“Se estamos fazendo pesquisas é porque não sabemos a resposta e a natureza: as coisas são como são. O que menos entendemos é o vazio. Nem sequer compreendemos ainda a fundo a diferença entre o vazio e o nada”. A afirmação é de Álvaro de Rújula, físico teórico do Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), no artigo publicado no jornal El País, 24-09-2008. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Tiremos os móveis da casa, apaguemos as luzes e saiamos. Fechemos o recinto, esfriemos as paredes a zero absoluto e extraiamos até a última partícula de ar, de modo que não fique nada. Nada? Não, estritamente falando, o que preparamos é um volume cheio de vazio. E digo cheio com propriedade. Talvez a segunda mais surpreendente descoberta da física seja que o vazio, aparentemente, não é o nada, mas uma substância. Embora não como as outras...
No começo do século passado, Einstein acreditava que o Universo era estático. Preocupado com o fato de que teria que colidir – devido à atração gravitacional de cada galáxia sobre as demais – ocorreu-lhe uma peregrina idéia: acrescentar às suas equações a Constante Cosmológica. A interpretação moderna desta estranha intrusa é que se trata da densidade de energia do vazio, também chamada de energia obscura, talvez para aproximar ciência e ficção, ou quinta-essência, para dar um toque alquimista à coisa. Tudo o que tem energia exerce uma ação gravitacional, mas a energia do vazio, diferentemente de qualquer outra, pode ser repelente. O que Einstein propunha é que dois volumes de vazio cósmico se repeliriam exatamente tanto quanto as galáxias que contêm se atraem, resultando num equilíbrio difícil de acreditar e instável.
Um belo dia, Einstein se inteirou de que o universo estava em expansão. Era isso que demonstrava a fuga das galáxias, observada por Edwin Hubble e outros. Ou melhor, por outros e Hubble: muitas vezes, na ciência, o importante não é ser o primeiro, mas o último, que é quem leva a fama (como em outros campos; veja-se o caso de Colombo e os vikings, ou os indígenas que já estavam ali). Imediatamente, o tio Albert qualificou sua idéia como a maior derrapada de sua vida.
Recentes observações cosmológicas indicam que o universo está em expansão acelerada. As galáxias não se comportam como flechas, mas como foguetes propulsados por algo. A analogia não é boa, porque o conceito é difícil. As galáxias não fogem, já estão estabilizadas por sua própria gravidade e têm um tamanho fixo. Mas o espaço (ou o vazio) entre elas, se alonga. É como se alguém tomasse a Terra por globo e a inflasse: amanhã Barcelona estaria ainda mais distante de Huelva. Quem infla o universo seria a densidade de energia do vazio. O vazio seria, pois, uma substância ativa, capaz de exercer uma repulsão gravitacional, inclusive sobre si mesmo. Não foi um erro, mas um golaço de Einstein.
A Constante Cosmológica apresenta um aspecto tranqüilizante. Se domina a dinâmica do universo agora, o fará no futuro durante muitíssimo mais tempo que os meros 14 bilhões de anos transcorridos desde que este nosso cosmos nasceu. Um nenê bem equipado, com seus próprios espaço e tempo e até seu próprio vazio, que – segundo a muito bem confirmada relatividade de Einstein – nasceram com ele. A atual inflação do universo implica, perdoem-me o galicismo, em que o céu não vai desmoronar sobre nós. Má notícia para futuros cosmólogos. As galáxias distantes estarão tão distantes que não poderão nem ser vistas. Eles terão que estudar cosmologia em livros de história.
Se o vazio contém algo do que não podemos esvaziar (sua densidade de energia), talvez esse algo possa fazer algo mais. Ao menos isso supuseram, já há décadas, Peter Higgs e outros. Ou outros e Higgs, se poderia de novo argüir; o que não farei. A substância do vazio, chamada na variada linguagem dos físicos um campo que o permeia, poderia interagir com as partículas que ali se encontrarem. E interagir de modo diferente com cada tipo de partícula, gerando assim suas massas, que fazem com que sejam como são. Essa é a origem das massas no Modelo Padrão das partículas elementares, que explica com sucesso insuportável suas outras propriedades e interações não gravitacionais. Disse insuportável porque aos cientistas inquietam mais as perguntas que as respostas.
A substância do vazio daria assim resposta a duas muito candentes questões da física: uma, no extremo do maior – o cosmo – e outra no do menor, as partículas elementares que – por definição – são tão pequenas que, se têm partes, não o sabemos.
Empreguei algumas condicionais porque nem tudo o que escrevi já está provado empiricamente de maneira irrefutável. Que direção estão tomando as pesquisas hoje? Os cosmólogos têm muitas observações projetadas para averiguar se a expansão acelerada do universo se deve à energia do vazio, assim como intuiu Einstein, ou a algo que só se parece com isso. Os estudiosos das partículas estão colocando em marcha o Grande Colisor de Hádrons (LHC) do CERN para, entre outras razões, estudar o vazio com brutalidade: sacudindo-o.
Ao sacudir uma substância qualquer, ela vibra. As vibrações de campos elétricos e magnéticos, por exemplo, são a luz. A um nível elementar, as vibrações são quantums, entes que podem comportar-se como ondas ou como partículas (ou bolinhas de gude): fótons, no caso da luz. Se o vazio for uma substância, podemos fazê-la vibrar. Basta sacudi-la, como fará o LHC, com energia suficiente para transformar a energia de suas colisões em partículas de Higgs que, se existirem, têm uma massa elevada... e E=mc2, disse alguém.
A partícula de Higgs é uma vibração do vazio, não no vazio, como as demais. Seria, pois, o nunca visto. Assim mesmo, Higgs preferiria que não batizássemos a sua partícula de goddamned particle [partícula maldita] ou de God particle [partícula divina], adjetivos pouco científicos.
O vazio sempre fascinou os físicos. Há um século se tratava do éter, a interpretação do vazio como a trama do espaço absoluto, que a teoria da relatividade enviou à deriva. O éter não estava apoiado em nenhuma teoria decente. Um século depois, as novas teorias do vazio são o que de mais razoável e melhor comprovado temos. Mas há um pequeno deslize no que disse. Acreditamos entender suficientemente bem o Modelo Padrão para avaliar o quanto o campo de Higgs deveria contribuir para a densidade de energia do vazio observada pelos cosmólogos. O resultado são cerca de 54 (cinqüenta e quatro!) ordens de magnitude superior às observações. Tem seu mérito incorrer em tamanha contradição.
Se estamos fazendo pesquisas é porque não sabemos a resposta e a natureza: as coisas são como são. O que menos entendemos é o vazio. Nem sequer compreendemos ainda a fundo a diferença entre o vazio e o nada.
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