"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, novembro 14, 2008

UM CASO CLÁSSICO DE INFORMAÇÃO "SELECIONADA"

Site do Azenha - Atualizado em 13 de novembro de 2008 às 17:04 | Publicado em 13 de novembro de 2008 às 08:54

Não conheço o delegado Protógenes Queiroz. Aliás, já escrevi aqui que em 30 anos de carreira nunca tive um delegado "de bolso". Acho terrível a promiscuidade entre repórteres e autoridades. Dá em situações patéticas como aquela gravação da conversa entre o delegado Edmilson Bruno e alguns repórteres, na véspera do primeiro turno das eleições presidenciais de 2006. Ali o delegado Edmilson Bruno avisou aos repórteres que iria mentir aos superiores, que iria jogar a culpa pelo vazamento na faxineira, que tinha uma foto "da Globo" e outras barbaridades. Mas os repórteres, que estavam atrás da notícia, nem quiseram saber.

Depois do vazamento o delegado Bruno mentiu diante das câmeras. Repórteres que sabiam que ele estava mentindo escutaram calados. E, no dia seguinte, a Folha de S. Paulo reproduziu a mentira do delegado mesmo sabendo que ele era o autor do vazamento. Um vazamento que ele depois assumiu e que tem até gravação de áudio. O delegado Bruno foi punido? Nunca ninguém investigou a que se referia o delegado Bruno quando falou em "foto da Globo". Ele tirou uma foto só para a Globo? Ou algum funcionário da Globo entrou com ele onde estava o dinheiro e fez a foto? Como se vê, a curiosidade da mídia é seletiva.

O áudio do delegado Bruno conversando com os repórteres e a transcrição estão aqui.

O trecho em que o delegado Bruno diz que vai mentir e que uma repórter diz "Tá"; e que contém o trecho em que ele fala da "foto da Globo" está aqui.

Vejamos agora o caso do delegado Protógenes.

Quem primeiro vazou o conteúdo completo do inquérito resultante da operação Satiagraha foi o site Consultor Jurídico, "amigo" de Gilmar Mendes e Daniel Dantas. Houve busca e apreensão nesse caso? Ou só interessava mesmo era punir o delegado Protógenes por eventual vazamento?

Em seguida os detalhes do inquérito que investigou o vazamento supostamente cometido por Protógenes vazaram. Vazaram em grande estilo. É só olhar os trechos que foram reproduzidos pelo Estadão, por exemplo: o repórter reproduz trechos de documento oficial. Cadê a investigação para apurar este vazamento?

Na "reportagem" que reproduzo abaixo há até a sugestão de que o uso de rádios da Polícia Federal por agentes da Agência Brasileira de Inteligência seria ilegal. Ora, se a ABIN pode colaborar com a PF -- isso está previsto na legislação -- qual é a ilegalidade? E se o deputado citado no texto não deve nada, qual o problema de filmá-lo?

Notem, no entanto, a seletividade da mídia. Correram atrás de vazar os detalhes do inquérito que supostamente compromete Protógenes -- assim como a Folha de S. Paulo já havia vazado anteriormente a própria existência da operação Satiagraha, atrapalhando o trabalho da PF e facilitando a defesa de Daniel Dantas. No entanto, o nome do deputado que foi filmado a caminho da sede do Grupo Opportunity ninguém publicou. Ninguém foi atrás do agente José Maurício Michelone para saber qual deputado visitou o Opportunity. Não há crime em visitar o Opportunity, mas eu gostaria de saber o nome do deputado. É relevante, sim. E se for um deputado integrante da CPI dos Grampos, por exemplo? E se for um deputado que prestou "serviços" ao banqueiro no Congresso?

Sigam o meu raciocínio: a Folha de S. Paulo disse que vazou a operação Satiagraha em nome do "interesse público". Mas, que eu saiba, não moveu uma palha para identificar o deputado. Nem o Estadão. É por isso que eu fico com a sensação de que só é notícia aquilo que interessa ao banqueiro.

O que eles -- Folha, Estadão, Veja, entre outros -- vão levar em troca da "seletividade"?

A matéria do Estadão:

SÃO PAULO - Arapongas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) filmaram um deputado durante a Operação Satiagraha. O parlamentar foi seguido desde o Aeroporto Santos Dumont, no Rio, até a sede do Grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas. A revelação é de José Maurício Michelone, agente de operações da Abin, que foi incumbido pelo delegado Protógenes Queiroz de vigiar os passos de Dantas.

Em depoimento à Polícia Federal, Michelone - lotado na Superintendência Estadual da Abin em Goiânia - disse que também fotografou Dantas, a irmã dele, Verônica, e um personagem identificado por Guga. "Foi possível realizar uma filmagem de um encontro em um aeroporto entre Guga e um deputado, cujo nome não se recorda neste instante, o qual chegou no Aeroporto Santos Dumont, procedente de Brasília, se deslocou até o prédio do Banco Opportunity, tendo permanecido por um período de uma hora ou uma hora e pouco, pegou um táxi e retornou para o aeroporto e seguiu em um vôo para São Paulo."

As imagens foram anexadas a um relatório reservado da Satiagraha. "O equipamento utilizado no trabalho era máquina fotográfica simples e filmadoras pequenas", informou o agente da Abin. "Também foram fornecidos rádios Nextel para alguns servidores, sendo que tais equipamentos foram provenientes da Polícia Federal."

Os arapongas também monitoraram, até por interceptação telefônica, o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP). O grampo o pegou sucessivas vezes em contato com Gilberto Carvalho, chefe de Gabinete do presidente Lula. [GRIFO DO VIOMUNDO: QUE EU SAIBA ISSO FOI FEITO COM AUTORIZAÇÃO DA JUSTIÇA. MAS A HORA AGORA NÃO É DE EXPLICAR, É DE CONFUNDIR].

Greenhalgh revela empenho em obter informações sobre a investigação contra Dantas. Ele teria sido contratado pelo banqueiro para fazer lobby no governo com o objetivo de tornar viável a compra da Brasil Telecom pela Oi, segundo suspeita a PF. O ex-deputado já alegou que seu trabalho consistiu em analisar processos envolvendo o Opportunity, nas áreas civil e criminal.

Para a PF, a integração de agentes e oficiais da Abin na Satiagraha caracteriza violação do sigilo funcional. "Conforme se viu, servidores da Abin foram introduzidos clandestinamente nos trabalhos internos da operação, todos levados pelo delegado Queiroz, sem que se observasse qualquer formalidade e, pior, sem a necessária autorização judicial, sendo-lhes permitido conhecimento de dados sigilosos", atesta documento reservado da PF.

O relato de Lívia Leite de Cantuária, assistente do superintendente da Abin, fala da disponibilização de equipamentos e preparação de relatório. Ela confirma o emprego da viatura técnica, veículo da Abin dotado de recursos para filmagens secretas. O carro foi apreendido quarta-feira pela PF. "A viatura técnica atuou no dia da deflagração da operação, quando ela foi movimentada para a residência do alvo principal, para a realização de filmagens da prisão de Daniel Dantas. Quem dirigiu a viatura naquele dia foi Airton e quem fez as filmagens foi Herbst."

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