Site do Azenha - Atualizado em 17 de fevereiro de 2009 às 18:57 | Publicado em 17 de fevereiro de 2009 às 18:36
por Ali Abunimah, no The Guardian
Tradução: Caia Fittipaldi
Sempre que há eleições em Israel, a mídia põe-se a repetir o refrão de sempre, de que as esperanças de paz dependeriam do "campo da paz" – antes reunido no partido Labor, mas hoje reunido no Kadima de Tzipi Livni – que se oporia à direita inimiga de qualquer paz, liderada pelo partido Likud.
Isso jamais foi verdade, e menos sentido faz hoje, quando todos os partidos israelenses iniciam conversações para formar novo governo, depois das eleições do dia 10/2. O "campo da paz" ajudou a iniciar o "processo de paz", mas muito mais trabalhou, isso sim, para minar todas as possibilidades de haver algum acordo justo.
Em 1993, Yitzhak Rabin, do Labor, primeiro-ministro, assinou os acordos de Oslo. Ambiguidades no texto do acordo – que não fez qualquer menção a "autodeterminação" ou "independência" para os palestinos, e tampouco considerou a "ocupação – facilitaram que se chegasse a um acordo de curto prazo. Mas logo sobreveio a inevitável confrontação entre expectativas irreconciliáveis.
Enquanto os palestinos esperavam que a Autoridade Palestina, criada pelo acordo, seria o núcleo de um Estado independente, Israel entendia a mesma Autoridade Palestina como pouco mais que uma força policial palestina encarregada de suprimir qualquer resistência, para que prosseguisse a ocupação e a colonização da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
O critério para avaliar qualquer líder palestino sempre foi o quanto colaborasse com Israel: se colaborasse muito, era considerado "parceiro da paz". Rabin, segundo Shlomo Ben-Ami, ex-ministro de Negócios Extrangeiros de Israel, "jamais entendeu que [Oslo] levaria à formação de um pleno Estado palestino". Nisso, acertou.
Durante o "processo de paz", os governos israelenses, fosse qual fosse o primeiro-ministro, sempre ampliaram as colônias étnicas só para judeus, no coração da Cisjordânia – território que, em tese, seria o núcleo territorial do Estado palestino. Nos anos 90s, o governo do Labor liderado por Ehud Barak, aprovou expansão ainda maior da colonização do que a que, antes, fora aprovada pelo governo do Likud liderado por Benjamin Netanyahu.
Barak, antes considerado "pombo" [de linha pressuposta menos dura que os "falcões" da extrema direita], promoveu, na campanha eleitoral, imagem de líder sanguinário, emulado pelo massacre de civis em Gaza, que planejou e ordenou, como ministro da Defesa. "Ele algum dia matou alguém?" – Barak perguntava em campanha, para desmerecer Avigdor Lieberman, lider do partido Yisrael Beitenu proto-fascista, tentando caracterizar Lieberman como 'mole'.
Hoje, o partido de Lieberman, que derrotou o Labor, pelo 3º lugar, desempenhará papel decisivo em qualquer governo que venha a ser construído em Israel. Imigrante que chegou a Israel vindo da Moldávia, ex-república soviética, Lieberman já foi membro do partido Kach, hoje posto na ilegalidade por ter plataforma racista e pregar a expulsão de todos os palestinos.
A plataforma eleitoral do partido de Liberman exige que 1,5 milhão de cidadãos árabes-palestinos que vivem em Israel (a população remanescente ou os descendentes da maioria autóctone vitimada pela limpeza étnica de 1948) preste juramento de lealdade a Israel. Quem não jure lealdade ao "Estado judeu" perderia a cidadania e o direito de propriedade sobre a terra em que é sua de pleno direito, passando à condição em que já vivem milhões de palestinos expulsos, em diáspora, ou reunidos nos guetos controlados por Israel. Em movimento instigado por Lieberman mas apoiado pelo Kadima dito "de centro", de Livni, o Parlamento israelense aprovou moção que proibiu os partidos árabes de concorrer a eleições. A moção foi derrubada pela Suprema Corte Israelense ainda antes das eleições, mas é sinal bem claro das políticas que estão por vir.
Lieberman, que já foi primeiro-ministro parlamentar, tem longa história de incitamento à violência e ao racismo. Antes do ataque a Gaza, por exemplo, recomendava que os israelenses usassem contra os palestinos a mesma violência brutal e indiscriminada que a Rússia usou na Chechênia. Também sugeriu que membros árabes do Parlamento israelense que mantivessem contatos com o Hamás fossem executados.
Mas é fácil demais fazer de Lieberman o bicho-papão da hora. O espectro político de Israel estreitou-se muito. Está limitado hoje entre um ex-"campo da paz" que jamais nem tentou impedir a violenta expropriação da terra dos palestinos pelos colonos judeus e orgulha-se dos crimes de guerra praticados em Gaza, e, no outro extremo, uma extrema-direita cujas "soluções" vão do apartheid à mais obscena limpeza étnica.
