"Desde 2002, mais de 80% do que recebemos do exterior, na forma de saldo comercial, foi enviado de volta, na forma de remessas de serviços e rendas. O pequeno saldo restante fica longe de explicar o acúmulo de cerca de US$ 200 bilhões em reservas, alardeado como sinal de solidez", constata Cesar Benjamin, editor da Editora Contraponto, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 01-11-2008. Segundo ele, enquanto "o governo comemorava o "fim da dívida externa", formava-se uma nova dívida mais perigosa.
Para Cesar Benjamin, "o Fed deixará conosco US$ 30 bilhões até abril de 2009, para que possamos segurar a oscilação cambial e acalmar os mercados. O capital de curto prazo, com certeza, entendeu o recado: tem seis meses para ir embora sem maiores perdas. Depois, seja o que Deus quiser".
Eis o artigo.
Escrever sobre a vulnerabilidade da economia brasileira era uma heresia há poucas semanas. Agora, quase se tornou desnecessário. Desabam as mistificações sobre as nossas blindagens. A fase aguda da crise mal começou e já tivemos de recorrer a um empréstimo de US$ 30 bilhões do Fed (o banco central dos EUA), que dispensou intermediários e passou a operar como emprestador de última instância a bancos centrais vulneráveis. Uma consulta a alguns números da economia brasileira mostra por que entramos na primeira lista de países socorridos, ao lado de México, Coréia do Sul e Cingapura.
Desde 2002, mais de 80% do que recebemos do exterior, na forma de saldo comercial, foi enviado de volta, na forma de remessas de serviços e rendas. O pequeno saldo restante fica longe de explicar o acúmulo de cerca de US$ 200 bilhões em reservas, alardeado como sinal de solidez.
A maior parte dessas reservas foi formada com capital externo de curto prazo, atraído ao Brasil pelos juros altos e aqui distribuídos em ativos dotados de elevada liquidez. As reservas brasileiras são a contrapartida de um passivo líquido que, ao se mover, pode reduzi-las a pó. Enquanto o governo comemorava o "fim da dívida externa", formava-se uma nova dívida mais perigosa.
Esse capital de curto prazo não planta um pé de alface. Ao contrário: ao entrar, valoriza o câmbio e contribui para fragilizar o sistema produtivo. Não faltaram advertências sobre isso. Mas a valorização cambial tinha aliados poderosos: ajudava o BC a atingir as metas de inflação, aumentava as remessas de lucros das empresas multinacionais e permitia gigantescos ganhos aos especuladores. Passear com recursos pelo Brasil, remunerando-os com a nossa generosa taxa de juros, e remetê-los em seguida para fora, comprando dólar barato, foi o melhor negócio do mundo nos últimos anos.
Enquanto isso, a nossa pauta de exportações se empobrecia, concentrando-se naqueles produtos em que temos grandes vantagens comparativas -as commodities. Todos sabem que, no longo prazo, isso é perigoso. Porém, um dos subprodutos do ciclo especulativo foi justamente o aumento de preços dessas mercadorias de baixo valor agregado. Nossas exportações estagnaram em quantum, mas cresceram em valor, ocultando temporariamente o problema. Em paralelo, para que os exportadores brasileiros compensassem o câmbio ruim, o BC os estimulou a entrar pesadamente na especulação com moedas. A bolha se disseminou. As advertências de que o arranjo tinha pés de barro foram sistematicamente desqualificadas.
Mesmo com a crise internacional se avolumando desde agosto de 2007, não adotamos salvaguardas.
Colheremos os resultados em 2009. As empresas que tiveram grandes perdas cortarão investimentos. Com a queda nos preços das commodities, o saldo comercial ficará perto de zero. As remessas de recursos ao exterior aumentarão, elevando o déficit externo. O BC adotará políticas recessivas, que provavelmente incluirão um novo choque de juros. Os prejuízos serão repassados ao Tesouro Nacional, contabilizados como déficit público, reforçando o coro favorável a mais uma rodada de cortes em gastos essenciais, como se salários de professores e investimentos em infra-estrutura fossem a causa da crise. É a marcha da insensatez.
O Fed deixará conosco US$ 30 bilhões até abril de 2009, para que possamos segurar a oscilação cambial e acalmar os mercados. O capital de curto prazo, com certeza, entendeu o recado: tem seis meses para ir embora sem maiores perdas. Depois, seja o que Deus quiser.
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