O presidente mexicano e os principais funcionários da área assumiram publicamente que os aparelhos de segurança e os governos municipais, estatais e federais estão cooptados até a medula.
A reportagem é de Gerardo Albarrán de Alba, do jornal argentino Página/12, 25-09-2008. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Estado mexicano é incapaz de garantir a segurança de seus cidadãos, reconheceu o governo de direita de Felipe Calderón, cuja impotência e ineficácia contra o crime organizado ficaram expostas durantes dois dias consecutivos pelos secretários de Governo e Segurança Pública, junto com o procurado geral da República, em pouco mais de 10 horas de depoimentos diante de legisladores.
Há mais de uma semana do ataque com granadas contra civis em uma praça pública na cidade de Morelia, cujo saldo elevou-se no sábado a oito mortos, nenhum dos três funcionários teve uma só resposta satisfatória para deputados e senadores sobre as investigações realizadas. Na realidade, o que eles fizeram foi mostrar-se derrotados, pois aceitaram que os aparelhos de segurança e os governos municipais, estatais e o federal estão cooptados até a medula.
“Enquanto as polícias estejam infiltradas, não podemos, plenamente, garantir a segurança” da população mexicana, reconheceu o secretário de Governo, Juan Camilo Mouriño, que também admitiu a alta probabilidade de que o narcotráfico financie campanhas políticas nas próximas eleições federais de deputados e senadores, assim como uma dezena de governos estatais e congressos locais em 2009. No que muitos analistas não souberam definir se se tratava de reconhecimento da debilidade governamental ou de um grande cinismo político, o responsável pela segurança interna do país e os outros dois responsáveis pela segurança pública se negaram a renunciar a seus cargos, depois das denúncias da oposição, que mais de uma vez lhes exigiu separar-se de seus cargos diante de sua evidente incapacidade. O secretário de Governo, pelo menos, assumiu que, nessas circunstâncias, o governo de Calderón “também não (pode) gozar da confiança dos cidadãos”.
Tal confiança parte não apenas da desproporcional escalada de violência que aflige o país desde o final de 2006, que custou a vida de mais de três mil pessoas, mas também de sinalizações diretas dos cartéis do narcotráfico que, nas últimas semanas, denunciaram a existência de pactos criminais realizados com funcionários públicos, assim como a corrupção generalizada em todos os níveis do governo.
No entanto, na terça-feira, o secretário de Segurança Pública, Genaro García Luna, e o procurador Eduardo Medina Mora negaram diante dos senadores que a administração de Calderón tenha realizado pactos com narcotraficantes ou que vá realizá-los, como os principais cartéis da droga os acusaram nos últimos meses: batem em um grupo enquanto protegem outro. Porém, reconheceram que todas as polícias do país estão infiltradas pelo crime organizado e, o que é pior, que pelo menos dois mil policiais ganharam proteção para ser reinstalados em seus postos, depois de serem despedidos por corrupção.
De passagem, advertiram que ninguém deve esperar resultados efetivos quando se cumpram os cem dias do Acordo Nacional pela Segurança, pela Justiça e pela Legalidade, ainda que os três níveis do governo tenham se comprometido com sua assinatura. “Não vamos ver uma mudança substancial. O que vamos ver é se as instituições públicas do Executivo federal, as entidades federativas, os outros poderes colocaram em marcha ou não os processos que vão levar ao cumprimento desses objetivos”, disse o procurador Medina Mora. O prazo vence no dia 2 de dezembro.
Ontem, as baterias dos deputados se centraram no secretário de Governo, pois o secretário de Segurança Pública e o procurador geral da República haviam sido questionados na véspera, no Senado da República. De qualquer forma, a ala civil do gabinete de segurança de Felipe Calderón foi protegida sem constrangimento pelos deputados do governista PAN e seus aliados do contraditoriamente direitista Partido Verde. Mas nem assim saíram beneficiados. Mouriño teve que reconhecer inclusive a incapacidade do Centro de Investigação e Segurança Nacional (Cisen, a polícia política do regime) para combater o crime organizado, enquanto o procurador insistia que já não se trata de uma disjuntiva entre pacto ou violência: “a violência já está aí”.
Diante do pleno dos deputados, os funcionários exasperaram a oposição, que gritava em coro sua exigência de que cúmplices e corruptos renunciem, por serem ineficientes. Apesar de que no começo do seu depoimento juraram dizer a verdade, todas as suas respostas vinham preparadas em cartões, e eles as liam de cor, sem sair nem um só momento de seu roteiro. Todas as vezes que não tiveram uma saída preparada, simplesmente ignoraram os questionamentos.
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