Assim como a crise financeira atingiu dimensões planetárias, também ganharam as mesmas dimensões os programas de socorro aos países com problemas. Um grupo de 300 banqueiros, reunidos no Instituto para Finanças Internacionais, pressionou para que fossem tomadas medidas combinadas entre o Fed e o FMI para dar liquidez ao mercado internacional de dólar, a fim de impedir que os problemas do sistema financeiro dos Estados Unidos e da Europa se espalhassem, prejudicando economias emergentes. Algumas economias mais frágeis, como as do Leste Europeu e a da Islândia, estão recebendo empréstimos em caráter de emergência do FMI, num novo programa que é considerado um dos maiores da história.
O comentário é de Merval Pereira e publicado pelo jornal O Globo, 02-11-2008.
Já o programa de swap cambial do Fed foi concebido para países ameaçados de inadimplência corporativa à medida que os investidores estrangeiros vão embora. Esses países, entre eles Brasil, México e Coréia do Sul, dependem de capital estrangeiro para financiar o comércio e os investimentos.
O economista Claudio Loser, do Centro de Estudos Diálogo Interamericano, de Washington, foi quem melhor resumiu a situação: tanto no Brasil quanto no México, o câmbio se desvalorizou cerca de 40%, um choque muito forte que indica uma debilidade maior do que a prevista, devido à forte vinculação com o mercado de capitais.
Mas foi essa “vinculação forte” com os mercados internacionais que permitiu que nos últimos cinco anos tenha havido, na definição de Ken Rogoff, professor de Harvard, “o mais forte ciclo de expansão da economia mundial, do comércio internacional e da liquidez global da história moderna”.
Um exemplo simples de como esse “cassino”, como o Presidente Lula qualifica o mercado financeiro, ajudou o fortalecimento da economia brasileira. Entre 72 setores da economia, as instituições financeiras foram responsáveis por nada menos que 28% do aumento de arrecadação este ano. Se a elas somarmos o setor de seguros, outra atividade do setor, chega a 1/3 a contribuição do setor no aumento da arrecadação.
O governo Lula movia o “cassino” ao combinar câmbio valorizado e os maiores juros do mundo, mas cobrava um pedágio, arrecadando Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, IOF e contribuições.
Enquanto todos esperavam que a “marolinha” viria do lado bancário, está cada vez mais claro que, no Brasil, ao contrário do resto do mundo, o que está sofrendo mais é o setor real, com o que a equipe econômica não contava.
No Congresso em Brasília não se fala outra coisa, pois a elite parlamentar é composta em grande parte por empresários.
Pelas notícias que chegam a cada dia, os problemas vão do etanol, passando por criação e abate de aves e suínos, até o complexo automobilístico e também o eletrônico: a completa ausência de crédito está provocando paralisia quase absoluta de atividades.
Um exemplo básico das dificuldades peculiares ao Brasil: pintos estão morrendo porque não entregaram rações nas granjas, caso de que não se ouviu falar na Europa ou nos Estados Unidos, e nem mesmo em países vizinhos com maiores dificuldades, com a Argentina.
Uma leitura atenta do noticiário, principalmente nos jornais americanos e ingleses, mostra uma faceta da crise que tem sido mascarada pelas declarações de autoridades brasileiras. O programa de troca de moedas, mais do que um prêmio à boa gestão macroeconômica desses países, como destacou o presidente do Banco Central Henrique Meirelles, ressalta a fragilidade das duas grandes economias da América Latina, segundo analistas.
Um desses, Steve Hanke, especialista em mercados emergentes do Cato Institute de Washington e professor da Universidade Johns Hopkins, diz que a decisão do Fed mostra que as moedas “são o calcanhar de Aquiles destes países” e “nunca serão sustentáveis a longo prazo”.
O grande investidor George Soros, em artigo no Financial Times, sugeriu que os bancos centrais dos países do centro deveriam criar grandes linhas para swaps com os bancos centrais dos países periféricos qualificados, assim como os países dotados de fortes reservas cambiais, como Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, China e Japão, deveriam estabelecer um fundo suplementar de desembolso mais flexível.
Essa “receita” está sendo seguida pelo FMI, que em seus programas atuais está utilizando métodos mais flexíveis e praticamente automáticos, sem tanta dependência das famosas “condicionalidades” que engessavam as economias que recebiam a ajuda do Fundo, criando problemas políticos para os clientes-governos.
George Soros também defendeu no mesmo artigo mais crédito de curto e de longo prazo para permitir que os países com posições fiscais sólidas pratiquem políticas de investimento público anticíclico, na mesma direção que está seguindo o governo brasileiro, que já anunciou que reduzirá o superávit primário para financiar obras do PAC. Para Soros, “apenas o estímulo à demanda interna permitirá eliminar o espectro de uma depressão mundial”.
Ele prevê que poderá fracassar a Cúpula sobre Mercados Financeiros e Economia Mundial, reunião convocada pelo presidente dos Estados Unidos, George Bush, para o próximo dia 15, com os membros do G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá) e mais nações emergentes como Arábia Saudita, África do Sul, Argentina, Austrália, Brasil, China, Coréia do Sul, Índia, Indonésia, México, Rússia e Turquia, se os Estados Unidos não derem o exemplo na proteção aos países periféricos contra uma tempestade que se originou em sua economia.
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