Como resultado do aquecimento global e da necessidade de atingir as metas de redução das emissões de carbono, as empresas e países terão que desenvolver tecnologias mais limpas. E isso pressupõe a existência de profissionais preparados para desenvolver soluções sustentáveis, que proporcionem não só ganhos econômicos, mas também ambientais e sociais. Baseando-se nessa perspectiva, Lester Brown, um dos pensadores mais importantes da sustentabilidade, aponta que as mudanças climáticas podem gerar milhões de empregos em todo o mundo, evitando assim o declínio da economia.
Brown não é o único a ter essa convicção. Um estudo recente realizado pelo Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP) - o primeiro a tratar da questão dos postos de trabalho na transição para uma sociedade mais sustentável – também revela o impacto que a ascendente economia verde pode causar na mão-de-obra global.
A reportagem é da Revista Idéia Socioambiental e publicada pelo página Envolverde, 12-11-2008.
De acordo com o Green Job – towards decent work in a sustainable, low-carbon world (Emprego Verde – para o trabalho decente em um mundo sustentável, de baixo carbono) as mudanças climáticas têm tudo para gerar milhões de empregos se houver um investimento estratégico por parte de corporações e governos em todo o mundo. O setor de energia eólica e solar, por exemplo, dispõe de potencial para gerar mais de oito milhões de postos de trabalho nas próximas duas décadas, segundo estimativas do UNEP. Diante desse quadro, novas funções serão criadas, e outras até mesmo perderão relevância, o que levará à extinção de alguns cargos dissonantes com a nova economia sustentável.
O relatório do UNEP também destaca a importância dos países em desenvolvimento nesse processo e como as mudanças climáticas estão afetando milhares de trabalhadores e famílias que tem na agricultura e no turismo sua fonte de renda. Além de oportunidades, o Green Job enfatiza também os riscos: diversos empregos em novas áreas, como na reciclagem, estão longe de serem considerados decentes e é necessário um empenho global para repensar uma economia menos desigual. Segundo o documento, líderes globais não deveriam buscar o “conserto” do modelo econômico atual, mas sim as possibilidades oferecidas por modelos alternativos. São justamente essas possibilidades o atual objeto de reflexão de Brown.
Em seu novo livro - “Plan B 3.0: mobilizing to save civilization”, o especialista defende que, por meio do desenvolvimento e uso de energias renováveis, é possível criar novos empregos, conduzindo a economia para a sustentabilidade. Brown afirma ainda que a humanidade precisa rever particularmente a matriz energética com políticas econômicas para reestruturar taxas e pressionar o mercado a “contar a verdade ambiental.”
Segundo o autor, essa verdade diz respeito à inabilidade do mercado em incorporar impactos indiretos causados ao meio ambiente e à sociedade pelas atividades econômicas. Reestruturar taxas, favorecendo as tecnologias e práticas mais limpas, seria uma forma de se contrapor a essa lógica.
Em quase 40 anos dedicados à militância, o especialista tem se empenhado em mostrar uma visão de futuro sustentável e os meios para torná-lo possível. Em 1974, fundou o Worldwatch Institute, uma organização sem fins lucrativos dedicada à análise das questões ambientais globais. Em 1984, lançou a série de relatórios “O Estado do Mundo”, que alcançaram status semi-oficial, transformando-se em “Bíblia” do movimento ambiental.
Em 2001, Brown criou a Earth Policy Institute, uma organização que dissemina informações ambientais por meio de uma rede mundial de editores e pelos meios de comunicação, principalmente internet.
O especialista, que virá ao Brasil na próxima edição do Fórum Internacional de Energia Renovável e Sustentabilidade, o Ecopower - realizado de 19 a 21 de novembro, em Santa Catarina - concedeu uma entrevista exclusiva à Idéia Socioambiental, na qual abordou, entre outros temas, as medidas necessárias para tornar a economia mais sustentável.
Eis a entrevista.
Um estudo recente da UNEP mostrou que combater o aquecimento global pode ajudar a criar novos empregos. Partindo dessa premissa, o senhor acredita que a crise financeira atual, de alguma forma, pode ser uma oportunidade para rever o modelo econômico e conduzir a economia para a sustentabilidade?
Com as fontes renováveis de energia em desenvolvimento há uma oportunidade enorme para criar postos de trabalho. Na Alemanha, divulgou-se que o número de postos criados por capacidade de produção de megawatt de energia elétrica, vinda de energia eólica ou solar, é dez vezes maior do que em usinas termoelétricas de carvão ou nucleares.
