, 15 anos depois só havia a dele, operando na base de um único e grande sistema: a Commonwealth Edison Company.
Para explorar todas as economias de escala e escopo disponíveis naquele espaço geográfico e se defender da concorrência predatória, Insull propôs às autoridades públicas a concessão da exclusividade da exploração dos serviços de suprimento de eletricidade a uma única empresa, em troca da regulação dessa empresa por parte dessas autoridades. Estavam criadas as figuras do monopólio regulado e do regulador elétrico, que, entre 1907 e 1916, mais de trinta estados americanos iriam adotar.
Em função do novo quadro regulatório, os investimentos irão saltar de 500 milhões, em 1902, para mais de 1 bilhão, em 1907, chegando a quase 2 bilhões de dólares, em 1912.
Diante do sucesso, Insull amplia o seu raio de ação e propõe a constituição de empresas holdings de eletricidade. Insull constatou que a capitalização via bolsa de valores das empresas elétricas reguladas apresentava possibilidades muito limitadas; contudo, quando ele criava uma empresa holding, reunindo, por exemplo, duas empresas operadoras, e lançava ações dessa nova empresa, a atratividade desses papéis aumentava sensivelmente.
Estava aberto o caminho para um salto espetacular no financiamento da expansão do setor elétrico americano; assim como para as grandes interconexões entre as regiões controladas pelas holdings e para patamares de exploração de economias de escala e escopo inimagináveis até então.
Assim, de 1922 a 1927, as empresas holdings engoliram pequenas e médias empresas a uma taxa de 300 por ano. Em 1932, oito empresas holdings controlavam 75 % dessa atividade econômica. Em 1930, com um investimento de 27 milhões de dólares, Insull controlava um conjunto de empresas que se espalhava por 32 estados e tinha ativos da ordem de 500 milhões de dólares.
No entanto, por trás do sucesso se escondia um mundo de falcatruas que funcionava, basicamente, da seguinte maneira:
1) valorizava-se as ações das empresas holdings através da transferência de recursos das empresas operadoras, via o pagamento de dividendos e remuneração de serviços superestimados;
2) lançava-se ações novas, agora mais valorizadas, da empresa holding, que se apropriava desses novos recursos;
3) replicava-se o esquema para cima, de tal forma a recapitalizar os dividendos iniciais em todos os níveis da cadeia.
Para se ter uma idéia da funcionalidade do esquema, o preço das ações da Insull Utility Investments subiu de 12 para 150 dólares.
Diante do sucesso, Insull afirmou: Se nós emitíssemos um pedaço de papel de embrulho com uma assinatura nele, nós poderíamos levantar todo o dinheiro que nós quiséssemos.
Em 1928, a Federal Trade Commission inicia uma investigação e conclui: Palavras tais como fraude, engodo, embuste, desonestidade, quebra de confiança, e opressão são os únicos termos adequados a se aplicar neste caso.
Franklin Delano Roosevelt, em sua campanha para presidência, em 1932, afirmava: Mediante o artifício dessas companhias holdings em pirâmide, pequenos grupos de homens com um investimento desproporcionalmente pequeno eram capazes de dominar e controlar unicamente em seu próprio interesse enormes aplicações de dinheiro de outras pessoas.
Em 1935, o Congresso Americano aprova o Public Utility Holding Company Act no qual fica determinado: a dissolução das empresas holdings que não tivessem função econômica; o estabelecimento de um rígido controle sobre a contabilidade financeira das empresas; a autorização para a Federal Power Commission integrar as empresas operadoras em sistemas regionais, com base na eficiência técnica, e não na especulação financeira.
Nesse mesmo ano é aprovado o Federal Power Act, que expande o poder da Federal Power Commission para: regular as transações e as tarifas das empresas elétricas no mercado atacadista; estabelecer tarifas de transmissão e vendas no atacado justas e razoáveis no comércio interestadual; regular permanentemente as interconexões das empresas elétricas e promover a adequação dos serviços elétricos entre os estados.
Por outro lado, o Governo Federal decide entrar diretamente no setor. Assim, em 1933 é criada a Tennessee Valley authority, para intervir em uma das regiões mais pobre do país, e garantir: o controle de enchentes, a geração de hidroeletricidade e a irrigação.
O resultado é que o consumo per capita de eletricidade dessa região que era 0,60 da média nacional, em 1930, passou para 1,25 da média nacional, em 1939.
Outro órgão estatal criado nessa época (em 1935) foi a Rural Electrification Administration, encarregada da eletrificação rural.
O resultado é que se, em 1934, apenas uma em cada dez fazendas americanas tinha eletricidade; em 1941, esse número pulou para quatro; e, em1950, chegou a nove.
A intervenção nos anos 1930s do Estado americano teve implicações importantes para o setor elétrico.
Em primeiro lugar, reconheceu que a eletricidade era fundamental para o crescimento econômico e para a estabilidade social.
Em segundo lugar, constatou a vulnerabilidade desse mercado às manipulações de empresários agressivos, como Insull, e que o controle dos mercados de energia poderia propiciar o exercício de poder de mercado em indústrias relacionadas: transporte e manufaturas intensivas no uso da energia.
Em terceiro lugar, reconheceu que o livre mercado não funcionava bem para a eletricidade (falhas de mercado) e que, portanto, era necessária uma rigorosa regulação dessa atividade econômica pelo Estado.
Roosevelt foi eleito para quatro mandatos e morreu em 1945 durante o seu último período na presidência.
Samuel Insull morreu em 1938, no metro de Paris, sem poder voltar aos Estados Unidos, como símbolo das manipulações financeiras criminosas que levaram ao crash da bolsa de 1929.
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