E a escandalosa hipocrisia ocidental tampouco ajuda a melhorar o quadro. O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA já disse que o governo Obama negociará com qualquer governo que nasça da "pujante democracia" israelense e prometeu que os EUA não interferirão na "política interna" de Israel. Apesar da conversa adocicada do presidente Barack Obama, sobre novo relacionamento com o mundo árabe, todos viram que o padrão 'duas caras' não mudou. Em 2006, o Hamás venceu eleições democráticas nos territórios ocupados; respeitou várias decisões unilaterais de Israel e acordos que foram sempre violados por Israel; ofereceu a Israel uma trégua longa, de uma geração, para preparar a Região para a paz; e, mesmo assim, continua a ser boicotado pelos EUA e pela União Européia.
Pior que isso: os EUA patrocinaram um golpe fracassado contra o Hamás e continuam a armar e treinar as milícias anti-Hamás de Máhmude Abbas, cujo mandato como presidente da Autoridade Palestina expirou dia 9/2. No primeiro dia como presidente, Obama imediatamente declarou que boicotaria a democracia palestina.
A mais clara mensagem das eleições em Israel é que o partido Sionista crê que pode resolver a charada básica de Israel e nunca mais se discutirá a possibilidade de uma Solução de Dois Estados. Israel só pode constituir-se como "Estado judeu" se remover à força a maioria não-judia da Palestina. Como os palestinos outra vez são maioria num país que resiste obcecadamente a qualquer partilha, o único modo de manter controle judeu sobre a Palestina é empregar violência cada vez mais brutal e reprimir completamente qualquer resistência (vide Gaza).
Seja qual for o governo que venha a ser constituído, comandará a ampliação das colônias, a discriminação racial e a escalada da violência.
Há alternativas que já ajudaram a pôr fim a conflitos igualmente sangrentos e que também pareciam inabordáveis: uma democracia, ao estilo da África do Sul, de um-habitante-um-voto; ou democracia com partilha do poder, como se fez na Irlanda do Norte. Só sob sistema democrático que assegure direitos a todos os habitantes de um território, as eleições têm poder para transformar o futuro dos povos.
Mas Israel hoje mergulha em declarado fascismo. Seria excesso de ingenuidade, tolice, continuar a pretender – como tantos ainda fazem – que os líderes israelenses fracassados e criminosos, teriam a chave do mapa para sair do pântano.
Em vez de esperar que formem alguma coalizão, temos de ampliar a campanha internacional, na sociedade civil planetária, de boicote, de desinvestimento e de sanções, para obrigar Israel a escolher caminho mais são.
Ali Abunimah é jornalista, co-fundador de The Electronic Intifada. O original deste artigo, em inglês, está publicado em inglês aqui no The Guardian e aqui no The Eletronic Intifada
Tradução: Caia Fittipaldi
Sempre que há eleições em Israel, a mídia põe-se a repetir o refrão de sempre, de que as esperanças de paz dependeriam do "campo da paz" – antes reunido no partido Labor, mas hoje reunido no Kadima de Tzipi Livni – que se oporia à direita inimiga de qualquer paz, liderada pelo partido Likud.
Isso jamais foi verdade, e menos sentido faz hoje, quando todos os partidos israelenses iniciam conversações para formar novo governo, depois das eleições do dia 10/2. O "campo da paz" ajudou a iniciar o "processo de paz", mas muito mais trabalhou, isso sim, para minar todas as possibilidades de haver algum acordo justo.
Em 1993, Yitzhak Rabin, do Labor, primeiro-ministro, assinou os acordos de Oslo. Ambiguidades no texto do acordo – que não fez qualquer menção a "autodeterminação" ou "independência" para os palestinos, e tampouco considerou a "ocupação – facilitaram que se chegasse a um acordo de curto prazo. Mas logo sobreveio a inevitável confrontação entre expectativas irreconciliáveis.
Enquanto os palestinos esperavam que a Autoridade Palestina, criada pelo acordo, seria o núcleo de um Estado independente, Israel entendia a mesma Autoridade Palestina como pouco mais que uma força policial palestina encarregada de suprimir qualquer resistência, para que prosseguisse a ocupação e a colonização da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
O critério para avaliar qualquer líder palestino sempre foi o quanto colaborasse com Israel: se colaborasse muito, era considerado "parceiro da paz". Rabin, segundo Shlomo Ben-Ami, ex-ministro de Negócios Extrangeiros de Israel, "jamais entendeu que [Oslo] levaria à formação de um pleno Estado palestino". Nisso, acertou.
Durante o "processo de paz", os governos israelenses, fosse qual fosse o primeiro-ministro, sempre ampliaram as colônias étnicas só para judeus, no coração da Cisjordânia – território que, em tese, seria o núcleo territorial do Estado palestino. Nos anos 90s, o governo do Labor liderado por Ehud Barak, aprovou expansão ainda maior da colonização do que a que, antes, fora aprovada pelo governo do Likud liderado por Benjamin Netanyahu.
Barak, antes considerado "pombo" [de linha pressuposta menos dura que os "falcões" da extrema direita], promoveu, na campanha eleitoral, imagem de líder sanguinário, emulado pelo massacre de civis em Gaza, que planejou e ordenou, como ministro da Defesa. "Ele algum dia matou alguém?" – Barak perguntava em campanha, para desmerecer Avigdor Lieberman, lider do partido Yisrael Beitenu proto-fascista, tentando caracterizar Lieberman como 'mole'.