Vejamos a situação dos Estados Unidos. Só na transição de fontes de energia, saindo dos combustíveis fósseis, a projeção é de sete milhões de empregos gerados. Precisaremos de um número enorme de carpinteiros, encanadores e eletricistas para instalar aquecedores de água solares e células de energia solar. Vamos precisar também de todo tipo de novos profissionais. Temos aí uma enorme oportunidade de desenvolver e expandir a economia. Basta que tanto os países como as empresas tenham a capacidade de enxergar mais longe e começar a investir nessas tecnologias.
Na sua opinião, quais são os principais desafios para construir uma economia de baixa emissão de carbono?
Uma das coisas que o mercado não faz é incorporar impactos indiretos da queima de combustíveis fósseis. Se reestruturarmos os impostos, abaixando o imposto de renda e aumentando a taxação sobre atividades ambientalmente destrutivas, podemos levar o mercado a dizer a verdade ambiental. Ao fazermos isso, a economia energética começará, muito rapidamente, a se reestruturar e responder aos sinais de preço do mercado. Essa é a medida mais importante que podemos tomar para nos mover em direção a uma economia de baixa emissão de carbono. Enquanto isso, precisamos subsidiar o desenvolvimento das fontes renováveis de energia – eólica, solar e geotérmica – com impostos mais atraentes.
E como fica o Protocolo de Kyoto nessa perspectiva?
Minha conclusão é que acordos climáticos, negociados internacionalmente, não dão certo. Nenhum governo concorda em fazer mais do que os outros países se dispõem a fazer. O resultado disso é um acordo com padrões mínimos. O próprio Protocolo de Kyoto é um exemplo. Deveríamos ter nos afastado dele com algumas metas de cortes de emissões dramáticas, mas não o fizemos. Acredito que não temos tempo para continuar negociando novos acordos climáticos para reduzir as emissões de carbono. Por isso, temos que pensar em uma maneira de diminuir drasticamente as emissões de carbono, como aponto no meu recente livro, Plan B: 3.0.
E qual o caminho alternativo aos acordos internacionais?
Acredito que os governos locais começarão a passar por etapas para cortar suas emissões rapidamente.
Nos EUA, vimos um extraordinário movimento político em oposição às novas usinas termoelétricas alimentadas com carvão. E esse movimento influenciou Wall Street. Alguns dos maiores financiadores, como o JP Morgan, CitiBank, Morgan Stanley e outros criaram o “Carbon Principles” e afirmaram que não financiarão mais empresas de energia para a construção de novas usinas termoelétricas de carvão. Acho que assim cortaremos dramaticamente as emissões de carbono. Não porque passamos anos e anos negociando acordos internacionais, mas porque localmente, começam a surgir medidas para cortar emissões.
Grandes companhias têm lançado linhas de produtos sustentáveis, por exemplo, a General Electric, com a Ecoimagination. Como o senhor enxerga o movimento corporativo nessa área? A sustentabilidade empresarial veio para ficar?
Praticamente toda grande corporação, em todo o mundo, está tentando se tornar verde de um jeito ou de outro. Mas as empresas têm a obrigação de gerar retorno aos seus acionistas. Por isso, são dependentes dos preços como sinais do mercado para tomarem decisões. Precisamos pressionar o mercado a dizer a verdade ambiental, a partir da reestruturação do sistema tributário. Essa é a chave para se criar um futuro sustentável.
Principais áreas que exigirão mudanças e profissionais com novos conhecimentos:
Suprimentos energéticos: Energia renovável, Indústria de biodiesel, Indústria de combustíveis fósseis, Captura de carbono
Construções: Eficiência energética, Edifícios verdes, Retroffiting (modernização de máquinas e ferramentas), Produção de componentes para edifícios eficientes
Transporte: Ferrovias, Trânsito urbano de massa, Automóveis, Carros de duas e três rodas
Indústria Básica: Metal, Alumínio, Cimento, Polpa e Papel, Reciclagem.
Alimentação e agricultura: Produção orgânica, Agricultura urbana, Pequenas produções sustentáveis, Pagamento por serviços ambientais / Gestão de reservas naturais aprimorada, Adaptação às mudanças climáticas.
Florestas: Reflorestamento / Desmatamento, Sistema de agro-floresta, Gestão de florestas sustentáveis (SFM)
O Plano B de Lester Brown propõe:
* Erradicar a pobreza, estabilizando a população
* Restaurar o planeta
* Alimentar bem oito bilhões de pessoas
* Planejar cidades para as pessoas
* Criar eficiência energética
* Mudar a matriz energética para energia renovável
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