DINHEIRO POR LIXO
Paul Krugman, New York Times, 21 de setembro de 2008
Alguns céticos estão chamando o plano de resgate de U$ 700 bilhões de Henry Paulson para o sistema financeiro de "dinheiro por lixo". Outros estão chamando a legislação proposta de Autorização para Usar a Força Financeira, lembrando a Autorização para o Uso de Força Militar, a lei infame que deu ao governo Bush luz verde para invadir o Iraque.
Há justiça nas piadas. Todo mundo concorda que algo importante precisa ser feito. Mas o mr. Paulson está pedindo um poder extraordinário para si mesmo -- e para seu sucessor -- para usar dinheiro do contribuinte em um plano que, até onde posso ver, não faz sentido.
Alguns dizem que deveríamos simplesmente acreditar em mr. Paulson, já que ele é um cara inteligente que sabe o que está fazendo. Mas isso é apenas uma meia-verdade: ele é um cara inteligente mas o que, na experiência dos últimos dezoito meses -- um período no qual o sr. Paulson repetidamente declarou que a crise financeira estava "contida" e em seguida ofereceu uma série de consertos mal sucedidos -- justifica a crença de que ele sabe o que está fazendo? Ele está inventando dia-a-dia, como todos nós.
Então pensemos por nós mesmos. Eu tenho uma visão de quatro passos para esta crise financeira:
1. O estouro da bolha do mercado financeiro causou a disparada na inadimplência e na perda de imóveis, que por sua vez levou ao desabamento do preço de papéis ligados às hipotecas -- bens cujo valor estavam ligados ao pagamento dos financiamentos.
2. Essas perdas financeiras deixaram muitas instituições com pouco capital -- poucos bens em comparação com sua dívida. Esse problema é especialmente severo porque todo mundo se carregou de dívida durante os anos da bolha.
3. Já que as instituições financeiras têm pouco capital em relação à dívida, elas não são capazes ou não querem dar o crédito necessário à economia.
4. As instituições financeiras vem tentando pagar suas dívidas vendendo bens, inclusive os papéis ligados às hipotecas, mas isso faz com que os preços dos bens caiam ainda mais e deixam as instituições em pior situação financeira. Esse círculo vicioso é às vezes chamado de "paradoxo do desalavancamento".
O plano do Paulson prevê que o governo federal compre até U$ 700 bilhões em bens, especialmente os papéis ligados às hipotecas. Como é que isso resolve a crise?
Bem, pode -- pode -- quebrar o círculo vicioso do desalavancamento, passo 4 de minha receita. Mesmo isso não está claro: os preços de muitos bens, não daqueles que o Tesouro se propõe a comprar, estão sob pressão. E mesmo se o círculo vicioso for limitado, o sistema financeiro continuará com a capitalização inadequada.
Ou, de fato, ficará mal das pernas por falta de capital, a não ser que o governo federal pague acima do valor pelos bens que está comprando, dando às firmas financeiras -- e seus acionistas e executivos -- um lucro gigantesco à custa dos contribuintes. Eu mencionei que não gosto desse plano?
A lógica dessa crise parece pedir por uma intervenção não no passo 4, mas no passo 2: o sistema financeiro precisa de mais capital. E se o governo vai providenciar capital às empresas, deveria conseguir o que as pessoas que dão capital têm direito -- uma parcela da propriedade, para que todos os ganhos do plano de resgate não sejam transferidos àqueles que causaram a confusão em primeiro lugar.
Mas o mr. Paulson insiste que quer um plano "limpo". "Limpo", nesse contexto, significa o salvamento financiado por dinheiro do contribuinte sem compromisso -- sem compromisso da parte daqueles que estão sendo salvos. Por que isso é bom? Acrescente a isso o fato de que mr. Paulson está pedindo autoridade ditatorial, mais imunidade "de qualquer tribunal ou agência administrativa", e essa é uma proposta inaceitável.
Entendo que o Congresso esteja sob imensa pressão para concordar com o plano de mr. Paulson nos próximos dias, com pequenas alterações que fariam desse um plano menos ruim. Basicamente, depois de um ano e meio dizendo a todos que as coisas estavam sob controle, o governo Bush diz que o céu está desabando e que para salvar o mundo é preciso fazer tudo o que o governo diz agora, agora, agora.
Eu pediria ao Congresso que parasse por um minuto, respirasse profundamente e tentasse seriamente reescrever a estrutura do plano, fazendo dele um projeto que ataque o problema real. Não sejam atropelados -- se o plano for aprovado no formato atual nós todos estaremos arrependidos em um futuro não muito distante.
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