Hoje, o partido de Lieberman, que derrotou o Labor, pelo 3º lugar, desempenhará papel decisivo em qualquer governo que venha a ser construído em Israel. Imigrante que chegou a Israel vindo da Moldávia, ex-república soviética, Lieberman já foi membro do partido Kach, hoje posto na ilegalidade por ter plataforma racista e pregar a expulsão de todos os palestinos.
A plataforma eleitoral do partido de Liberman exige que 1,5 milhão de cidadãos árabes-palestinos que vivem em Israel (a população remanescente ou os descendentes da maioria autóctone vitimada pela limpeza étnica de 1948) preste juramento de lealdade a Israel. Quem não jure lealdade ao "Estado judeu" perderia a cidadania e o direito de propriedade sobre a terra em que é sua de pleno direito, passando à condição em que já vivem milhões de palestinos expulsos, em diáspora, ou reunidos nos guetos controlados por Israel. Em movimento instigado por Lieberman mas apoiado pelo Kadima dito "de centro", de Livni, o Parlamento israelense aprovou moção que proibiu os partidos árabes de concorrer a eleições. A moção foi derrubada pela Suprema Corte Israelense ainda antes das eleições, mas é sinal bem claro das políticas que estão por vir.
Lieberman, que já foi primeiro-ministro parlamentar, tem longa história de incitamento à violência e ao racismo. Antes do ataque a Gaza, por exemplo, recomendava que os israelenses usassem contra os palestinos a mesma violência brutal e indiscriminada que a Rússia usou na Chechênia. Também sugeriu que membros árabes do Parlamento israelense que mantivessem contatos com o Hamás fossem executados.
Mas é fácil demais fazer de Lieberman o bicho-papão da hora. O espectro político de Israel estreitou-se muito. Está limitado hoje entre um ex-"campo da paz" que jamais nem tentou impedir a violenta expropriação da terra dos palestinos pelos colonos judeus e orgulha-se dos crimes de guerra praticados em Gaza, e, no outro extremo, uma extrema-direita cujas "soluções" vão do apartheid à mais obscena limpeza étnica.
E a escandalosa hipocrisia ocidental tampouco ajuda a melhorar o quadro. O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA já disse que o governo Obama negociará com qualquer governo que nasça da "pujante democracia" israelense e prometeu que os EUA não interferirão na "política interna" de Israel. Apesar da conversa adocicada do presidente Barack Obama, sobre novo relacionamento com o mundo árabe, todos viram que o padrão 'duas caras' não mudou. Em 2006, o Hamás venceu eleições democráticas nos territórios ocupados; respeitou várias decisões unilaterais de Israel e acordos que foram sempre violados por Israel; ofereceu a Israel uma trégua longa, de uma geração, para preparar a Região para a paz; e, mesmo assim, continua a ser boicotado pelos EUA e pela União Européia.
Pior que isso: os EUA patrocinaram um golpe fracassado contra o Hamás e continuam a armar e treinar as milícias anti-Hamás de Máhmude Abbas, cujo mandato como presidente da Autoridade Palestina expirou dia 9/2. No primeiro dia como presidente, Obama imediatamente declarou que boicotaria a democracia palestina.
A mais clara mensagem das eleições em Israel é que o partido Sionista crê que pode resolver a charada básica de Israel e nunca mais se discutirá a possibilidade de uma Solução de Dois Estados. Israel só pode constituir-se como "Estado judeu" se remover à força a maioria não-judia da Palestina. Como os palestinos outra vez são maioria num país que resiste obcecadamente a qualquer partilha, o único modo de manter controle judeu sobre a Palestina é empregar violência cada vez mais brutal e reprimir completamente qualquer resistência (vide Gaza).
Seja qual for o governo que venha a ser constituído, comandará a ampliação das colônias, a discriminação racial e a escalada da violência.
Há alternativas que já ajudaram a pôr fim a conflitos igualmente sangrentos e que também pareciam inabordáveis: uma democracia, ao estilo da África do Sul, de um-habitante-um-voto; ou democracia com partilha do poder, como se fez na Irlanda do Norte. Só sob sistema democrático que assegure direitos a todos os habitantes de um território, as eleições têm poder para transformar o futuro dos povos.
Mas Israel hoje mergulha em declarado fascismo. Seria excesso de ingenuidade, tolice, continuar a pretender – como tantos ainda fazem – que os líderes israelenses fracassados e criminosos, teriam a chave do mapa para sair do pântano.
Em vez de esperar que formem alguma coalizão, temos de ampliar a campanha internacional, na sociedade civil planetária, de boicote, de desinvestimento e de sanções, para obrigar Israel a escolher caminho mais são.
Ali Abunimah é jornalista, co-fundador de The Electronic Intifada. O original deste artigo, em inglês, está publicado em inglês aqui no The Guardian e aqui no The Eletronic Intifada
Nenhum comentário:
Postar um comentário