"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, novembro 06, 2008

Um Bacen sem parâmetros

Blog do Luis Nassif - 04/11/08

Por Leão

Nassif,

vale a pena dar uma lida na matéreia "A iliquidez da política monetária" de José Roberto Afonso da UFRJ e de Geraldo Biasoto Junior da Unicamp, na A14 do Valor de hoje. O título diz tudo.

A iliquidez da política monetária

José Roberto Afonso e Geraldo Biasoto Junior

04/11/2008



(...) Abandonar dogmas e reconstruir instrumentos de controle são tarefas urgentes das autoridades econômicas. As brasileiras ainda não se aperceberam do real tamanho do desafio que precisam superar, pois não acreditamos que tentariam fugir a suas responsabilidades (até porque seria impossível na crise). Um bom retrato vem da idéia difundida pelo presidente do Banco Central, de que: "política monetária visa controlar a inflação com seu instrumento fundamental que é a taxa de juros base. Não devemos (sic) confundir isso com a gestão de liquidez".

A confusão está nos conceitos e na compreensão do enfrentamento desta crise. Manuais de finanças e apresentações no próprio sítio do Bacen ensinam que política monetária, em geral, é conduzida por meio de três instrumentos: a) as operações de mercado aberto, mediante as quais a autoridade monetária busca atingir sua meta operacional e fazer a gestão diária da liquidez do sistema; b) o redesconto, que é a válvula de segurança à disposição dos bancos para solucionar problemas de caixa ao final do dia; e c) os recolhimentos compulsórios, usados para limitar a capacidade de criação de crédito pelos bancos aos agentes não-bancários. Como as intervenções do Banco Central no mercado monetário são realizadas por meio do sistema bancário, os problemas de liquidez dos bancos (e das empresas) e de política monetária são intrinsecamente relacionados.

Desconhecer a complementaridade dos instrumentos pode ser fatal. A redução das alíquotas dos recolhimentos compulsórios, mantida alta a taxa de juros, pode ser inócua. Os bancos podem simplesmente decidir não dar crédito, dado que o risco envolvido em um empréstimo depende, entre outros fatores, da taxa de juros vigente e das expectativas quanto à sua trajetória futura. Aliás, as políticas adotadas pelos bancos centrais do mundo todo indicam que a taxa de juros e a gestão de liquidez são peças de uma mesma política de recuperação dos fluxos de crédito no sistema. As injeções de recursos têm sido acompanhadas de fortes cortes nas taxas de juros.

Numa situação como a atual, de radical aversão ao risco e total empoçamento da liquidez nas instituições de maior porte, um aumento adicional dos juros piorará ainda mais as condições de crédito, tanto para empresas como para bancos de médio e pequeno porte, acelerando nosso caminho para a recessão.

Mais relevante do que uma bizantina discussão sobre conteúdo da política monetária no meio do furacão é questionar se uma das principais autoridades econômicas do país ainda não atentou que conceitos e formas de fazer política econômica que prevaleceram nos últimos anos, num ambiente econômico específico, não podem ser transpostas para um quadro radicalmente distinto. A abundância de recursos externos e o regime de metas de inflação reduziram e resumiram a política monetária dos últimos anos à fixação da taxa de juros básica - a Selic. Não se fez política monetária, mas apenas se gerenciou a relação entre a taxa de juros e taxa de câmbio para incentivar a entrada de capitais e controlar a inflação. Nem a liquidez do interbancário, nem o crédito ao setor produtivo, nem as inovações financeiras foram objeto da ação do Bacen. Não por acaso, a grande "inovação" do sistema bancário brasileiro nos últimos anos foi o crédito consignado à pessoa física.

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