Integrantes do governo se apressaram, nos últimos dias, em afirmar que o problema das empresas exportadoras com aplicações em derivativos cambiais estava resolvido. A realidade, infelizmente, não é essa. Houve forte redução, no mercado interno, de posições vendidas em dólar, mas, como as operações mais vultosas com derivativos foram feitas lá fora, com bancos estrangeiros, não se sabe ainda o tamanho do rombo. Este não é um problema isolado. Ele ajuda a agravar a escassez de crédito que ameaça colocar o país em recessão.
A reportagem é de Cristiano Romero e publicada pelo jornal Valor, 05-11-2008.
A entrada do Brasil na crise internacional teve dois momentos: um antes e outro depois da quebra do banco Lehman Brothers. Antes, imaginava-se que a crise atingiria o país via transações correntes. Uma maior remessa de lucros, a queda dos preços das commodities e a diminuição das exportações elevariam o déficit externo. O ajuste seria feito pela taxa de câmbio, com a desvalorização do real frente ao dólar. No pior cenário, isso alimentaria a inflação e obrigaria o Banco Central (BC) a aumentar os juros, reduzindo a taxa de crescimento da economia, mas possivelmente sem provocar recessão.
Depois da queda do Lehman, episódio que mudou o padrão da crise, na medida em que as autoridades americanas decidiram cruzar os braços, ao contrário do que fizeram em março quando outro banco (o Bear Stearns) quebrou, a turbulência tomou novo ímpeto e atingiu o Brasil, e outras economias emergentes, de forma inesperada. O crédito externo simplesmente secou. Como a economia brasileira vinha, nos últimos dois anos, recorrendo fortemente a essa forma de funding para financiar o comércio exterior, o baque foi imediato.
Como informa o economista Luiz Guilherme Schymura na Carta do Ibre deste mês, a diferença entre o câmbio contratado e o embarcado, somando exportações e importações, foi da ordem de US$ 80 bilhões nos últimos 24 meses. Com o desaparecimento das linhas externas, cresceu a demanda por crédito dentro do país, elevando as taxas dos CDBs. Obrigados a remunerar mais pelos CDBs que emitiam, bancos pequenos e médios perderam rentabilidade numa ponta e ficaram impedidos de ganhar na outra (em geral, esses bancos operam com empréstimos consignados, cujos juros são limitados pelo governo).
Com o agravamento da crise, as remessas ao exterior aceleraram e o dólar se tornou moeda escassa, empurrando o real para um autêntico overshooting. Empresas exportadoras que haviam montado, interna e externamente, posições em derivativos cambiais passaram a sofrer, como se viu, pesadas perdas, com reflexos sobre a oferta de crédito na economia como um todo. "Em conseqüência desses prejuízos, vários bancos que intermediavam aquelas operações tiveram, por razões contratuais, de financiar chamadas de margem na BM&F, sugando ainda mais a liquidez já escassa", diz Schymura na Carta do Ibre.
Não foram apenas os bancos envolvidos nas operações cambiais que passaram a empoçar a liquidez. Como ninguém sabe, e esta é efetivamente uma falha de regulação, o tamanho da exposição total das empresas em derivativos, a incerteza gerou receio. Sem saber quanto as empresas perderam no exterior - elas não são obrigadas a dar essa informação aqui dentro -, os bancos preferiram não emprestar. "Nesse ambiente, bancos e empresas começaram a elevar o caixa. Com isso, a oferta de crédito, inclusive para capital de giro, desabou", diz Elsom Yassuda, analista do banco Credit Suisse Hedging-Griffo.
Os setores com maior grau de alavancagem, margem mais baixa de lucro e descasamento entre ativos e passivos estão sofrendo mais que os outros. Nesse cenário, os riscos de inadimplência aumentaram, o que obriga os bancos a serem ainda mais prudentes na concessão de crédito. Companhias encrencadas com câmbio estão renegociando seus contratos com os bancos. Isso é positivo, mas tem efeito colateral: as perdas estão se transformando em crédito dos bancos a essas empresas, tornando ainda mais escassos os recursos para crédito novo.
"A incerteza em relação aos riscos mais sistêmicos, a necessidade de renegociar parte desses prejuízos e o encurtamento das linhas externas explicam essa forte contração na oferta de crédito que estamos vendo", resume Yassuda, um observador perspicaz da crise atual e de seus efeitos sobre o Brasil.
A natureza da crise, que combina escassez de crédito e volatilidade do câmbio, explica a reação persistente do Banco Central. Todas as medidas adotadas pela instituição até agora procuram atacar as dificuldades de crédito e evitar a criação de uma dinâmica autônoma no mercado cambial. O BC já colheu resultados positivos da segunda tarefa - a volatilidade do dólar diminuiu sensivelmente nos últimos dias. No caso da primeira, mais complicada e crucial, a luta continua.
A boa notícia é que o arsenal do BC é considerável. Para mencionar apenas duas possibilidades, o recolhimento compulsório sobre depósitos à vista ainda é muito alto (47%) e a taxa básica de juros (Selic), que está em 13,75% ao ano, tem espaço para diminuir (a depender da inflação, claro), caso se materialize uma recessão. A má notícia é que o tempo está correndo...
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