O mundo está caindo em uma grave desaceleração mundial, provavelmente a pior do último quarto de século, talvez até a pior desde a Grande Depressão de 1929. Uma crise que, em mais de um sentido, é made in USA, fabricada nos Estados Unidos.
O artigo é de Joseph E. Stiglitz, catedrático de Economia da Universidade de Columbia e prêmio Nobel de Economia em 2001, é co-autor, junto com Linda Bilmes, de “The three trillion dollar war: the true costs of the Iraq conflict”. O texto foi publicado no jornal El País, 09-11-2008. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os Estados Unidos exportaram hipotecas tóxicas ao resto do mundo na forma de títulos respaldados por ativos. Exportaram sua filosofia desreguladora do mercado livre, algo que agora até Alan Greenspan, seu sumo sacerdote, admite que foi um erro. Exportaram sua cultura de irresponsabilidade empresarial e a opaca prática das opções de compra de ações, que fomentam essa má contabilidade que, da mesma forma que ocorreu nos escândalos da Enron e da Worldcom há poucos anos, tão importante tem sido nessa crise. Como conclusão, os EUA exportaram sua desaceleração econômica.
A administração Bush acabou fazendo o que todos os economistas o instavam a fazer: injetar mais liquidez em seus bancos. No entanto, como sempre, o problema está nos detalhes, e talvez o secretário do Tesouro estadunidense, Henry Paulson, tenha conseguido inclusive jogar por terra essa boa idéia, já que parece ter concebido uma recapitalização bancária que não produzir a reativação do crédito, algo que não seria nada bom para a economia.
Ainda mais importância merece o fato de que as condições impostas por Paulson aos bancos norte-americanos receptores de capital sejam muito piores do que as ditadas pelo primeiro ministro britânico Gordon Brown (para não falar das que Warren Buffett conseguiu quando proporcionou muito menos dinheiro ao Goldman Sachs, o banco de investimentos mais sólido dos EUA). Os preços das ações demonstram que, para os investidores, esse foi um acordo excelente.
Uma das razões para se preocupar pelo mau acordo que foi oferecido aos contribuintes norte-americanos é a dívida nacional que vai recair sobre nós. Antes até dessa crise financeira, estava previsto que o endividamento dos EUA passaria de 5,7 bilhões de dólares, em 2001, para mais de 9 bilhões neste ano. Por si só, a dívida deste ano se aproximará de meio bilhão, e a do ano que vem, ao acentuar-se a desaceleração nos Estados Unidos, será ainda maior. O país precisa de um pacote de medidas de estímulo. Mas os fiscais conservadores da Wall Street (sim, os mesmos que nos conduziram a esta queda) agora pedem que se modere o déficit (o que nos lembra Andrew Mellon na Grande Depressão de 1929).
Podemos dizer que a crise se estendeu aos mercados emergentes e aos países menos desenvolvidos. Por curioso que possa parecer, os Estados Unidos, pese a todos os seus problemas, segue se considerando o lugar mais seguro para se depositar o dinheiro. Suponho que não seja muito surpreendente, já que, contudo, o aval do Governo dos EUA tem mais credibilidade do que o de um país do Terceiro Mundo.
Enquanto os Estados Unidos recolhe as economias do mundo para solucionar seus problemas, os subprimes disparam e, por todas as partes, a renda, o comércio e os preços das matérias-primas se afundam. Os países em vias de desenvolvimento vão ter problemas. Provavelmente, alguns vão sofrer mais do que outros: os que já tinham um considerável déficit comercial ainda antes que a crise se fortalecesse, os que deviam refinanciar uma dívida nacional e os que mantinham vínculos comerciais estreitos com os Estados Unidos. Os países que, como a China, não liberaram totalmente seus mercados financeiros e de capital se felicitarão por não ter cedido frente a Paulson e o Tesouro norte-americano, que lhes ameaçavam a que fizessem.
Muitos já estão pedindo ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI). O que se teme é que, pelo menos em certos casos, o FMI retome suas receitas antigas e falidas, baseadas em uma contração fiscal e monetária que não poderá fazer mais do que incrementar a injustiça no mundo. Ainda que os países desenvolvidos apliquem políticas estabilizadoras anticíclicas, o que estão em vias de desenvolvimento se verão obrigados a tomar outras políticas de caráter desestabilizar que afastarão o capital quando mais o necessitam.
Há dez anos, na época da crise asiática, falou-se muito da necessidade de reformar a arquitetura financeira mundial. É evidente que se fez pouco, muito pouco. Nessa época, muitos pensavam que o que esses nobres chamamentos buscavam, de verdade, era impedir uma autêntica reforma: os que se beneficiaram do sistema anterior sabiam que a crise passaria e, com ela, as demandas por reforma. Não podemos permitir que isso volte a acontecer.
Talvez estejamos de novo frente a uma situação como a de Bretton Woods. As antigas instituições reconheceram que a reforma é necessária, mas se movem tão lentamente como as geleiras. Não fizeram nada para impedir a crise atual e preocupa que não sejam capazes de reagir eficazmente agora que ela se fortalece.
Uma guerra mundial e 15 anos tiveram que passar para que o mundo se reunisse para abordar as debilidades do sistema financeiro comum que contribuiu com a Grande Depressão de 1929. Esperemos que, nesta ocasião, não nos custe tanto tempo, já que, dado o grau de interdependência global, os custos seria simplesmente muito elevados.
No entanto, enquanto que o antigo Bretton Woods dominaram os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, o panorama global atual é notavelmente diferente. Da mesma maneira, as antigas instituições de Bretton Woods acabaram se definido a partir de um conjunto de doutrinas econômicas que agora se revelaram falidas, não só nos países em vias de desenvolvimento, mas no próprio núcleo do capitalismo. A iminente cúpula mundial, para conduzir realmente à criação de uma nova ordem financeira mais estável e equitativa, deverá enfrentar essas novas realidades.
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