O fantasma da crise econômica que assombra o mundo e o Brasil já chegou a Manaus, cidade cuja economia gravita em torno da Zona Franca, um pólo industrial com 500 empresas que empregam 103 mil pessoas. A partir de agosto, as apreensões com a turbulência internacional começaram a chegar à economia local e em outubro se consolidaram, assustando a população.
A reportagem é de Gustavo Paul e publicada pelo jornal O Globo, 02-11-2008.
Pela primeira vez em 30 anos, 16 empresas marcaram férias coletivas para outubro, deixando 15 mil pessoas em casa.
Como num castelo de cartas, a paralisação começou nas grandes montadoras de motocicletas, espraiouse para os fornecedores de peças, reduziu as corridas de táxi e assustou os comerciantes. Nas pontas mais extremas da cadeia, trouxe prejuízo aos vendedores de sanduíche que vivem da movimentação nas portas das fábricas, e levou a prefeitura a fechar a torneira dos gastos públicos. Os fabricantes de produtos eletroeletrônicos, dependentes de importações para montar seus produtos e preocupados com a oscilação do dólar, reduziram contratações.
As férias coletivas do setor de duas rodas terminam neste fim de semana. Segundo o diretor de Relações Institucionais da Honda, Paulo Takeuschi, a parada foi preventiva, e os dez dias foram suficientes para evitar a formação de um estoque anormal nas revendedoras de todo o país. As montadoras foram atropeladas pela súbita falta de crédito no mercado brasileiro e pelas mudanças das regras de consórcio, que tornaram ainda mais difícil vender o produto no mercado interno.
A Honda, que produz uma motocicleta a cada 18 segundos, cortou 40 mil das 110 mil unidades que entrega mensalmente e não abrirá mão das férias coletivas de dezembro.
— O próximo passo é aguardar como a economia vai se comportar. Mas os investimentos planejados estão mantidos — diz Takeuschi.
A negativa das empresas de que irão promover demissões para se adequar à crise não foi suficiente para acalmar os trabalhadores. Teme-se que novas férias coletivas sejam anunciadas, esticando a tradicional parada de Natal em mais dez dias.
Além disso, dados do sindicato dos metalúrgicos apontam que as demissões este ano estão 12% maiores do que no mesmo período do ano passado. Só em setembro, as homologações cresceram 19%. Neste contexto de crise, as dispensas assumem tons mais dramáticos.
O metalúrgico Edvaldo da Costa Silva Filho, de 23 anos, casado e pai de um menino de 1 ano, foi surpreendido pelo comunicado de que seria um dos 2.358 empregados da Yamaha — 55% do quadro total — a entrar em férias forçadas. Apesar da decisão, a Yamaha garante que os investimentos serão mantidos.
— Teve crise de choro, alguns adiantaram logo para comprar o rancho do mês (cesta básica). O encarregado do setor fez uma reunião para garantir que ninguém vai tomar as contas (ser demitido) — diz o operário.
Edvaldo viu de duas formas a cara feia da crise. Para complementar seu salário, administra uma lan house próxima à sua casa. Desde setembro, o movimento caiu cerca de 25%, obrigando-o a dispensar um dos três ajudantes.
— Nunca tinha visto uma queda de movimento assim. Depois da crise, o pessoal está vindo menos.
Encomendas recuam até 20%
Os sindicalistas já montaram estratégias para o caso de serem necessárias mesmo demissões. O plano, que conta com o apoio do sindicato patronal, é a suspensão de contrato de trabalho, uma prática prevista em lei pela qual se mantêm os trabalhadores em casa recebendo, mas sem trabalhar, e assim os custos das empresas são reduzidos.
— O pior é ter demissões.Temos de encontrar alternativas, e nisso trabalhadores e patrões estão juntos — diz Valdemir Santana, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos.
Se parte das empresas depende de linhas de crédito para vender, outra parcela viu os pedidos dos grandes magazines brasileiros caírem cerca de 20% nesses meses. O presidente do Centro das Indústrias do Amazonas (Cieam), Maurício Loureiro, diretor da fabricante de relógios Technos, admite que os empresários estão preocupados em não repassar o aumento do dólar a seus preços. O próximo passo poderá ser redução da lucratividade ou de custos.
Como em um trem-fantasma, a parte ruim ainda está por vir, e é o que mais preocupa os empresários. Enquanto os últimos três janeiros foram excepcionais, com nível de pedidos e produção acima do normal, não se espera o mesmo em 2009.
— Não há preocupação com 2008. As compras de Natal, financiadas pelo 13o. e pelo dinheiro das férias de fim de ano, estão garantidas. O ano de 2009, porém, é uma incógnita.
Por isso, o comércio local exibe otimismo. O setor espera contratar este ano até seis mil trabalhadores temporários para desovar os estoques e garantir receita para 2009.
O presidente do Clube dos Diretores Lojistas, Azury Benzion, afirma que não existem preocupações a curto prazo, mas admite que nenhum comerciante está relaxado.
Planos de expansão estão sendo postergados e o crédito nas lojas está mais seletivo:
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