Da Revista Época
O juiz afirma que sofreu pressão para recuar no caso que levou à prisão de Daniel DantasWálter Nunes
O juiz federal Fausto de Sanctis estava agitado na tarde da quinta-feira. Ele acabara de prestar um depoimento de três horas à Polícia Federal sobre sua atuação na Operação Satiagraha, que investiga o banqueiro Daniel Dantas por crimes financeiros. Em julho, De Sanctis mandou prender Dantas duas vezes. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, concedeu dois habeas corpus para soltá-lo. Instalou-se uma crise no Judiciário, agravada por uma acusação da desembargadora Suzana Camargo, vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 3a Região. Ela disse à PF que ouviu de De Sanctis trechos de uma conversa telefônica de Gilmar gravada ilegalmente. De Sanctis nega ter dito isso à colega, afirma ter testemunhas da conversa e diz que ela tentou pressioná-lo para manter Dantas solto.
Frederic Jean
ÉPOCA – A desembargadora Suzana Camargo disse em depoimento à PF que ouviu do senhor o conteúdo de conversas gravadas ilegalmente envolvendo o presidente do STF, Gilmar Mendes. Isso aconteceu?
Fausto De Sanctis – Nunca soube da existência de grampo ilegal ou clandestino. Evidentemente, não determinei nenhuma interceptação telefônica ou telemática (de e-mail ou de dados digitais) do ministro Gilmar Mendes ou de seu gabinete, até porque não tenho tal competência. Também nunca recebi “informes” nesse sentido. As únicas interceptações telefônicas ou telemáticas por mim autorizadas tinham como alvo pessoas supostamente ligadas ao grupo Opportunity.
ÉPOCA – Mas o senhor conversou com a desembargadora?
De Sanctis – Sim, na tarde de 10 de julho. Ela telefonou, mas não pude atendê-la. Retornei depois sua ligação.
ÉPOCA – Sobre o que vocês conversaram?
De Sanctis – Não gostaria de fazer qualquer juízo sobre a conduta de meus colegas, que sempre admirei e respeitei, aí incluindo a desembargadora Suzana Camargo. Mas eu me surpreendi com o teor da conversa, já que a desembargadora começou o diálogo invocando sua condição de amiga pessoal do ministro Gilmar Mendes. Ela me disse que ele estava irado com a notícia de que eu teria decretado a prisão preventiva de Daniel Dantas e gostaria de confirmar essa decisão. Confirmei que havia, de fato, decretado a prisão preventiva. Disse quais eram as bases legais e, principalmente, que havia fatos novos, elementos obtidos na busca e apreensão.
ÉPOCA – Acabou aí a conversa?
De Sanctis – Em seguida fui novamente surpreendido com o apelo da desembargadora para que eu voltasse atrás em minha decisão. Ela insistia que o ministro Gilmar Mendes estava irado. Respondi-lhe que minha decisão estava fundamentada, era fruto de minha convicção e que, em hipótese alguma, voltaria atrás. Diante de uma última insistência da desembargadora, reafirmei que não reconsideraria e que, inclusive, o mandado de prisão já havia sido expedido e encaminhado. Estavam presentes na minha sala três servidores que, com certeza, ouviram as respostas que eu dava às perguntas formuladas pela desembargadora.
ÉPOCA – Ela diz no depoimento que ouviu do senhor a afirmação de que haveria “sujeira” no STF e de que o ministro Gilmar Mendes o teria chamado de “incompetente”. É verdade?
De Sanctis – Também não houve isso. Em momento algum eu disse à desembargadora que sabia que o ministro me qualificara como incompetente.
ÉPOCA – Foi noticiado pela imprensa que existiria uma gravação em vídeo de um jantar entre advogados dos investigados e assessores do ministro Gilmar Mendes. O senhor soube de algo?
De Sanctis – Nunca soube. O que sei é o conteúdo das investigações. Tive conhecimento de tal fato pela imprensa.
ÉPOCA – Na investigação há alguma citação ao ministro Gilmar Mendes?
De Sanctis – Minha convicção pessoal é no sentido de que essas informações, por sua natureza, não podem ser reveladas, pois configuraria uma quebra do sigilo do processo e, inclusive, nesse sentido foram as minhas informações prestadas em habeas corpus ao TRF da 3a Região, ao Superior Tribunal de Justiça e ao STF. Reforço que nenhuma informação obtida das investigações constante dos autos decorreu de interceptação telefônica ou telemática de linhas ou computadores do gabinete do ministro Gilmar Mendes ou de qualquer outra autoridade com prerrogativa de função.
ÉPOCA – O senhor foi acusado de ser muito próximo das pessoas que investigam os crimes que o senhor julga, sobretudo do delegado Protógenes Queiroz. Isso prejudicaria sua posição de magistrado. Qual é sua relação com o delegado Protógenes?
De Sanctis – Nunca tive nenhum contato com ele fora do meu gabinete e só o recebi durante as investigações (de fevereiro de 2007 a julho de 2008) por uma ou duas vezes. Todas as representações eram formuladas por ofícios. Não temos relação de amizade.
ÉPOCA – Outra crítica é que o senhor autoriza indiscriminadamente quebras de sigilo telefônico nas investigações.
De Sanctis – De forma alguma. Fiz vários pedidos de explicações à autoridade policial e neguei algumas quebras ou prorrogações, como também aceitei vários pedidos. Tudo está registrado nas decisões, que nada têm a ver com as conclusões da polícia e do Ministério Público Federal, mas sempre de acordo com a convicção e a interpretação da lei. Tudo é feito com critério e dedicação, caso a caso.
ÉPOCA – O deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE) fez uma representação contra o senhor no Conselho Nacional de Justiça. Como o senhor encara essa representação?
De Sanctis – Antes, fui chamado a ser ouvido como testemunha de grampos ilegais. Observe que, como juiz, que representa a legalidade, fui ouvido, não me opus a depor. E mais: fiz questão de firmar compromisso com a verdade antes do depoimento. Não quero que nada fique sem esclarecimentos. Mas deve causar perplexidade, não apenas a mim, mas à Justiça como um todo, um ofício da CPI questionando decisões judiciais e partindo já de afirmações de prática de toda sorte de ilegalidades. Deve-se respeitar o Poder Legislativo. Não se pode brincar de ser sério. Mas deve-se respeitar da mesma maneira o Poder Judiciário. Os juízes de primeiro grau estão sendo qualificados de maneira gravemente pejorativa.
ÉPOCA – Mas e o teor da representação no CNJ? Segundo o deputado Jungmann, o senhor distribui indiscriminadamente senhas de identificação telefônica.
De Sanctis – As senhas são pessoais, intransferíveis e específicas da operação que estiver em curso. Elas permitem que a autoridade policial, ou o agente por ela indicado, tenha acesso aos dados cadastrais daquele que ligou para o investigado, mas apenas no caso de conversas com teor suspeito. Todo acesso é registrado, ou no computador ou mediante gravação telefônica. Quem fizer uso abusivo pode ser facilmente identificado. A senha nada tem a ver com a quebra da interceptação telefônica (escutas).(...)
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